qui mar 28, 2024
quinta-feira, março 28, 2024

Sobre exploracao dos trabalhadores da construcao em Beijing

Os trabalhadores migrantes da construcao civil que estao erguendo a “Nova Pequim”, na China, sao vitimas habituais de exploracao mediante a negacao de salarios adequados e trabalho em condicoes perigosas, sem seguro contra acidentes nem acesso a atendimento medico e outros servicos sociais, denunciou a ONG internacional Human Rights Watch em informe publicado em 31 de marco.

O informe de 61 paginas chamado One Year of My Blood (Um ano do meu sangue) documenta o nao-cumprimento por parte do governo chines de suas repetidas promessas de respeitar os direitos dos trabalhadores migrantes da construcao, assim como de por fim as privacoes provocadas pelo carater discriminatorio do sistema de registro de lares (hukou). Calcula-se que um milhao de trabalhadores, procedentes de outra parte da China, constituem cerca de 90% da mao-de-obra da construcao em Pequim. Esses trabalhadores sao a forca por tras da finalizacao da infra-estrutura e das instalacoes esportivas relacionadas aos Jogos Olimpicos, que terao inicio em 8 de agosto.

“O governo chines e so palavra e nenhuma acao na hora de oferecer protecao e servicos sociais significativos aos trabalhadores migrantes da construcao”, assinalou Sophie Richardson, diretora de Incidencia Politica na Asia para a Human Rights Watch. “Apesar dos anos de retorica oficial, os empregadores seguem arrochando os salarios que os trabalhadores da construcao ganham duramente. E, quando se trata dos servicos sociais basicos, o governo segue discriminando os migrantes”, agregou.

O informe da ONG documenta como os empregadores forcam habitualmente os migrantes a trabalhar, retem seus salarios por ate um ano e logo lhes oferecem um pagamento unico consideravelmente inferior ao acordado e ao salario minimo de Pequim. Alguns empregadores se negam totalmente a pagar.

Um trabalhador disse a Human Rights Watch: “desde que cheguei ao lugar de trabalho tenho trabalhado todos os dias, nao tenho nada de dinheiro e nunca sai para descansar”.

Outro trabalhador migrante explicou que nao lhe haviam pago nada, apesar de um acordo verbal em que se estabeleceu que receberia seus sete meses de salario ao finalizar o projeto. O trabalhador disse a ONG: “(o representante da empresa) disse ‘ainda nao chegou o dinheiro’, ‘o chefe nao esta’, ‘o chefe esta ocupado’, e nos dava desculpas desse tipo pelo atraso”.

O sistema chines hukou de registro de lares, planejado para prevenir e controlar a entrada massiva de residentes rurais nas cidades da China, impede que os trabalhadores migrantes da construcao de Pequim gozem de beneficios sociais como atendimento medico, servicos de que so dispoem os residentes urbanos legalmente registrados.

De um trabalhador migrante se exigiu que apresentasse copias de um hukou de Pequim para poder apresentar uma reclamacao de custos medicos derivados de um acidente industrial. Ele nunca havia tido um hukou de Pequim. O trabalhador disse a Human Rights Watch: “uma vez mais me impedem de golpe o acesso a protecao legal”. Outros trabalhadores entrevistados pela ONG explicaram que nao podiam apresentar queixas contra seus empregadores por nao-cumprimento das condicoes salariais porque careciam de autorizacoes de residencia em Pequim.

A Human Rights Watch disse que os empregadores continuam ignorando impunemente a legislacao trabalhista e apelou aos dirigentes chineses para proteger os trabalhadores migrantes discriminados pelo sistema hukou. Em vez de abolir o sistema de registro de lares, o governo comecou a conceder autorizacoes temporarias de residencia urbana aos trabalhadores migrantes, perpetuando assim um sistema discriminatorio.

“Se o governo chines quer realmente proteger os direitos dos trabalhadores migrantes, deve comecar por abolir o sistema hukou”, assinalou Richardson. “Apenas com isso se facilitaria que os trabalhadores pudessem apresentar denuncias e que as autoridades indiciem os empregadores que violem as leis trabalhistas”, agregou.

A China e parte do Pacto Internacional de Direitos Economicos, Sociais e Culturais e, portanto, se comprometeu em garantir condicoes trabalhistas justas e favoraveis a seus trabalhadores, que incluem salarios apropriados, um ambiente trabalhista seguro e saudavel e limitacoes razoaveis ao horario de trabalho. Apesar dessas obrigacoes e de outras normas similares da legislacao chinesa, os investigadores da Human Rights documentaram numerosos abusos, entre os quais:

a) negacao do pagamento mensal regular do salario. Os empregadores nao cumprem habitualmente o artigo 50 do Codigo Trabalhista, que dispoe que os salarios devem ser pagos mensalmente, ao oferecer pagamentos unicos anuais, o que afeta gravemente a seguranca dos trabalhadores migrantes e suas familias durante todo o ano;

b) nao-pagamento ou pagamento insuficiente de salarios. Os empregadores pagam, frequentemente, os trabalhadores abaixo do salario minimo, e alguns nao pagam nada. Um grupo de trabalhadores disse a ONG que seu empregador se negou a pagar pelo trabalho realizado entre abril e novembro de 2006. Em marco de 2007, ainda nao havia pagado aos trabalhadores;

c)  os empregadores tambem negam habitualmente aos trabalhadores migrantes da construcao os contratos e seguros medicos e contra acidentes dispostos na lei, e expoem os trabalhadores a doencas e lesoes mediante condicoes de trabalho perigosas.

 

Para cumulo das desgracas, um sistema de recursos oficial disfuncional impede que os trabalhadores reclamem seus direitos legalmente protegidos – quem protesta enfrenta ameacas de violencia, que algumas vezes sao mortais. Em julho de 2007, capangas contratados para reprimir greves assassinaram um trabalhador migrante da construcao numa obra na provincia de Guangdong, onde os trabalhadores em greve levavam meses para receber seus pagamentos.

 

“E inaceitavel que os trabalhadores corram o risco de morte ou lesao simplesmente por reclamar seu direito ao pagamento pontual e a um salario justo completo”, assinalou Richardson. “Mais promessas vazias do governo apenas garantirao mais riscos, mais lesoes e mais mortes”, agregou.

 

Os Jogos Olimpicos contribuiram certamente para impulsionar o auge da construcao civil na cidade. O COI (Comite Olimpico Internacional), que selecionou Pequim como sede dos Jogos, deve buscar uma certificacao independentemente de que todos os trabalhadores empregados nas obras olimpicas sao remunerados legal e adequadamente, trabalham em condicoes seguras e estao protegidos frente a outros abusos trabalhistas. A necessidade dessa certificacao e especialmente urgente desde que o governo chines admitiu, em janeiro, que seis trabalhadores tinham morrido nas instalacoes olimpicas nos ultimos tres anos.

 

Em janeiro de 2006, o governo municipal de Pequim anunciou que tinha sancionado por retencao de salarios 12 empresas nao identificadas que foram contratadas para a construcao de projetos relacionados com os Jogos Olimpicos. Ainda que a Human Rights Watch nao tenha obtido nenhuma informacao especifica sobre instalacoes olimpicas, a constancia dos abusos registrados em outros projetos de construcao em Pequim deveria despertar preocupacao pela exploracao em todas as obras, incluidas as destinadas aos Jogos.

 

“Se o movimento olimpico se orgulha realmente de sua dedicacao aos ‘principios eticos universais e fundamentais’, o COI deve assegurar-se de que os trabalhadores que participam na construcao das instalacoes olimpicas de Pequim desfrutem ao menos de um tratamento justo e de acordo com a legislacao chinesa e as normais fundamentais internacionais de direitos humanos, cujo respeito a China assumiu e prometeu a seus cidadaos”, assinalou Richardson.

 

Testemunhos selecionados de trabalhadores migrantes chineses entrevistados para o informe

 

“Estou ja mais de dez anos como trabalhador migrante e nenhum de meus empregadores nos forneceu seguro” – trabalhador da construcao entrevistado em Pequim pela ONG em janeiro-marco de 2007.

“[O horario de trabalho] era diferente a cada dia. Nao havia horario fixo nem unificado, e nao importava que fosse dia ou noite, todo o tempo era hora para trabalhar, as vezes tinhamos de nos levantar a meia-noite enquanto estavamos dormindo” – um segundo trabalhador migrante da construcao entrevistado em Pequim pela ONG em janeiro-marco de 2007.

 

“Acabavamos com menos de 20 yuanes (US$ 2,67) ao dia, e ainda deduziam de nos outros oito yuanes (US$ 1,07) ao dia por custos de vida; como se supoe que vamos sobreviver os trabalhadores?” – terceiro trabalhador.

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