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sexta-feira, março 29, 2024

"Uma nova era de paz, estabilidade e desenvolvimento"?

Foi essa a promessa que fez Joseph Kabila, o mais provável vencedor das eleições do dia 29 de outubro na República Democrática do Congo (RDC)[1], graças ao apoio, entre outros, de F.J. Nzanga Mobutu, o filho do ditador expulso em maio de 1997 por Désiré Kabila[2], pai de Joseph. Kabila conta também com o apoio quase aberto dos antigos colonizadores do país. Por outro lado, segundo alguns, ele se tornou o modelo de chefe de Estado que devemos apoiar, e, para o PTB (Partido do Trabalho da Bélgica)[3] é um “novo Chavéz”. Qual é a realidade?

 

A grandes linhas que vão determinar o futuro do país estão escritas no:

-Código dos investimentos

-Código mineiro

-Código do trabalho

 

Segundo o código dos investimentos: “Já que a RDC optou por uma economia liberal moderada do tipo “Economia Social de Mercado”, o crescimento econômico e o desenvolvimento dependem da seguinte tripla proposta:

 

1)      O Estado deve ter o papel de organizador e catalisador das forças vivas, responsabilizando-se pelas infra-estruturas e pelos investimentos nas industrias de base, instituindo um quadro institucional e jurídico que assegura a proteção das pessoas e dos bens;

2)      O setor privado cria riquezas nacionais e emprego (deve responsabilizar-se pela produção de bens e serviços);

3)      A sociedade civil se encarrega de promover o homem em todas suas dimensões.

 

Portanto, o Estado se encarrega da construção de estradas e garante a proteção da propriedade privada, para que “o setor privado”, ou seja, as multinacionais, possam roubar as riquezas mineiras. E as instituições políticas estáveis devem garantir a “paz social”.

 

Eis como Joseph Kabila selou com o imperialismo a exploração massiva do Congo através de leis assinadas por sua própria mão. É assim que ele “preserva a soberania nacional”. E é essa a “reconstrução do país”, que, segundo o PTB, Kabila vai promover.

 

O novo Código Mineiro (2002) que liberaliza as atividades mineradoras fez disparar as concessões sobre os direitos de mineração: das 16 concessões em 2003 chegou-se a 2600 em 2006.

 

Já analisamos no nosso jornal Presse Internationale 40 e 41, a ingerência do exercito belga na RDC, a serviço da recolonização do país. Quando a “comunidade internacional” observou sem reagir ao massacre de três milhões de congoleses nas guerras de 1998 a 2003, agora o Conselho de Segurança da ONU votou, a três ou quatro semanas das eleições, a Resolução 1711, que “permite prolongar até o 15 de fevereiro 2007 o aumento das tropas e da polícia da MONUC”. Como no Líbano, são enviadas tropas para uma intervenção pontual e depois essas tropas ficam.

 

O fato de aviões belgas matarem na RDC[4], não suscita muito interesse, só algumas linhas nos jornais noticiam o fato. Ao contrario, festeja-se o fato da Bélgica poder vigiar cada congolês graças aos drones (aviões-espião). “O tenente-coronel Vermer tem muito orgulho da precisão das fotos dos seus drones: parece um vigia de uma loja filmando furtos.”[5]

 

O cobre o e cobalto, cuja extração requer investimentos importantes e infra-estruturas complexas, são de novo muito apreciados pelo mercado. Os grandes investidores internacionais que voltaram ao Congo paulatinamente, após o assassino de Laurent-Désiré Kabila, se alegram do verniz de legitimidade que o poder vai ganhar daqui pouco. De fato, instituições estáveis e uma relativa “paz social” são indispensáveis para continuar a saquear as riquezas do país.

 

E se for Jean-Pierre Bemba que ganhar, não tem problema. Ele é filho de um dos multimilionários da época Mobutu; desde os acordos de Sun City em 2003 ocupa o cargo de vice-presidente e é encarregado da comissão “Economia e finanças” – ajudando a executar as diretivas do Banco Mundial e do FMI.

 

Stephane Kabasu, Presidente da Câmara de Comercio de Kinshasa, que estava liderando uma delegação de 38 executivos congoleses, jogou uma luz interessante sobre a situação: “Estamos aqui para criar laços. Juntos, reunindo nossos interesses e nossos meios, podemos ganhar dinheiro”.

 

Hoje em dia, fala-se muito do risco de “balcanização”, de explosão do país. Mas as tropas da Monuc constituíram uma proteção contra esse perigo.

 

A política do imperialismo sempre foi dividir os povos das diversas regiões. O mosaico dos Bálcãs é o resultado dessa política, após a desagregação do Império Otomano. O Iraque nos fornece outro exemplo mais recente: face à dificuldade de controlar o país e de saquear o petróleo, o imperialismo provoca contradições étnicas e quer a divisão do país. Na RDC, a Constituição votada em 2005 divide o país em 26 províncias e lhes atribui 40% do orçamento do Estado. Mas os jovens, entretanto, só acham um meio de sobrevivência se juntando a um ou outro senhor da guerra e, dessa maneira, as rivalidades étnicas são mantidas. A unidade de fachada só é mantida para garantir uma estabilidade mínima necessária ao saque das riquezas do país.

 

Fora as multinacionais do Congo!

Devolução das riquezas do Congo ao povo congolês!

Retirada imediata das tropas belgas e estrangeiras!

 

 

 

O ponto de vista do PTB (1)

“A colonização realizou duas coisas importantes para os Congoleses. De um lado, ela unificou um imenso território no coração da África: um estado grande, do tamanho da Europa foi fundado (…) O período colonial desenvolveu também as forças produtivas numa velocidade incrível”.

Ludo Martens, Solidaire, 18/02/2006

 

O ponto de vista do PTB (2)

“Levando em consideração a correlação de forças desfavorável, o apoio dos Estados Unidos aos agressores (Uganda e Ruanda), a superioridade militar e organizativa desses, o presidente Joseph Kabila fez concessões muito importantes e agüentou muitas humilhações para poder preservar o essencial: a unidade do país, a soberania nacional. (…) Se, com as eleições, o atual presidente recebe sua legitimidade, será finalmente possível trabalhar pela reconstrução do país e terá espaço para um debate aberto sobre a maneira de fazê-lo (…). Kabila terá as mãos livres para promover uma política nacionalista e usar as matérias primas do Congo, de acordo com o bem-estar do povo congolês. Um novo Chavéz ou Morales, dessa vez no coração da África, isso não vai agradar os Estado Unidos”.

 

“Nunca esqueceremos os massacres nos quais tantos dos nossos perderam a vida, nem as cadeias nas quais foram torturados os que se recusavam a se submeter a um regime opressor e explorador”.

Patrice Lumumba – Bruxelas 1961, citado na nossa Imprensa Internacional 26, fevereiro 2004.

 

“A historia da República Democrática do Congo, é também a historia dos Belgas, missionários, funcionários e empresários que acreditaram no sonho do Rei Leopold II: construir, no centro da África, um Estado. Queremos homenagear a memória de todos esses pioneiros”.

Joseph Kabila – Bruxelas 2004, citado por Ludo Martens, Solidaire, 18/02/2004

 

“‘Essa terra é a terra dos nossos antepassados, o cobre é nosso!’ Era o que gritavam os mineiros do cobre de Katanga, abandonados após a reestruturação da Gécamines, quando o ministro belga De Gucht lá esteve em fevereiro 2006. Esse tinha sido convidado para comemorar o 175ª aniversário da fundação do país colonizador”. (Le Soir, 06/02/2006)



[1] O país foi uma colônia de Bélgica até 1960, quando obteve sua independência, assumindo Patrice Lumumba como premiê. Entre 1971 e 1996, denominou-se Zaire e esse último ano adotou seu nome atual.

 

[2] Depois de vários anos de guerra civil e confrontos, tomou o poder o general Mobutu Sese Seko quem instaurou uma ditadura pessoal que duraria até 1997. Esse ano foi derrocado por Laurent-Desiré Kabila. Abriu-se uma nova guerra civil na que também intervieram tropas de outros países. Kabila foi assassinado em 2001 e seu filho Joseph assumiu como Chefe de Estado. Em 2002, assinou-se um acordo de paz que,  mesmo precário, ainda perdura. Em 2006, realizaram-se eleições gerais e, depois de escrito este artigo, Joseph Kabila foi proclamado vencedor da segunda volta das eleições presidenciais.

 

[3] O PTB é o principal partido de esquerda da Bélgica. De origem maoísta evoluiu para posições cada vez mais reformistas e de adaptação ao regime burguês.  

[4] Dia 4 de Outubro um avião belga caiu em Kinshasa, matando uma mulher e ferindo outra pessoa.

 

[5]  Le Soir, 27/10/2006

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