qui mar 28, 2024
quinta-feira, março 28, 2024

Afeganistão: Os generais e Obama em seu labirinto

Este artigo foi publicado na Revista da LIT-QI, Correio Internacional – Terceira Época no. 2.
_____________________________________________
 
A guerra do Afeganistão têm sido um dos fatores mais importantes de desprestígio e de crise da administração Obama e das FFAA dos EUA, como expressa a destituição do comandante das tropas norte-americanas nesse país.
 
Recentemente esta crise explodiu nas “alturas”, isto é, no centro do alto comando das Forças Armadas dos EUA. Seu auge foi a demissão do comandante das tropas americanas no Afeganistão, o general Stanley McChrystal. O elemento detonante da crise foram as bombásticas declarações do general em entrevista à revista Rolling Stone atacando vários funcionários da administração Obama, inclusive o próprio presidente.
 
Entre outras coisas, McChrystal chamou o general Jim Jones, assessor de Segurança Nacional, de “palhaço”, disse que Richard Holbrooke, enviado da Casa Branca para o Afeganistão e o Paquistão, é como um “animal ferido” por temer sua demissão, riu quando chamaram o vice-presidente Joe Biden de “Bite Me” (algo assim como “não enche”) e disse que Obama estava “desconfortável e incomodado” na primeira vez que se encontraram.  Obama não teve outra saída a não ser demitir McChrystal, que foi substituído por David Petraeus, ex-comandante das tropas americanas no Iraque. Petraeus assegurou que a estratégia norte-americana de contrainsurgência será mantida no Afeganistão.
 
Uma mudança tão importante nas “alturas” não pode ser explicada se não tem como pano de fundo a situação militar da guerra e o contexto político e social, isto é da luta de classes, em que esta se desenvolve. E em relação a isto não há outra conclusão possível a crise do comando militar dos EUA reflete a crise de uma ocupação militar sem saída e a derrota que estão sofrendo na guerra.
 
Por que os EUA estão perdendo esta guerra?
 
A partir de julho de 2010, quando a guerra do Afeganistão completa 8 anos e nove meses (ou 105 meses em total), este passa a ser o mais longo conflito armado em que os Estados Unidos combateram. A guerra do Vietnam, que durou 103 meses, foi ultrapassada.  Não casualmente, a guerra do Iraque é a terceira em duração (87 meses).
 
Obviamente, não é preciso uma análise muito profunda para concluir que, se o mais poderoso imperialismo da história não conseguiu derrotar um dos países mais pobres do mundo, algo vai muito mal. E numa guerra quem não consegue derrotar um inimigo militar e economicamente muito mais fraco começa a sofrer um desgaste inevitável, refletido em inúmeras perdas materiais e humanas.
 
Em primeiro lugar, o imperialismo sofre com a correlação de forças mundial depois da derrota da ofensiva guerreira da era Bush. O objetivo estratégico de invadir, ocupar militarmente e estabilizar politicamente o Oriente Médio e a Ásia Central, para garantir o acesso às fontes estratégicas de petróleo, fracassou totalmente devido à resistência das massas do Iraque, do Afeganistão, Líbano, Palestina, a América Latina e outros países e regiões.
 
O resultado dessa derrota é que os Estados Unidos estão obrigados a lutar em duas guerras ao mesmo tempo, as mais longas de sua longa história de intervenções militares. E não há perspectiva para o fim das ocupações militares. Isto significa que o país tem um enorme gasto público com a manutenção de mais de 200 mil soldados nos dois países, com armas e munições, sem contar o desgaste político nas FFAA, entre os partidos políticos, a burguesia e a opinião pública. Ou seja, o imperialismo tem cada um dos pés metido em um “atoleiro”.
 
Em segundo lugar, houve uma mudança política das massas afegãs. Em 2001 os Estados Unidos ocuparam o país e expulsaram o talibã, com apenas uma débil resistência. Hoje, é evidente que se o talibã está presente em 97% do país e realiza ações em 80% do território, como reconhecem as próprias agências de inteligência imperialistas, é porque a maioria do povo afegão está contra a ocupação imperialista e, se não participa diretamente da luta de resistência, pelo menos a apoia politicamente e quer a expulsão do invasor que lhe causou tanto sofrimento nestes anos.
 
Por outro lado, no terreno militar propriamente dito, os Estados Unidos também estão perdendo a guerra. Junho foi o mês com o maior número de baixas nas tropas da OTAN (103 soldados mortos pelos insurgentes). O Talibã não só atua em 80% do território do Afeganistão, mas controla o sul e o sudeste do país. A ofensiva das tropas americanas em Marja, na província de Helmand, é uma “úlcera sangrando”, segundo o próprio general McChrystal.
 
Por fim, mas não menos importante, é preciso agregar um elemento: a guerra é cada vez mais impopular entre os trabalhadores e o povo norte-americano e inclusive em setores da própria burguesia que não vêem sentido na continuação de tamanho esforço econômico e militar.
 
Mas, sempre fica uma dúvida: a maior potência do mundo não poderia mobilizar seus imensos recursos econômicos e militares e derrotar facilmente o Talibã e a resistência afegã? Ou seja, os Estados Unidos não poderiam ganhar esta guerra?
 
A resposta a estas perguntas não pode ser dissociada do contexto geopolítico mundial e o processo histórico da luta de classes no Afeganistão. A partir deste enfoque, fica claro que o imperialismo enfrenta uma situação muito difícil. Geográficamente o território está constituído em um 85% por altas montanhas. É um país rural, com uma infraestrutura destruída depois de 30 anos de guerra. As massas camponesas têm um treinamento prático em três décadas de luta guerrilheira. Assim derrotaram o poderoso exército soviético, depois combateram na guerra civil e há nove anos vem enfrentando as tropas dos EUA e da OTAN. São inimigos acostumados ao combate e à condições extremamente duras de existência.
 
Para ganhar, segundo especialistas militares da própria CIA, os EUA teriam que mobilizar um milhão de soldados, o que só seria possível com o restabelecimento do recrutamento obrigatório, medida que sofre forte resistência entre a população dos EUA desde a derrota do Vietnam. Seria necessário atacar militarmente com toda força, sem limites, causando um número de baixas civis similar aos dois milhões de vietnamitas mortos durante o conflito, o que obviamente causaria uma comoção mundial. E seria necessário estar disposto a aceitar a perda inevitável de soldados americanos, no mesmo nível, por exemplo, que a guerra do Vietnam (mais de 58 mil soldados mortos).
 
Além disso, é preciso lembrar que todas estas medidas foram aplicadas no Vietnam e mesmo assim os EUA perderam a guerra. De qualquer maneira, no Afeganistão estes custos políticos poderiam provocar uma reação de massas e um movimento anti-guerra dentro dos EUA, ou seja, uma crise política para o governo imperialista, injustificável na situação atual.
 
Negociação com o Talibã: a única saída para os EUA na situação atual
 
Se não pode ganhar a guerra, mas também não pode admitir uma derrota cabal que significaria sair do Afeganistão e deixar que o Talibã volte ao poder, só resta aos EUA negociar, nas melhores condições possíveis, um acordo com os insurgentes.
 
Por isto, o governo de Bush, a partir de 2006, adotou uma nova tática, diferente da que motivou a invasão do Afeganistão e do Iraque. Esta nova tática é a Contra-insurgência (chamada Coin). Seu objetivo seria ganhar os “corações e mentes” da população afegã (e de outros países onde os EUA estejam combatendo), com ações políticas e sociais. Ao mesmo tempo, procuram fortalecer e formar um exército e uma polícia afegãs que possam controlar o país quando as tropas imperialistas se forem.
 
A política de contra-insurgência não se contradiz com um aumento de tropas ou de operações militares. No entanto, estas estão subordinadas à ação política e à negociação. Quando a contra-insurgência foi aplicada no Iraque a partir de 2006, com o nome de “surge”, o imperialismo tratou de enviar um contingente de mais 30 mil soldados para reforçar sua presença militar. Mas, a ação mais importante foi a negociação com um setor das milícias sunitas que passaram a receber milhões de dólares mensais para não atacar as tropas americanas e sim a Al-Qaeda.
 
Quando assumiu o governo, Obama se dispôs a fazer algo parecido. Nomeou o general Stanley McChrystal, que antes era o segundo em comando no Iraque, para dirigir as tropas dos EUA no Afeganistão. Depois, a pedido do general, enviou mais 30 mil soldados para combater o Talibã. O objetivo não era ganhar a guerra, tarefa impossível nas circunstâncias que explicamos antes, mas sim impor derrotas parciais e enfraquecer o Talibã para impor uma negociação em melhores termos. Junto com isso, pressionado pela opinião pública que votou nele, Obama marcou para agosto de 2011 a retirada total das tropas norte-americanas do país.
 
Quando assumiu McChrystal pediu mais 40 mil soldados para impor derrotas ao talibã e poder negociar. Foi atendido quase totalmente, Obama mandou 30 mil. Mas não funcionou. O problema é que o inimigo não estava de acordo com o esquema imperialista. A feroz ofensiva lançada em fevereiro na cidade de Marja na província de Helmand se está eternizando em combates constantes. O próprio exército dos EUA foi obrigado a adiar para setembro a ofensiva na província de Kandahar que estava prevista para o mês de junho.
 
Um episódio recente retrata mais que qualquer análise a deterioração da situação político-militar e as dificuldades da estratégia da contra-insurgência. Um dos soldados afegãos, destacado nas tropas britânicas para formar-se participando das missões de um regimento de infantaria dos famosos gurkas nepaleses, assassinou um capitão britânico, outro oficial da mesma nacionalidade e um soldado gurka, além de ferir outros quatro soldados. Depois fugiu e se incorporou à insurgência, segundo informou um porta-voz talibã.
 
Esta não é a primeira vez que as tropas britânicas sofrem incidentes assim.  Não é difícil entender que os soldados britânicos e os instrutores passem a ver seus “alunos” afegãos com desconfiança. De fato, depois de vários incidentes parecidos, o comando britânico deu a ordem para que seus soldados estivessem sempre armados no interior de suas próprias bases e que nas patrulhas mistas com soldados afegãos sempre houvesse um soldado britânico vigilante com sua arma automática engatilhada. Obviamente é muito difícil que oficiais e soldados das tropas de ocupação realizem a instrução militar dos afegãos com tranquilidade se vêem em seus “alunos” possíveis assassinos que a qualquer momento podem acabar com suas vidas.
 
A conclusão evidente é que, na medida em que a política de contra-insurgência não está funcionando, o próprio objetivo de negociar com o Talibã em condições de força e permitir que os EUA retirem a maioria de suas tropas do país está comprometido.
 
Crise, desgaste e impasse do governo Obama
 
Os acontecimentos que culminaram com a demissão do general McChrystal só se explicam a partir deste fracasso da estratégia de contra-insurgência. Mas, por que McChrystal escolheu uma forma aberta e pública para externar seus desacordos e a insatisfação com a administração Obama?
 
É óbvio que um general tão experiente sabia que ao dar semelhantes declarações certamente não deixaria outra alternativa a Obama que não fosse sua demissão. Portanto, a explicação mais provável é que McChrystal forçou sua demissão para não ter que arcar com a toda a carga do fracasso da estratégia da contra-insurgência e, desta forma, com toda a guerra do Afeganistão.
 
Ao mesmo tempo, aproveitou para desgastar a administração Obama. McChrystal, juntamente com o Partido Republicano, defende uma maior intervenção militar no Afeganistão e uma política militar mais agressiva, coisa que Obama evidentemente já não julga possível. Também não é casual que a única funcionária de alto escalão não citada pelo general, a secretária de Estado Hillary Clinton, também é partidária de uma política mais dura.
 
Obama nomeou o general Petraeus, que foi bem-sucedido no Iraque, como o novo comandante das tropas no Afeganistão. Mas, nada indica que a situação vai sofrer uma mudança a favor dos EUA. Desta forma, o prazo de 2011 para a retirada total das tropas não será possível. Há um impasse: os EUA não podem implementar uma ofensiva total, mas também não podem retirar-se. Aí está o famoso “atoleiro”.
 
E o “atoleiro” está dividindo inclusive os democratas. Em 21 de julho, o New York Times informava: “Em data recente deste mesmo mês, 153 democratas, incluindo a presidente da Câmara de Deputados, Nancy Pelosi, votaram a favor de uma emenda que exigiria um cronograma preciso para a retirada das tropas. Só que 98 democratas se uniram aos republicanos para derrotar esta proposta”.
 
A situação da guerra é um dos importantes elementos, junto com a condução da política econômica e o vazamento de petróleo no Golfo do México, que contribui atualmente para o desgaste do governo Obama. Segundo pesquisa do Washington Post/ABC News, 54% desaprova a condução da economia do país pelo presidente. Este é o pior índice desde que Obama chegou à presidência. Tudo indica que nas eleições parciais para deputados e senadores em novembro deste ano, o Partido Democrata e Obama devem sofrer uma derrota que pode significar a perda da maioria na Câmara e inclusive no Senado.
 
A situação econômica, principalmente o desemprego, e a guerra são elementos que se relacionam diretamente e se realimentam. A intervenção militar aumenta o déficit do orçamento nacional dos EUA e incide sobre a capacidade do estado intervir sobre os efeitos da crise econômica. Por sua vez, a necessidade do estado intervir na crise aumentou brutalmente o déficit do orçamento e limita os gastos militares e consequentemente a capacidade de intervenção dos EUA na guerra. Os outros elementos que contribuem para enfraquecer politicamente o governo e as perspectivas de uma derrota eleitoral, limitam ainda mais sua margem de manobra. Para Obama e os generais do Pentágono não há saída a vista deste labirinto.

Confira nossos outros conteúdos

Artigos mais populares