qui mar 28, 2024
quinta-feira, março 28, 2024

A proibição do véu faz suas primeiras vítimas

A proibição do véu na França pelo governo Sarkozy já fez as suas primeiras vítimas. Três mulheres que protestavam em frente à Catedral de Notre Dame, no centro de Paris, foram presas, humilhadas pela polícia e forçadas a pagar multa pela sua rebeldia, além de jurar que nunca mais voltarão a usar o véu em público.

Sem contar que, muito provavelmente, essas mulheres, ao chegar às suas casas após sair da prisão, sentirão outro golpe opressivo: o desprezo da família e a rejeição do marido. Ainda que não houvesse nada além da proibição, as mulheres da classe trabalhadora do mundo, todas as mulheres pobres e oprimidas, exploradas e violentadas, deveriam se levantar contra Sarkozy.

Proíbe-se o véu em um momento crítico

A lei entrou em vigor no dia 11 de abril de 2011, quando o imperialismo e as ditaduras no mundo árabe vivem um momento extremamente crítico. Parece muito inofensiva, mas não é. Proíbe o véu islâmico integral – a burca, que cobre a mulher da cabeça aos pés e tem uma abertura na altura dos olhos, ou o nijab, que cobre a cabeça e o pescoço – em todos os espaços públicos, inclusive repartições públicas, hospitais, agências do correio e até transportes públicos e lojas. Isso significa que, de agora em diante, uma mulher com burca ou nijab não poderá entrar em um ônibus ou metrô, não poderá se tratar em um hospital, não poderá enviar cartas e também não poderá comprar nas lojas. Se fizer isso, terá que pagar uma multa de 150 euros. O presidente da França, Nicolás Sarkozy, alega que “o véu aprisiona as mulheres e seu uso contraria valores seculares da França, como a dignidade e a igualdade”. (O Estado de S. Paulo, 11/4/11)

Cabe perguntar ao presidente o que mais aprisiona as mulheres: o uso do véu ou restringir sua liberdade individual e impedir que vivam livremente na França como todas as pessoas?

Proibir o véu islâmico em território francês é muito mais que prender três mulheres. É uma medida burguesa e imperialista de grande magnitude porque não se dá em um momento qualquer, mas em uma situação especial. Hoje, graças a uma somatória de fatores – crise econômica na Europa, incerteza do projeto imperialista da União Europeia, fracasso da política de Bush e Obama no Iraque e em todo o Oriente Médio, avanço de uma espetacular revolução em todo o mundo árabe que está derrubando ditadores sanguinários, agentes do imperialismo na exploração do petróleo e das massas árabes, sem que o imperialismo tenha clareza suficiente para saber onde vai parar essa revolução – os governos europeus estão à beira de um ataque de nervos. E apelam para medidas democrático-populistas de caráter duvidoso, como proibir o véu, procurando fortalecer sua imagem perante os setores de classe média, em geral mais sensíveis a essas questões.   

Qual o objetivo da proibição?

Mas as reações contrárias que vêm se dando no mundo inteiro não dão a Sarkozy nenhuma garantia de que vai conseguir fortalecer sua imagem. Proibir o véu na França, onde há milhares de muçulmanos vivendo e procurando trabalho com dignidade em outro país que não é o seu porque assim foi imposto pelo capitalismo, a sociedade de exploração em que vivemos e da qual Sarkozy é um dos máximos representantes, não é mais um dos ataques que um governo burguês imperialista faz às mulheres. É um ataque à sua luta pela sobrevivência.
  
Em primeiro lugar, é necessário interpretar esta lei como um ataque à classe trabalhadora de conjunto, a todos os que são explorados, oprimidos, vilipendiados, que têm seu sangue arrancado a cada dia, cada hora, cada minuto pelos capitalistas em todos os lugares do mundo. Porque não podemos nos enganar: hoje o ataque é contra um véu, mas, se deixamos passar, virão mais ataques: à dignidade, aos valores, à cultura e às crenças dos povos, para que homens e mulheres que não têm nada além de sua força de trabalho, sem vontade própria, sem opinião, sem cultura alguma, sejam mais suscetíveis de manipulação.

Em segundo lugar, querem fazer esta lei reacionária parecer libertária, revolucionária, avançada. Mas não há nada mais atrasado. Sarkozy quer aparecer como um chefe de Estado que coloca todo o seu aparato e todos os seus recursos a serviço do combate à opressão das mulheres, como paladino dos direitos humanos. Os trabalhadores franceses, os trabalhadores árabes, as mulheres francesas e árabes sabem que não existe nada mais distante da verdade. Sabem que o que o governo francês faz é utilizar o véu para encobrir um dos mais duros ataques aos direitos do povo trabalhador, como vem ocorrendo em toda a Europa, com violentos cortes sociais e na aposentadoria, ataques à saúde e à educação públicas, que afetam os setores mais debilitados do povo, entre eles as mulheres. Com uma mão proíbe o véu para as muçulmanas; com a outra, condena as francesas a uma vida de miséria.

Com um discurso que exalta a dignidade e a igualdade, Sarkozy também tenta encobrir uma política de incentivo à xenofobia, de ódio aos imigrantes, às minorias étnicas, aos trabalhadores e pobres de culturas diferentes da francesa. Como se a cultura francesa fosse libertária, respeitadora das culturas estrangeiras. Que os povos colonizados pelos franceses digam se foi assim, submetidos pelos colonizadores a uma verdadeira lavagem cerebral para que adotassem uma cultura “mais elevada”. Que os povos indígenas digam se foi assim, aculturados a ferro e fogo pelos “nobres e cultos” franceses que dessa forma puderam roubar suas raízes, ocupar suas florestas e se apoderar de suas riquezas. Que os negros escravos trazidos da África digam se foi assim, forçados a se submeter à força de chicote e se colocar a serviço dos amos franceses com uma corda no pescoço.

Condenar a lei de Sarkozy não significa defender o véu islâmico, que em última instância significa uma imposição religiosa e moral às mulheres contra sua vontade, um símbolo de como a sociedade vê as mulheres: seres inferiores que não têm vontade própria, umas pecadoras que devem sair cobertas à rua para não seduzir o sexo oposto, e pior, como propriedade dos homens, sem o direito de se exibir em público para não despertar a cobiça do outro.

Mas a imposição do véu, assim como sua proibição, não são duas políticas opostas. Ao contrário, são duas faces da mesma política dos governos burgueses para submeter a classe trabalhadora, para dizer que “aqui quem manda somos nós, os governos e os patrões”. E, agora que as mulheres são mais da metade da classe trabalhadora mundial, que produzem a riqueza assim como os homens e que por isso se sentem no direito de opinar, de protestar e participar de marchas e greves, que se sentem fortes o suficiente para tomar as armas e enfrentar os exércitos inimigos, ombro a ombro com os homens, o imperialismo as teme e por isso cria políticas específicas para controlá-las, subjugá-las e mantê-las caladas e em “seu lugar”. Nesse sentido também vem a lei de Sarkozy, já que começaram a aparecer mulheres-bombas, escondidas sob as burcas e os nijabs.

O véu e a revolução

Hoje, quando a revolução incendeia os países árabes, a proibição do véu significa um ataque a todos os rebeldes, homens e mulheres que lutam contra as sanguinárias ditaduras que os oprimem e os exploram há anos. Significa pôr mais um grão de humilhação na consciência do povo árabe que, com toda a dignidade que ainda consegue reunir, e toda a força que a união de homens e mulheres lhes proporciona, vem dando o seu sangue pela liberdade e por uma vida melhor. Ver as mulheres árabes com véus que cobrem a cabeça ou todo o corpo nas lutas das ruas no Egito, Líbia, Tunísia, Iêmen nos diz algo muito simples, mas que é mortal para Sarkozy e todos os governos burgueses capitalistas: diante da miséria e da morte, o véu é repressão, sim, mas não um obstáculo intransponível para que as mulheres peguem em armas e se unam aos homens para derrubar a ditadura, expulsar o imperialismo dos seus territórios e defender a riqueza do petróleo para a sobrevivência dos seus filhos, do seu povo, do seu país, da sua cultura. “Uma vez vencidos os verdadeiros inimigos do povo árabe, então veremos o que fazer com o véu”, dizia uma jovem árabe com o nijab na cabeça e os olhos bem abertos. 

Não será pelas mãos de Sarkozy que o véu cairá por terra. Essa é mais uma das grandes tarefas que a revolução árabe tem pela frente: libertar as mulheres da opressão e todo o povo trabalhador da fome e da miséria a que estão submetidos há tanto tempo. Para isso, é necessária a mais ampla solidariedade de todos os povos do mundo. Por mais que condenemos o véu e todos os costumes retrógrados que oprimem as mulheres, neste momento em que as massas árabes enfrentam inimigos poderosos, o simples ato de pensar que Sarkozy tem razão e que sua medida é democrática significa uma traição aos povos árabes, que se encontram entre dois fogos – o da sua ditadura e o da OTAN – e por isso precisam de toda sua integridade, toda sua coragem e todo o nosso apoio para vencer essa guerra. 

Por mais que Sarkozy tente, a história é implacável: a abolição do véu será obra das próprias mulheres árabes, assim como a libertação dos trabalhadores e do povo pobre virá das mãos dos próprios trabalhadores. E se não vencerem essa guerra, os trabalhadores terão muitas vítimas mais para enterrar, como todos os rebeldes que serão decapitados pelo imperialismo, o povo massacrado pelos bombardeios, sem contar a vida de miséria que os espera caso o imperialismo saia vencedor e transforme seus países em enclaves coloniais a serviço das grandes potências. A resistência das mulheres árabes que se negam a tirar o véu islâmico hoje – por menor que seja seu gesto e por mais que se insista que é sinônimo de opressão – é uma atitude de resistência às imposições imperialistas que merece a solidariedade de todas as mulheres do mundo.     

Tradução: Raquel Polla

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