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sexta-feira, março 29, 2024

A Praça exige a saída da Junta Militar

A revolução no Egito não para
 
O grito de centenas de milhares de egípcios é: É necessário completar a revolução! Cairo, Alexandria, Suez… fervem ao calor da luta de um povo que defende suas conquistas com unhas e dentes e briga para avançar no caminho de sua libertação total.

 Porque nenhum dos problemas fundamentais do povo egípcio foi resolvido. Tanto o desemprego como suas condições materiais de vida continuam em estado dramático e insuportável.
 
A emblemática Praça Tahrir é protagonista, desde o dia 18 de novembro, de mobilizações em massa exigindo a saída da Junta Militar que substituiu o ditador Hosni Mubarak em 11 de fevereiro deste ano, depois de heroicos 18 dias de intensos protestos. Essa nova onda de manifestações começou quando o Conselho Supremo das Forças Armadas (CSFA), como passou a ser chamada a Junta Militar, divulgou uma carta de princípios da nova Constituição na qual pretendem conceder poderes ilimitados aos militares.
 
No início, foi a própria Irmandade Muçulmana que convocou os protestos. Rapidamente, aumentaram em número (centenas de milhares de pessoas tomaram as ruas de várias cidades) e em radicalização. O saldo de mortos, produto da brutal repressão, até o momento em que escrevíamos esta declaração já somava 38, e o de feridos, mais de dois mil. A situação é tão candente que a pressão popular conseguiu fazer com que o governo provisório, nomeado diretamente pela Junta e encabeçado pelo ex-ministro Essam Sharaf, renunciasse.
 
No entanto, a juventude e o povo trabalhador egípcio não pararam por aí. Aqueles que ocupam a Praça Tahrir se cansaram de manobras e mentiras. Perderam a paciência e a confiança nas tréguas. Querem tirar a Junta Militar do governo, assim como expulsaram o tirano pró-imperialista Mubarak.
 
As massas contra o plano político de “transição” da Junta
 
Os egípcios estão demonstrando da melhor forma, nas ruas, que não aceitam o projeto de “transição” política proposto pelos militares.
 
O marechal Mohamed Hussein Tantawi, que foi ministro da Defesa de Mubarak por 20 anos e agora encabeça a Junta Militar, tinha se comprometido a ficar no poder por um período de somente seis meses, até as eleições de um parlamento constituinte e de um novo governo eleito. No entanto, as eleições parlamentares não foram convocadas para setembro, mas para o dia 28 de novembro, sob um sistema tão confuso como antidemocrático (uma eleição por fases que duraria até janeiro de 2012). Sobre a data das eleições presidenciais, os militares começaram falando de 2012 ou inclusive de 2013, mas, por causa das mobilizações, foram obrigados a fixar uma data para junho do próximo ano.
 
Assim, o que detonou a indignação das massas foi o projeto antidemocrático dos militares. Na carta de princípios já mencionada, eles apresentaram a sua intenção de tornarem-se “avalistas da Constituição” após as eleições. Esta “proteção constitucional” oferecida pela Junta Militar consiste em negar soberania política a um futuro parlamento. A carta propõe que os membros do CSFA continuem atuando como “árbitros”, usando um poder de veto sobre qualquer artigo da futura Constituição com o qual não concordem e gozando de liberdade irrestrita para definir o orçamento das Forças Armadas de maneira sigilosa.
 
Como se vê, não é por acaso que as massas continuam lutando. O ódio e a saturação em relação ao governo militar foi crescendo. Isso mostra que a revolução avançou muito, se considerarmos que, quando Mubarak caiu, existia entre as massas um importante grau de confiança no exército como instituição.
 
Nove meses depois, a experiência política foi corroendo esta confiança. Neste período, todas as ações – realizadas ou anunciadas – da Junta Militar se chocaram com as aspirações de um povo que está demonstrando que não vai entregar a sua revolução. Em declarações ao jornal El País, um trabalhador egípcio chamado Osama opina sobre o governo militar: “São uns ladrões, os mesmos de antes”. Outro, Saader, apoia os protestos porque acha que “Tantawi não tem nada para oferecer”. Continua: “Se algum desconhecido governasse, eu confiaria nele, mas no Exército? Já o conheço. Quero algo melhor para meu filho pequeno”. Adel, um professor, sentencia: “Se pretendem se acomodar que se preparem. Nós já sabemos o caminho para Tahrir”.
 
A irritação cresceu com a nomeação de Kamal Ganzuri, ex-ministro de Mubarak, como novo chefe de gabinete, causando mais indignação na Praça. Ocorreu o mesmo quando o porta-voz da Junta foi à TV e, com todo o cinismo, “pediu desculpas à nação” e reafirmou a convocação das eleições para segunda-feira, dia 28 de novembro. Mas o povo egípcio já está farto. Não pode dar nenhuma credibilidade às promessas da Junta.
 
Nós, da LIT-QI, apoiamos incondicionalmente a luta do povo egípcio para derrubar a Junta Militar repressora, pró-imperialista e que impõe a fome ao país. Repudiamos energicamente as brutais repressões que este governo está infligindo à juventude e à classe trabalhadora egípcia que sai às ruas para exigir liberdades e garantias democráticas. Ao mesmo tempo, rechaçamos as tentativas de trair a luta mediante os pactos e negociações que a Irmandade Muçulmana e outros setores estão levando adiante com a Junta de Tantawi.
 
A luta intensa, sublime e decidida que estamos presenciando na emblemática Praça Tahrir é parte e continuidade de todo o processo revolucionário vivido no Norte da África e no Oriente Médio. A vitória do povo egípcio será a vitória de toda essa região. Será uma vitória de toda a classe trabalhadora mundial.
 
Secretariado Internacional – LIT-QI
24/11/2011
 
Publicamos a parte sobre o Egito do documento sobre as revoluções no norte de África e Oriente Médio, votado no X Congresso da LIT realizado entre 29 de outubro e 5 de novembro 2011.
 
Egito: uma revolução em curso
 
O regime egípcio, derrubado, teve origem nos anos 50 quando, após a queda do rei Faruk, em 1952, os oficiais livres tomaram o controle do Estado egípcio. Nesse contexto, Nasser foi o típico governo bonapartista sui generis. Apoiou-se nas massas em seus confrontos com o imperialismo e esteve à frente de conquistas nacionais importantes, como a nacionalização do Canal de Suez. Por isso, até hoje é recordado como herói e o exército egípcio ainda guarda essa imagem de luta pela independência. Nasser, por outro lado, mantinha um controle absoluto da vida política, reprimiu os sindicatos e os comunistas, ao mesmo tempo em que cooptava numerosos líderes sociais. Era um regime bonapartista, que reprimia qualquer tentativa de organização independente e no qual não havia liberdades democráticas para a oposição.
 
Já nos últimos anos do governo Nasser, podia-se ver um retrocesso no curso nacionalista e uma negociação com o imperialismo para o país voltar a ser uma típica colônia. Mas esse giro não foi completado por Nasser, mas por seu sucessor: Anwar Sadat. Este personagem assinou a paz com Israel e entregou a luta dos palestinos, passou a colaborar diretamente com o exército dos EUA e com Israel. O regime manteve uma férrea censura e repressão, em uma dinâmica de colaboração com o imperialismo. Com Sadat, o Egito passou a ser uma peça-chave do esquema de sustentação da ordem imperialista na região. Com o assassinato de Sadat, foi substituído por Mubarak, que era o vice e o comandante da Força Aérea. O Egito, então, continuou sendo um pilar da ordem imperialista e uma garantia às fronteiras de Israel. Foi uma vitória importante do imperialismo e de Israel, que conseguiram contar com a colaboração do Egito para vigiar as fronteiras israelenses e colaborar na repressão aos palestinos em Gaza, ao mesmo tempo em que pressionava a OLP a capitular ao Estado sionista.
 
Considerando esta trajetória histórica, a poderosa revolução do início de 2011 conquistou um enorme triunfo ao derrubar o ditador Mubarak e o regime que imperava desde 1950.
 
No Egito, cumpriram-se os dois critérios para definir que o regime político caiu, apesar de as Forças Armadas continuarem formalmente no governo:
 
a) Houve uma crise revolucionária, que se manifestou com a existência de um duplo poder expressado na Praça Tahrir e no governo Mubarak. Essa crise ficou clara quando Mubarak e o imperialismo definiram uma proposta de abertura controlada, com a continuidade do governo até as eleições de setembro, o que foi rechaçado pela praça, ampliando as mobilizações.
 
b) Houve uma mudança fundamental no regime: Mubarak antes governava apoiado nas Forças Armadas e na repressão direta. Agora, existem amplas liberdades democráticas e o governo militar tem que negociar com a oposição os passos a serem dados para as eleições marcadas para novembro.
 
O símbolo dessa mudança foi o fato de que o ex-premiê Essam Sharaf ter que ir à Praça Tahrir buscando legitimidade.
 
Por isso, consideramos que o regime anterior caiu e isto exige um ordenamento particular das palavras de ordem dentro do programa.
 
Antes, a palavra de ordem fundamental era a queda da ditadura. Agora devemos apontar para um governo dos trabalhadores, que a princípio ainda terá uma forma propagandística porque o processo recém se inicia.
 
Em torno desse eixo político, devemos levantar um programa de transição que inclua outro eixo democrático. Este eixo inclui a liberdade dos presos políticos; a destruição dos aparelhos repressivos; a punição aos torturadores; a rejeição à reforma constitucional; por uma Assembleia Nacional Constituinte etc. Essas palavras de ordem democráticas têm uma importância enorme, só mudam de hierarquia na atual situação. O centro agora é a luta anti-imperialista, contra Israel e pela abertura da fronteira de Gaza, defesa das condições de vida dos trabalhadores lutando por um aumento salarial imediato, o fim do controle militar e a defesa do controle operário das empresas, por sindicatos livres etc.
 
Todos esses eixos devem ser concretizados em palavras de ordem que façam parte de um verdadeiro programa de ação para a revolução egípcia. E nosso programa deve estar dirigido contra o atual governo militar. É muito importante atacar esse ponto frágil da revolução egípcia, essa confiança que as massas ainda têm nos militares. Todos esses eixos levam os trabalhadores e os jovens a se chocarem com o atual governo militar. E devemos explicar pacientemente que os militares não estão ao lado do povo egípcio, mas sim de Israel, dos EUA e do que resta do regime anterior de Mubarak.
 
O caso egípcio, assim como as recentes eleições na Tunísia e o plano do CNT (Conselho Nacional de Transição) na Líbia para concretizar as eleições, mostra que o imperialismo está sendo obrigado a utilizar também nessa região a tática da reação democrática. Mantém enquanto pode o apoio às ditaduras, mas utiliza a reação democrática para desviar e controlar o ascenso revolucionário quando este escapa de seu controle.
 
As contradições da revolução
 
Não obstante, a revolução gerou uma forte contradição: as massas que enfrentaram e acabaram com Mubarak mantiveram ilusões no exército egípcio, o mesmo que foi o sustentáculo do regime por mais de 50 anos. Os militares conseguiram sair com prestígio popular devido à forma como se deu a revolução, em que eles apareceram como “neutros” diante do embate entre as massas e Mubarak, antecipando-se e exigindo a renúncia do ditador.
 
Os militares formaram um governo seu, que fez um acordo com vários partidos pré-existentes e com a Irmandade Muçulmana para a reforma ultralimitada da Constituição. Em base a esse acordo, promoveu um referendo. O apoio majoritário da população a essa reforma expressou a contradição entre a revolução em curso e as ilusões no novo governo e no acordo com as forças de oposição, como a Irmandade Muçulmana, que defendem essa reforma.
 
Essa contradição é um obstáculo para o avanço da revolução. Mais ainda com a Irmandade Muçulmana passando para o campo de apoio ao novo governo. No entanto, à medida que os problemas estruturais continuam, além da relação de dependência estrutural com os EUA, coloca-se a perspectiva de um confronto entre a Junta Militar que assumiu após a queda de Mubarak e as aspirações das massas.
 
Isto expressa uma grande desconfiança da juventude mobilizada em relação ao governo da Junta Militar. Os últimos confrontos entre Israel e os militares egípcios na fronteira do Sinai, com a morte de 5 soldados egípcios após um ataque de grupos guerrilheiros às tropas israelenses, geraram uma ação de vanguarda na embaixada de Israel que forçou a fuga do embaixador sionista nesse país e diante da qual o governo reagiu com uma repressão duríssima exercida pela polícia e pelo exército egípcios. No entanto, a pressão das massas existe. Não foi por acaso que o ex-premiê Sharaf foi obrigado a falar da “revisão do tratado de paz com Israel” depois dos choques e da invasão da embaixada.
 
Está em curso um processo de organização independente no movimento sindical e estudantil. Independentemente das confusões, é um processo que vai se ampliando tanto no movimento sindical quanto no estudantil. Esse processo também tende a entrar em confrontos com as restrições do governo às greves e às liberdades sindicais.
 
No Egito, está em curso uma revolução socialista e anti-imperialista inconsciente. Como a revolução continua, o processo aponta cada vez mais para um confronto entre as massas e o novo governo, que trata de reprimir as mobilizações que se chocam com a exploração, com sua relação estrutural de dependência do imperialismo e com seus acordos com o sionismo. A encruzilhada que vive tem, como as demais revoluções no mundo árabe, que enfrentar o problema da organização independente e a crise de direção revolucionária.
 
Tradução: Rosângela Botelho

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