ter abr 16, 2024
terça-feira, abril 16, 2024

A FMLN e sua consolidação como aparato eleitoral no governo

A que se devem as mudanças na estrutura do partido


Um dos fatos políticos que marcou o ano passado foi, sem dúvida alguma, o papel que a FMLN (Frente Farabundo Martí para a Libertação Nacional) está desempenhando agora em sua nova posição como partido governista, tendo o controle direto de vários ministérios.

Por ter agora uma responsabilidade na administração direta de um governo burguês, a Frente está acelerando sua transformação em um partido que tenha uma estrutura e funcionamento mais de acordo com o que exige um regime de democracia burguesa. Com isso, a FMLN acomoda-se e se prepara para manter sua única estratégia, que é participar dos processos eleitorais que, como já deu para perceber, não mudam a condição de pobreza em que vive a classe trabalhadora deste país.


Uma das mudanças mais ouvidas e depois ratificadas na última convenção nacional foi o fato de que agora a FMLN passa a ter a figura do secretário-geral. Segundo a burguesia, isso seria um passo para uma mudança radical na estrutura da FMLN, mas a verdade é que hoje a FMLN precisa desta figura para impor com mais facilidade as decisões e políticas no partido, e em épocas eleitorais como a que está por vir.



Isso porque, no funcionamento interno da FMLN como partido de esquerda, não existe um regime democrático, como deveria existir em todo partido que se considera revolucionário, isto é, as bases deveriam ter a possibilidade de discutir qual é a política que o partido tem que aplicar de verdade, e ao mesmo tempo ter a liberdade de controlar, propor e eleger os militantes que têm as características para assumir um cargo de direção.



As últimas eleições internas foram um exemplo sobre o funcionamento desse regime na FMLN, quando uma grande quantidade de militantes ficaram fora da relação dos afiliados do partido com direito a voto. A respeito deste processo dizíamos o seguinte: “pela própria característica burocrática da direção atual da Frente, por seu regime interno de partido-exército e por depoimentos de ex-combatentes que foram excluídos do processo, podemos inferir que em grande parte esta exclusão é só uma das tantas formas com que os funcionários do partido impõem sua vontade e seus candidatos, estrangulando a democracia operária no seu interior e, assim, esmagando a iniciativa das bases revolucionárias.1



Se antes não se toleravam críticas à direção dentro da Frente quando esta cometia graves erros ao tomar decisões internas ao partido e também no governo, com a nova estrutura ficou bem claro que na FMLN não é permitido discordar da direção e muito menos pensar diferente de sua ideologia reformista. Isso foi expresso por Medardo Gonzales quando disse: “Ainda há na FMLN pensamentos obreiristas, pensamentos que também tendem a achar que a FMLN deve estar fora do sistema para ser uma esquerda autêntica ou que é preciso “benzer-se” diante do marxismo, do leninismo para ser coerente e consequente. Definitivamente na FMLN não achamos isso.” 2  



Agora, o militante da FMLN que achar que o partido deve voltar a ter um pensamento revolucionário e lutar para mudar o sistema capitalista é alguém que está equivocado.



Outra reforma importante que tem a ver com a consolidação da FMLN como partido governista, face às novas eleições, é o fato de que agora os candidatos a deputados e prefeitos poderão optar por uma quarta reeleição com a prévia aprovação da direção do partido. Aqui há mais uma violação ao princípio da democracia operária, já que em um partido revolucionário de esquerda os candidatos a postos públicos se elegem mediante a discussão e votação direta, com garantias democráticas para as bases. Hoje, a nova direção da Frente terá a “varinha de condão” com a qual vai dar a bênção a candidatos que respondam a seus interesses, como uma cúpula corrupta que seguirá mantendo seus privilégios dentro do partido.



A preocupação em ter um partido governista nos moldes do capitalismo e da burguesia



As próximas eleições para deputados e prefeitos já estão colocando em debate o tema das alianças, candidatos e as campanhas eleitorais, que começam este ano. Não devemos nos surpreender se, à medida que as eleições se aproximem, surgirem alianças eleitorais com partidos de direita como o GANA (Grande Aliança pela Unidade Nacional), o PDC (Partido Democrata Cristão) ou outras forças políticas que não têm nada a ver com a esquerda. Isso já é normal para a direção da Frente, tendo em vista que compartilham o governo com empresários que aspiram ser uma nova burguesia que concorra nos negócios com a velha guarda de burgueses que estão na ARENA (Aliança Republicana Nacionalista).



Todas essas mudanças, não só no pensamento dos velhos comandantes – agora dirigentes e inclusive ministros de governo -, vêm concretizar as intenções da burguesia e do imperialismo depois dos acordos de paz, que eram converter a FMLN em partido eleitoral e, desta forma, torná-lo inofensivo para seus interesses como classe dominante e para o sistema capitalista e, além disso, que se acomodasse em ver as eleições como o princípio e o fim da suposta “democracia”. E também que fizesse parte das instituições políticas que servem para manter o sistema capitalista em nosso país, que permite a um pequeno setor da sociedade, isto é, um punhado de milionários, apropriar-se de toda a riqueza do país, produto da exploração dos e das trabalhadoras.



Hoje, sem problema algum, a própria direção reconhece esse objetivo como partido, o que, para a burguesia, é música para seus ouvidos: “Mas a FMLN não propôs, nem apresenta como algo programático, não estamos colocando de forma alguma a necessidade de terminar com o capitalismo, com a grande empresa, com o grande capital”. E para que fique claro que este governo é um governo de aliança com os ricos e milionários, como a UST tem explicado, Medardo González assim o define: “A FMLN tem demonstrado e continuará demonstrando que não é inimiga do empresário, não é inimiga da grande empresa, e tampouco fala da necessidade da criação de outro modelo, de outro sistema. Estamos simplesmente pensando na necessidade de seguir com nosso país, de construir nosso país”.



É assim que o povo trabalhador e os militantes honestos dentro da Frente se encontram diante da contradição histórica de ver que o principal partido de massas da esquerda já deixou de sê-lo e que este instrumento não é o partido da classe trabalhadora, e que hoje encaminha-se para construir algo que está totalmente afastado do povo e de suas aspirações de mudanças estruturais neste país.



Notas:



1. El Proletario, n° 5. Setembro de 2010.



2. Jornal El Mundo. Segunda-feira, 06 de dezembro de 2010.

 

Tradução: Raquel Polla

Confira nossos outros conteúdos

Artigos mais populares