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sexta-feira, abril 19, 2024

EUA| O tiroteio de Buffalo foi vinculado à teoria racista da “grande substituição”

No sábado, 14 de maio, um atirador branco supremacista, Payton Gendron, de 18 anos, entrou em uma loja de comestíveis em Buffalo, Nova York, e massacrou 10 pessoas, enquanto feria outras três. Onze das 13 vítimas atingidas  durante o incidente eram negras. O autor dos disparos transmitiu o vídeo de sua matança diretamente pela Internet.

Por: John Leslie

Alguns dias antes, Gendron publicou um longo “manifesto” na Internet, que incluía planos para o ataque e citava a chamada “teoria da grande substituição”, um mito nacionalista branco que afirma que as elites, frequentemente representadas como judeus, estão conspirando para substituir os brancos, nos Estados Unidos, por minorias e imigrantes.

A desconexa declaração de Gendron citou Brenton Tarrant, que assassinou 51 pessoas em tiroteios em duas mesquitas da Nova Zelândia em 2019; Dylann Roof, que assassinou nove negros em uma igreja da Carolina do Sul em 2015; e Anders Breivik, o neonazista norueguês, que matou 77 pessoas, a maioria adolescentes, em um acampamento de jovens social democratas em 2011, como inspiradores para sua radicalização.

A polícia recuperou do veículo de Gendron, uma AR-15 usada nos tiroteios, assim como uma escopeta e um rifle de caça. Na AR-15 estavam rabiscadas as palavras “aqui estão suas reparações”: os nomes de Tarrant, Breivik y Roof; e o número 14, que representa as14 palavras que são usadas habitualmente como declaração entre os supremacistas brancos: “Devemos assegurar a existência de nosso povo e um futuro para as crianças brancas”. O acrônimo “SYGAOWN” (que significa “Parem seu genocídio contra nossas nações brancas”) estava escrito na escopeta, assim como o símbolo da Guarda de Ferro romena nazista.

O nacionalismo branco se generaliza

O nacionalismo branco se baseia no temor de que os brancos como grupo social percam sua primazia na sociedade estadunidense devido à diminuição da população branca e o aumento da imigração. É verdade que a população branca “não hispânica” como porcentagem do total está diminuindo. O nacionalismo branco vê isto como resultado de uma política consciente das elites liberais, frequentemente judias, para “substituir” a população branca por uma população que os racistas pensam que será mais fácil para as elites governantes controlarem.

O Southern Poverty Law Center escreveu: “Os nacionalistas brancos buscam voltar a uma América anterior à aplicação da Lei de Direitos Civis de 1964 e da Lei de Imigração e Nacionalidade de 1965. Ambas as leis históricas são citadas como precursoras da expropriação dos brancos e do chamado “genocídio branco” ou “a grande substituição”, a ideia de que os brancos nos Estados Unidos estão sendo sistematicamente substituídos e destruídos”.

O neoliberalismo e décadas de política antioperária contribuíram para introduzir esta mitologia na consciência de alguns setores da população branca, enquanto as comunidades rurais e das pequenas cidades sofrem os golpes da austeridade e de uma economia esvaziada. As “elites” costeiras e das grandes cidades são vistas como o inimigo por muitos brancos rurais cujo nível de vida caiu, enquanto que os democratas parecem estar alheios aos problemas dos estados “voadores”. As teorias conspirativas e os apelos aos sentimentos anti-imigrantes não fazem mais do que alimentar as chamas da reação.

O Partido Republicano moveu-se bruscamente para a direita nos últimos anos, depois de anos de ruídos racistas sobre os imigrantes e a “delinquência”, enquanto jogava com a política do ressentimento branco. As questões do nacionalismo branco, como a teoria da substituição, que antes só inspiravam as milícias violentas e os grupos neonazistas, passaram a fazer parte da corrente principal da política republicana nos anos de Trump. O próprio Trump fez apelos codificados à extrema direita em suas campanhas. Os defensores da teoria da substituição do Partido Republicano evitam a terminologia mais descarada, mas a mensagem é aberta: “eles” pretendem arrebatar o futuro dos estadunidenses brancos. Às vezes se fala de “genocídio branco”.

Na mobilização direitista de 2017 em Charlottesville, Virginia, os manifestantes nacionalistas brancos gritaram em coro: “Não nos substituirão!” e “Os judeus não nos substituirão!”. A manifestação de ultradireita de Charlottesville tornou-se violenta, com ataques aos contramanifestantes e o assassinato de Heather Heyer, uma ativista antifascista. O uso mais generalizado da teoria da substituição no Partido Republicano e na mídia de direita acusa os democratas de fomentar a imigração a partir da América Latina e Oriente Médio para “substituir” os eleitores tradicionais (brancos) por pessoas mais propensas a apoiar o Partido Democrata.

O propagandista da Fox News Tucker Carlson, herdeiro da fortuna das ceias congeladas Swanson, é o principal defensor da teoria da substituição na mídia de direita. Segundo The New York Times, “em mais de 400 episódios de seu programa, o Sr. Carlson amplificou a noção de que os políticos democratas e outras elites variadas querem forçar a mudança demográfica através da imigração”.

O Partido Republicano permitiu que tenha opiniões de extrema direita em suas fileiras no Congresso. Um grupo de republicanos da Câmara de Representantes tentou formar um “America First Caucus” em 2021 que, em parte, citava a importância das “tradições políticas exclusivamente anglo saxãs” nos EUA. Em fevereiro de 2022, a deputada Marjorie Taylor Greene, da Geórgia, e o deputado Paul Gosar, do Arizona, assistiram a uma conferência de supremacistas brancos organizada por Nick Fuentes, um supremacista branco que quer empurrar o Partido Republicano mais à direita. O líder da minoria do Partido Republicano, Kevin McCarthy, qualificou sua assistência de “espantosa e incorreta”, mas não tomou nenhuma medida contra eles. No atual ciclo eleitoral de metade do mandato, os candidatos do Partido Republicano exageraram as supostas ameaças aos estadunidenses “reais” ou “tradicionais” (cristãos brancos). A retórica do Partido Republicano sobre a “invasão” na fronteira, supostamente facilitada pelas políticas do governo de Biden, se baseia neste mesmo medo.

Apenas três dias depois do tiroteio em massa em Buffalo, a deputada Elise Stefanik, a terceira republicana da Câmara de Representantes, repetiu os argumentos da teoria da substituição, dizendo: “Os democratas querem desesperadamente fronteiras abertas e uma anistia em massa para os ilegais que lhes permita votar…Como a grande maioria dos estadunidenses, os republicanos querem assegurar nossas fronteiras e proteger a integridade das eleições”.

Stefanik afirmou que os democratas querem “conceder uma anistia a 11 MILHÕES de imigrantes ilegais” para “derrotar nosso atual eleitorado e criar uma maioria liberal permanente em Washington”.

J.D. Vance, o candidato ao Senado apoiado por Trump em Ohio, também promoveu a teoria da grande conspiração da substituição. Segundo The New Republic, Vance “fez comentários semelhantes, argumentando que os democratas estavam tentando provocar uma mudança na composição democrática deste país” e que estavam permitindo de propósito a entrada de fentanil nos Estados Unidos “para matar um montão de eleitores de MAGA (“Make America Great Again” slogan de Trump- NT)  no meio do coração”.

Votar nos democratas não nos salvará

A convergência da ideologia neofascista em um dos principais partidos capitalistas, junto com o crescimento de uma extrema direita cada vez mais violenta e armada, representa uma ameaça real para a classe operária e seus aliados. Os liberais argumentarão a favor das políticas de controle de armas ou que votar nos democratas vai representar um baluarte contra o avanço fascista na sociedade. Os socialistas revolucionários argumentam justamente o contrário.

Os Democratas, por ser um partido capitalista ligado a Wall Street, são incapazes de montar uma oposição eficaz ao ascenso da direita. De fato, os Democratas estiveram tentando recuperar essa parte de sua antiga base, os brancos da classe trabalhadora, desde a deserção dos Dixiecrats ao Partido Republicano de acordo com a Estratégia do Sul de Nixon. Durante as primárias democratas de 2008, Hillary Clinton opinou que Obama não podia ganhar os votos de “trabalhadores, os trabalhadores, os brancos”. Da mesma forma, seu marido se referiu à vitória de Obama na Carolina do Sul comparando-a com a vitória de Jesse Jackson nas primárias desse estado em 1988.

Devemos realizar campanhas de educação antirracista e antifascista em todos os centros de trabalho sindicalizados e não sindicalizados, e levantar as reivindicações dos setores oprimidos no trabalho e na luta contra a discriminação.

Esta luta está vinculada também à luta para organizar os não organizados da Amazon e de outros locais de trabalho. Muitas das novas campanhas de organização, do Alabama até Nova York e Califórnia, são dirigidas por trabalhadores de nacionalidades oprimidas. A direção da Amazon usou táticas abertamente racistas para desbaratar a campanha de sindicalização em Staten Island, enfrentando trabalhadores de diferentes nacionalidades. O principal assessor jurídico da Amazon descreveu o líder do sindicato de trabalhadores da Amazon, Chris Smalls, como “nem inteligente, nem eloquente, e à medida que a imprensa queira centrar-se em nós frente a ele, estaremos em uma posição de relações públicas muito mais forte que simplesmente explicando pela enésima vez como estamos tentando proteger os trabalhadores”.

Construir a oposição à extrema direita vai exigir a mobilização massiva e independente da classe trabalhadora e dos oprimidos. Esta oposição deve incluir os sindicatos como um componente essencial. A ação das massas é crucial para fazer retroceder estes capangas sob suas pedras. As guardas de autodefesa dirigidas democraticamente também desempenharão um papel necessário na luta. Em última instância, a derrota dos fascistas e da extrema direita vai exigir a construção de um partido operário revolucionário e a luta pelo poder operário democrático e o socialismo.

Foto: Manifestantes marcham para a cena do tiroteio em um supermercado em Buffalo, Nova York, no domingo 15 de maio de 2022. (Matt Rourke / AP)

Tradução: Lilian Enck

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