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quinta-feira, março 28, 2024

Polêmica| Os revolucionários e as frentes eleitorais

Em um recente artigo do portal “Política Obrera” Jorge Altamira desenvolve uma polêmica com o Partido Operário (PO) e os partidos da Frente de Esquerda dos Trabalhadores – Unidade (FIT-U) em relação às frentes eleitorais. Esta mesma questão, assim como a posição e atuação dos revolucionários diante das eleições e do parlamento, foi debatida exaustivamente no XII Congresso da Liga Internacional dos Trabalhadores (Quarta Internacional), da qual o PSTU da Argentina faz parte, como parte do rearme programático da internacional. Queremos contribuir para esta importante polêmica a partir das conclusões a quais chegamos.

Por: Iván Raboch

Altamira começa sua polêmica fazendo uma revisão histórica das diferentes experiências de frentes eleitorais de esquerda em nosso país desde 1983. Fiel à sua linha de conduta, começa com uma tergiversação histórica em relação ao morenismo. Depois de mencionar a campanha do PO por uma frente de esquerda para as eleições de 1985 afirma que “Foi então que teve lugar a frente episódica com o MAS, que o MAS dissolveu em questão de dias para coligar-se com o partido comunista, forças nacionalistas de esquerda e um setor marginal do peronismo”. O oportunismo político da manobra foi confirmado quando a Frente do Povo, a denominação oficial dessa frente, adotou como consigna estratégica “a Democracia com Justiça Social”. (1) Neste parágrafo há várias mentiras e omissões que precisam ser desmascaradas.

Para começar, a Frente do Povo (FREPU) nunca adotou essa suposta “consigna estratégica”. Revisamos cuidadosamente o programa de 23 pontos com que foi formada (2) e esta brilha por sua ausência. Também não foi uma consigna de agitação comum. Essa frente teve, além disso, um contexto ao qual o próprio Altamira se refere em seu artigo. Por um lado o salto na crise do peronismo após sua derrota eleitoral em 1983, e por outro o começo da crise do Partido comunista (PC) argentino no marco da ascensão de Gorbachov e o começo da restauração capitalista na ex URSS com a Perestroika.  O PO também chamava ao PC e à esquerda peronista para uma frente (e essa proposta estava no ponto 9 da ata onde foi acordada a primeira frente MAS- PO). Porém o programa proposto pelo PO para essa frente de esquerda consistia de 5 pontos, todos mínimos, democráticos ou anti-imperialistas (“um salário que permita cobrir a cesta básica familiar; não ao pagamento da dívida externa (…); estatização dos bancos e do comércio exterior; oposição à anistia aberta ou encoberta; defesa da autodeterminação nacional da revolução centro-americana”) (3) e esclarecia expressamente que não era “um programa “socialista”. Completando a trajetória de oportunismo e incoerência política, o PO pediu sua entrada em uma frente similar à FREPU que havia se concretizado pouco antes em âmbito local em Quilmes e depois se negou a integrar a FREPU, quando o PC abandonou sua negativa e aceitou formar a frente. Esta é a verdadeira história que Altamira oculta para seus leitores e que está bastante longe de sua falsa afirmação de que “Adaptamos a esta circunstância a linha de “golpear juntos e marchar separados” – uma advertência da importância estratégica da delimitação política, especialmente em questões de frente.”(4)

Por outro lado, Altamira finaliza sua revisão histórica fazendo algumas críticas à FIT com as quais concordamos.  Muito antes da ruptura do PO e do surgimento da Tendência que este lidera, viemos polemizando com os partidos da FIT pela subordinação de seus programas, políticas e ações à atividade eleitoral e parlamentar, suas votações equivocadas (ou quóruns) em acordo com os partidos patronais, a “sororidade” e o tratamento amistoso com os representantes políticos da burguesia, tudo o que Altamira agora enumera e sintetiza em” a FIT foi se convertendo em um veículo intermitente de integração parlamentar ao Estado”. O que não aparece em nenhuma parte é a mínima autocrítica pela sua responsabilidade neste processo de adaptação ao regime por parte do PO, a organização da qual foi o principal dirigente até pouco tempo, e que é uma das forças majoritárias da FIT-U. Este processo não apareceu depois de 2015, como Altamira pretende sugerir. Lembremos que nesse ano o PO festejava em sua imprensa a apresentação consensual com a FPV de um projeto sobre violência de gênero aprovado na Comissão da Mulher da Legislatura de CABA. (5) Naquele momento o legislador do PO na FIT era Marcelo Ramal, um dos principais dirigentes do atual PO(T)…

Porém restabelecer a verdade histórica não é o principal motivo desta polêmica, embora seja sempre importante fazê-lo.

Frente de esquerda e Frente Única Operária não são a mesma coisa

O debate principal que o artigo de Altamira apresenta é sua posição de que as frentes eleitorais de esquerda são uma tática correta e uma expressão da Frente Única Operária (FUO), que foi proposta pela Terceira Internacional e por Trotsky depois. O “desvio” da FIT-U poderia ser explicado pelo caráter oportunista da direção do PO oficial e das demais forças da FIT. Busca justificar deste modo a frente formada em Salta pelo PO (T) e o Novo MAS (NMAS) como um exemplo de um “frentismo” correto.

Mas a história do marxismo revolucionário mais uma vez desmente Altamira. A tática da FUO foi votada no Terceiro Congresso da Comintern como uma proposta de acordo para a luta comum que unificaria as fileiras operárias diante da contraofensiva burguesa posterior à onda revolucionária de 1917/1921 pós- Revolução Russa no primeiro pós-guerra. Estava dirigida às organizações socialdemocratas que continuavam sendo majoritárias no movimento operário e se baseava em um acordo com poucos pontos reivindicativos para lutar em comum.

Posteriormente Trotsky proporia esta mesma tática para enfrentar o fascismo e particularmente o nazismo na Alemanha. Porém justamente nesse país e ao mesmo tempo em que propunha essa tática, chamava o PC para não fazer nenhum acordo eleitoral com a socialdemocracia: “Regra geral, os acordos eleitorais, os acordos parlamentares feitos entre o partido revolucionário e a socialdemocracia, servem aos interesses da socialdemocracia…Nenhuma plataforma comum com a socialdemocracia ou com os chefes dos sindicatos alemães, nenhuma edição, nenhuma bandeira, nenhum cartaz comum: marchar separadamente, lutar juntos. Combinação apenas nisto: como combater, a quem combater e quanto combater” . (6) Este é o verdadeiro sentido da frase “marchar separadamente, lutar juntos” que como se vê, é o oposto ao que Altamira atribui em seu artigo.

A referência à Primeira Internacional tal como Altamira a inclui, também é equivocada, inclusive em seus componentes, mas essa explicação extrapola este artigo.

O “frentismo eleitoral” não é a tradição dos partidos revolucionários

Há várias décadas naturalizou-se como regra geral tanto em nosso país como a nível mundial, a “unidade de esquerda” para participar em eleições. No caso dos PC e outras organizações afins programaticamente, era uma derivação lógica das “Frentes populares”, uma concepção estratégica de co-governo que incluía não só os partidos reformistas como também setores “de esquerda” da burguesia. A novidade foi que isto também se naturalizou nas fileiras dos partidos que reivindicamos como trotskistas e revolucionários, com matizes que vão desde acordos entre estes setores somente (como a FIT-U, MST-NMAS, PO(T)-NMAS) até os acordos do velho MAS primeiro e o Movimento Socialista dos Trabalhadores (MST) depois com o PC (IU)(7). Em geral, as restrições que as cada vez mais impõem as antidemocráticas legislações eleitorais à participação das organizações de esquerda, pressionam nesse sentido.

E de uma forma talvez maior, também as pressões da burguesia para assimilar os partidos revolucionários para o jogo eleitoral desta democracia para ricos. Conseguir mais votos e cargos se traduz em dinheiro e fortalecimento dos aparatos partidários. Isso também se expressa na pressão de lutadores operários, estudantis e populares, que reivindicam a “unidade de esquerda” com a ilusão de modificar a relação de forças no parlamento a seu favor.

A LIT e seus partidos não ficaram imunes a estas pressões. O velho MAS, o maior partido trotskista do mundo, foi destruído por elas. E até há poucos anos no Brasil por exemplo, promovíamos frentes eleitorais com o PSOL e o PCB. Mas o estudo sério e o debate profundo das experiências da intervenção eleitoral dos marxistas revolucionários na história, nos permitiram ver erros que estávamos cometendo em nossas concepções e práticas políticas. Vimos que a regra geral pela qual se guiavam tanto os bolcheviques, a socialdemocracia (antes de sua transição para o reformismo), como os partidos da Terceira Internacional era apresentarem-se apenas com seu próprio programa às eleições e só em casos muito excepcionais faziam-se acordos com outros partidos, ainda assim preservando a liberdade de agitação e propaganda de seu próprio programa e apresentando seus próprios candidatos.

Com o abandono do marxismo por parte da II e III Internacionais, esta tradição se enfraqueceu. Mas em 1945 James Cannon fundamentava assim esta posição em um debate interno do Socialist Workers Party (SWP):

“Nosso propósito ao participar das eleições de Nova York, apresentando nossos próprios candidatos para prefeito e vereadores é popularizar o programa do partido e construir o partido. Um ‘acordo’ eleitoral com o Workers Party (8) não serviria a este propósito básico, pois só agregaria confusão. Fazemos propaganda de todo o programa do nosso partido, contra os programas de todos os outros partidos, inclusive o Workers Party. Não fazemos frente única para propaganda, só para a ação…”(9)

Por isso “O SWP, entre os anos 1948 e 1960, se apresentou seis vezes às eleições presidenciais e sempre o fez de forma independente, levando como candidato Farrell Dobbs (o principal dirigente operário do partido) apesar de obter muitos poucos votos (13.614 na primeira eleição)”(10)

Resgatar esta tradição revolucionária e esta linha de raciocínio marxista leva logicamente a uma autocrítica em relação a nossa própria trajetória e suas diferentes experiências eleitorais frentistas. Como Nahuel Moreno – nosso mestre e fundador – sempre disse, a crise da Quarta Internacional nos obrigou a praticar um “trotskismo bárbaro”, sem o apoio de uma verdadeira internacional e isso nos fez cometer muitos erros.

Mas diferentemente de outros dirigentes trotskistas que se acreditavam ou se acreditam infalíveis e levaram suas organizações à crise e ao oportunismo mais lamentável, Moreno nos educou no exemplo de sua honestidade revolucionária, a mesma que Lenin aconselhava. (11) A partir dessa tradição queremos contribuir para este debate.

Notas:

1- Acerca de los frentes de izquierda y las elecciones. Política Obrera, 07/05/2021.

2- Solidaridad Socialista, 19/09/1985.

3- P.O. 25/7/85.

4- Acerca de los frentes de izquierda y las elecciones. Política Obrera, 07/05/2021.

5- Avanzó el proyecto del Frente de Izquierda para víctimas de violencia de género. P.O. 12/11/2015.

6- Trotsky, León. Carta al obrero comunista del KPD, 8/12/31.

7- O MST em sua etapa posterior a 2006 realizou também frentes de caráter frentepopulista com políticos burgueses como Pino Solanas, Luis Juez e Fabiana Ríos e suas organizações.

8- Ruptura do Socialist Workers Party (SWP) dos EUA. O SWP era o partido mais importante da Quarta Internacional no momento de sua fundação e foi construído sob a orientação direta de Trotsky.

9 – Intervenção de J. Cannon no debate interno sobre as eleições em Nova York. O CN aprova uma resolução com base nesta posição publicada em Internal Bulletin, 7/8/45. (www.marxists.org)

10- Los revolucionarios frente a la democracia burguesa, las elecciones y el parlamento. Liga Internacional de los Trabajadores (LIT-CI). XII Congreso Mundial. Resoluciones y documentos, 2017.

11 –  “A atitude de um partido político diante de seus erros é um dos critérios mais importantes e mais seguros para julgar a seriedade desse partido e do cumprimento efetivo de seus deveres para com sua classe e para com as massas trabalhadoras. Reconhecer abertamente os erros, por a descoberto suas causas, analisar a situação que os engendrou e discutir atentamente os meios de corrigi-los: isso é o que caracteriza um partido sério; nisso consiste o cumprimento de seus deveres; isso é educar e instruir a classe, e depois as massas.” (Vladimir Ilich Uliánov, Lenin; La enfermedad infantil del «izquierdismo» en el comunismo, 1920)

Tradução: Lilian Enck

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