Peru: o Estado de emergência serve?
A declaração de “Estado de emergência” nos distritos de San Martín de Porres, San Juan de Lurigancho e na província de Sullana (Piura) em Lima, serve para “enfrentar” a insegurança cidadã?
Por: PST Peru
Passou-se quase um mês, e a ida dos soldados às ruas destes distritos demonstrou ser absolutamente incapaz de enfrentar o crime organizado e a delinquência, que continuam assassinando e impondo sua ação em tais localidades. Prova disto é que tanto Lince, como o Cercado de Lima, se incorporaram à lista de distritos declarados em Emergência.
Então, por que o governo toma esta decisão? A quem favorece com tal medida? O que significa a declaração de estado de emergência?
Uma medida antidemocrática…
Quando se declara o “Estado de emergência”, o que ocorre automaticamente é que o governo fortalece sua capacidade para usar a força à margem de algumas normas que geralmente o regulam.
Por exemplo, ficam imediatamente sem efeito certos direitos ou garantias individuais que são básicas para o funcionamento do que se considera um regime democrático. Estes direitos são: a liberdade de ir e vir, a liberdade de reunião, a inviolabilidade do domicílio e o direito à segurança individual, que não é outra coisa que o direito de não sofrer detenção sem motivo justificado.
Este corte geral de direitos, se usa também contra aqueles que se reúnem para protestar, pois o direito ao protesto supõe a liberdade de se reunir e de ir e vir. Ao mesmo tempo, permite deter qualquer pessoa sem uma ordem judicial. Detenções que os governos estendem a qualquer um que considerarem que é incômodo/a para seus interesses, como dirigentes sindicais, sociais ou políticos.
Mas, além disso, a medida vende a falsa ideia de que levar soldados às ruas, “mantém a ordem” e permite “viver tranquilos”. Esta ideia, que além disso joga com a cultura autoritária do nosso país, é muito perigosa para os interesses da classe operária e do povo, já que se for levada até suas últimas consequências, a única forma de “viver em paz” seria que uma ditadura militar tomasse total controle do país.
…que facilita o abuso e a corrupção
Contudo, os problemas não param por aí. A declaração do Estado de emergência também permite às autoridades utilizar recursos e realizar contratações, sem passar pelos mecanismos de fiscalização que a lei estabelece. Isto facilita, ao extremo, praticar atos de corrupção.
Acontece também com o abuso do poder que a declaração do Estado de emergência entrega de fato às Forças Armadas e policiais. A experiência histórica, e também a recente, mostram que as Forças Armadas e policiais ficam livres para agir, assumindo o controle das ruas, cometendo os mais variados abusos, desde atos de corrupção, até maus tratos, humilhações e violações diretas aos direitos humanos.
Discriminação e estigmatização
Finalmente, a medida agrega um elemento discriminador e estigmatizador ao declarar distritos de maioria trabalhadora, como são San Juan de Lurigancho (o distrito mais povoado do país) e San Martín de Porres (criado em 1950 com o nome de “Distrito operário industrial 27 de outubro”) como zonas “controladas” pelo crime organizado.
É o mesmo estigma de pobreza que pesa sobre os velhos bairros operários de Lima e outras cidades do país (El Rímac, La Victoria, Surquillo, etc.), empobrecidos pela desindustrialização que o país foi submetido após a imposição do plano econômico neoliberal, nos anos 90.
Boluarte busca fortalecer as forças repressivas
Ninguém pode duvidar que em um ambiente onde a sensação de insegurança cresce, a presença de mais pessoas armadas nas ruas (soldados e policiais) pode gerar a princípio um sentimento de alívio.
Entretanto, a verdade é que levar os militares às ruas manifesta a absoluta incapacidade do governo para enfrentar o flagelo da delinquência organizada.
As grandes máfias que assassinam nas ruas, são grandes empresas que, produto da própria decomposição da economia capitalista, arrastam atrás de si os setores mais miseráveis da sociedade, que acabam se convertendo em microcomercializadores quando não, sicários dessas grandes empresas.
Não por acaso, com o crescimento econômico da primeira década de 2000 (2004-2013), relacionado ao alto preço dos minerais e matérias-primas, também se desenvolveram inumeráveis negócios ilícitos (mineração ilegal, exploração madeireira ilegal, pesca ilegal…) que, junto com o narcotráfico, defendem sua existência a balas.
A recente migração venezuelana, expulsa pela miséria que o povo venezuelano vive sob a ditadura de Maduro, incorporou ao país massas de pessoas em condições desumanas de pobreza, dando novo impulso ao tráfico de pessoas e dotando de nova “carne de canhão” a diversos bandos criminosos.
É a contradição perniciosa da economia capitalista, que concentra em pouquíssimas mãos quantidades crescentes de riqueza, deixando a enorme maioria na pobreza, a qual se converte em motor da lumpenização de setores inteiros do povo trabalhador.
Boluarte pretende ganhar créditos com a declaração do Estado de Emergência nos distritos mencionados. Quer tentar limpar a sujeira das forças armadas e policiais assassinas, que há 9 meses acabaram com a vida de 49 pessoas, disparando descontroladamente munição de guerra e chumbinho.
Quer que essas mesmas forças armadas sejam aplaudidas como “heróis” da suposta luta contra o crime organizado, só para voltar a reprimir, cada vez que for necessário, como declarou o Premier Otárola em uma recente reunião de empresários da mineração.
Por isso mesmo, a classe operária não pode depositar nenhuma confiança na ação das forças armadas e policiais, a serviço de resguardar a ordem capitalista, que nos empobrece e, em última instância, joga uma parte do nosso povo nos braços dos bandos criminosos que dizem combater.
Uma ordem que convive com a criminalidade, como demonstraram os laços que a corrupção e o narcotráfico têm com o próprio Estado.
Responder à criminalidade com trabalho e autodefesa
A partir da classe operária, a saída para o problema do crime organizado passa, necessariamente, por garantir trabalho e condições de vida dignas para a enorme maioria da população. Isto significa, recuperar nossos recursos naturais para que a riqueza que é extraída do nosso solo e nosso mar, para colocar essas riquezas a serviço do nosso povo. Para isto é necessário nacionalizar as minas, poços petrolíferos, as plantações e a pesca. Significa garantir um salário mínimo e pensões/aposentadorias iguais à cesta básica de consumo. Significa fazer as grandes empresas pagarem, com impostos sobre seus lucros e patrimônios, a saúde e educação públicas.
Mas significa também reconhecer o direito coletivo, das organizações operárias e populares, de enfrentar a criminalidade com armas, criando rondas urbanas para a autodefesa. Organismos territoriais que, subordinados às assembleias de bairro, imponham ordem e enfrentem os bandos criminosos. Estas rondas devem ser compostas por mulheres e homens eleitos pelas assembleias de bairro. Sua nomeação deve ser revogável a qualquer momento pela mesma assembleia, e não devem receber nenhum pagamento adicional pelo seu trabalho.
Assim, como mostra o exemplo das rondas camponesas, será o próprio povo que consiga controlar a ação dos bandos criminosos.
Tradução: Lílian Enck