qui abr 18, 2024
quinta-feira, abril 18, 2024

A França se incendeia: cresce a raiva contra Macron

Enquanto escrevemos, na França a greve de 23 de março está chegando ao fim. Apesar da tentativa de Macron de impor a reforma da previdência com um ato de força, contornando a discussão parlamentar – mecanismo previsto pela Constituição francesa, semelhante ao que na Itália se chama “porre la fiducia” [depósito fiduciário] –, o protesto não se acalma, pelo contrário, pega fogo.

Por: PdAC, Itália

A coerção de Macron colocou lenha na fogueira, alimentando a raiva entre os trabalhadores franceses. A greve de 23 de março também teve uma boa participação em muitos setores, em particular em algumas fábricas do país (onde continuam greves prolongadas com ocupações de fábricas, principalmente no setor petrolífero) e nos transportes (em Paris foram bloqueadas por várias horas o aeroporto Gaulle e Gare de Lyon). Fala-se de milhões de manifestantes nas ruas em toda a França: o sindicato CGT declarou 800.000 manifestantes apenas em Paris. De Paris a Nantes, de Marselha a Lyon, os manifestantes fizeram repeliram as ações policiais, em muitos casos conseguindo fazer a polícia com equipamento de choque retroceder. Muitas manifestações espontâneas nas principais cidades, invadidas pelo lixo devido à prolongada greve dos catadores. Em Lorient, a sede do município e a delegacia de polícia foram atacados. Para a próxima terça-feira, 28 de março, está sendo convocado mais um dia de greve.

Relatamos aqui uma entrevista que fizemos nos últimos dias com Michaël Lenoir, camarada francês da LIT-Quarta Internacional: as previsões do camarada se confirmam. Também nos referimos à entrevista anterior com companheiros franceses já publicada neste site (1). Em breve postaremos um novo artigo sobre a luta, com base nas atualizações que recebemos de nossos companheiros na França.

Para começar, atualize-nos sobre o desenvolvimento das mobilizações na França. Como foi a greve de 7 de março? Em que setores de trabalho teve maior impacto? Houve greves e manifestações também nos dias seguintes?

O dia de greve de 7 de março foi o sexto dia de greves e manifestações decididas pela intersindical nacional [a coordenação unitária dos sindicatos franceses] a partir de 19 de janeiro. Nesse dia houve manifestações muito participativas, provavelmente as maiores desde o início do movimento. A própria polícia declarou 1,3 milhão de manifestantes em toda a França e a CGT 3,5 milhões. Parece que o número de grevistas foi um pouco menor do que em 19 de janeiro, primeiro dia da greve nacional intersindical. Por exemplo, na SNCF [ferrovias] 39% dos trabalhadores aderiram à greve (segundo fonte sindical) contra 46% em 19 de janeiro. Ao mesmo tempo, 76% dos maquinistas cruzaram os braços em 7 de março.

No setor da educação, o principal sindicato registou 60% de adesão nas escolas secundárias. A direção da EDF [empresa francesa de produção, transporte e distribuição de energia elétrica] anunciou ao meio-dia que 41,5% dos trabalhadores estavam em greve, pouco menos que 44,5% em 19 de janeiro. Na TotalEnergies, os embarques das refinarias pararam completamente. Os trabalhadores bloquearam as rodovias e foram feitos cortes seletivos de energia, em detrimento sobretudo dos macronistas. Em 7 de março, mais de vinte universidades e mais de 300 faculdades foram ocupadas, incluindo 40 somente na região de Paris.

Depois da manobra de Macron, aqui na Itália a mídia (TV, imprensa, etc.) diz que as manifestações continuam e que também há importantes greves de trabalhadores em algumas regiões do país (também com fábricas ocupadas), isso é correto?

Presumo que pela expressão “manobra de Macron” se entenda a aplicação forçada do artigo 49.º-3 da Constituição, decidida para evitar uma votação na Assembleia Nacional, que provavelmente teria sido negativa para Macron e o seu governo. Tudo aconteceu na quinta-feira, 16 de março.

As manifestações não só continuam, como mudaram de natureza. Essa atitude autoritária aumentou a raiva popular e agora as manifestações são espontâneas, todos os dias, principalmente à noite. São frequentemente proibidas e há confrontos com a polícia em Paris e em muitas outras cidades. Dá a impressão de que a luta começa a escapar das direções sindicais, que por enquanto só planejam um novo dia de greves e mobilizações para esta quinta-feira, 23 de março. Tudo isto enquanto o projeto de lei foi aprovado pela força e a moção de censura ao governo na Assembleia Nacional não obteve os necessários 287 votos. Faltaram 9 votos (278 de 577) para dissolver o governo de Elisabeth Borne.

As greves (com ocupações) e as lutas se intensificaram, principalmente a partir de 16 de março, em alguns setores, nas refinarias e principalmente entre os catadores de lixo: toneladas de lixo invadem as ruas parisienses. Na SNCF [ferrovias] a greve continua, embora um pouco enfraquecida, desde 7 de março. E é provável que agora recupere suas forças. Todo o país está atravessado por greves, bloqueios e manifestações, mas a região mais ativa na luta é sem dúvida Marselha, onde a CGT local é mais combativa que as direções nacionais confederadas. Quanto aos estudantes, a situação melhorou notavelmente: importantes assembleias foram realizadas e os estudantes estão nas ruas, em contato constante com os trabalhadores em greve (ferroviários, lixeiros, etc.).

O grande problema é que greves longas são decididas localmente, espontaneamente pelos trabalhadores e, por isso, duram pouco tempo. As greves prolongadas são enfraquecidas pelo isolamento a que estão confinadas pelas burocracias sindicais.

Em relação a isso, como se comportam as principais direções do movimento operário?

A intersindical se recusa a proclamar uma greve intersindical prolongada e a bloquear seriamente o país. Isso é o que precisaria ser feito. O verdadeiro problema é entender se podemos impor uma opção estratégica alternativa à dos burocratas sindicais. Esse é o assunto de alguns artigos que publicaremos em breve neste site.

A estratégia das direções sindicais majoritárias, quando estão unidas ou divididas, é sempre a mesma: simples “dias de ação” com greves e manifestações em intervalos variáveis. Na França, chamamos de greve de “rã saltitante”. A máquina do lucro deve ser bloqueada, a luta deve custar caro ao capital. O pior é que até pessoas próximas a Macron e membros do governo reconhecem que existe essa possibilidade, mas os dirigentes sindicais continuam impedindo que isso aconteça…

Isso desgasta o espírito de luta dos trabalhadores, porque a relação de força não melhora em benefício de nossa classe e Macron se aproveita disso, por isso está agindo com força. Devemos exigir que as direções sindicais convoquem uma greve geral (porque infelizmente muitos trabalhadores, mesmo os críticos, seguem essas direções por sobre pequenos grupos sindicais ou ativistas políticos de extrema-esquerda), e construir uma auto-organização suficientemente sólida e democrática para tentar criar uma direção alternativa para a luta. Enquanto os burocratas sindicais imporem sua estratégia de luta, vamos perder. De certa forma, as direções sindicais são realmente dispositivos para nos fazer perder! Em 23 de março, todos os sindicatos s declararam em greve, mas isso não interessa a Macron.

Porém, é possível que o centro de gravidade da luta esteja mudando. Vamos descobrir muito em breve. No momento, a combatividade está aumentando. O movimento autoritário de Macron nitidamente eletrificou a raiva e a combatividade.

Há uma repressão muito forte?

A repressão está aumentando. Macron e seu governo estão em minoria em todos os lugares: nas ruas, entre a maioria da população, na opinião pública, no mundo do trabalho… O índice de popularidade do Elíseo está no mínimo histórico e inclusive o Parlamento já não tem maioria. Mas o presidente continua com a mesma arrogância! Então, para impor sua vontade, ele precisa intensificar a repressão.

Desde 16 de março já houve milhares de prisões em toda a França (292 somente em 16 de março). Os detidos são entregues à polícia, mas a grande maioria é libertada porque não são acusados ​​de nada. A polícia esteve superviolenta na época dos Coletes Amarelos e sob o comando do ex-prefeito de Paris Didier Lallement, com dezenas de feridos graves e mortos, abrandou um pouco sua brutalidade nos últimos meses. Nas manifestações sindicais, a situação estava bastante calma desde janeiro.

Agora a polícia está batendo cada vez mais forte… estão começando a bloquear os manifestantes em lugares onde eles não podem se mover. Mas tudo isso não impede o protesto!

(1) www.partitodialternativacomunista.org/politica/internazionale/quali-prospettive-per-la-grande-mobilitazione-in-francia-la-parola-ai-lavoratori-e-alle-lavoratrici-in-lotta

Tradução italiano/espanhol: Natália Estrada.

Tradução espanhol/português: Lena Souza

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