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sexta-feira, abril 19, 2024

O mini Estado palestino não é a solução

Qual é a solução para o conflito entre os palestinos e Israel, que já dura mais de seis décadas? Basicamente são propostas duas alternativas diferentes. A proposta mais difundida é a solução de “dois povos, dois Estados”, que será debatida proximamente na Assembleia Geral da ONU. É apoiada pelo imperialismo, Al-Fatah e a OLP (Organização para a Libertação da Palestina), e por grande parte da esquerda mundial.

Por: Alejandro Iturbe (texto escrito originalmente em 2011)

Apesar de seu caráter restrito, depois de tantos anos de sofrimento e de não contar com seu próprio país, esta proposta é vista, inclusive por setores do próprio povo palestino, embora não como a “solução ideal e mais justa”, pelo menos, como um passo adiante ao que o governo israelense se opõe, um ponto de apoio para seguir avançando.

Neste sentido, não é mais que a continuidade da resolução da ONU de 1947. Voltaria a sancionar e legalizar internacionalmente o roubo e a usurpação que significou a criação de Israel, inclusive se fosse adotada com base nas fronteiras anteriores à guerra de 1967. Ao mesmo tempo, o povo palestino ficaria definitivamente dividido em três setores, muito mais fracos.

O primeiro deles, o milhão e meio de palestinos que vivem dentro de Israel, serão condenados cada vez mais a suportar isolados os ataques dos governos israelenses que querem apagar sua memória e sua história (por exemplo, a proibição de lembrar a Nakba); ir tirando a nacionalidade israelense  daqueles que não jurem fidelidade a Israel e ao sionismo; e, finalmente, como é o plano de Lieberman, expulsá-los diretamente ou deixá-los em condições insustentáveis como os que vivem em Jerusalém oriental.

Os três milhões e meio de Gaza e da Cisjordânia, habitantes do futuro mini Estado “independente”, deverão viver em um país fragmentado, sem nenhuma viabilidade de autonomia econômica e, inclusive, se cumprirem os compromissos que Abbas está aceitando, sem forças armadas e com suas fronteiras patrulhadas pelas tropas da OTAN. Em outras palavras, um pouco mais que a atual ANP (Autoridade Nacional Palestina), igualmente cercados por Israel e sua bota militar, só que formalmente mais “independente”.

Finalmente, os cinco milhões que vivem fora da Palestina verão seu direito de retornos definitivamente liquidado. Esse é o conteúdo de fato da criação dos “dois estados”: ao aceitar esta resolução, aceita-se que as terras roubadas e usurpadas dos que foram expulsos sejam definitiva e legalmente israelenses. E o mini Estado palestino não oferecerá nenhuma possibilidade objetiva (nem econômica nem de terra) de que se radiquem.

Com sua política, as direções do Al-Fatah e o Hamas expressam basicamente os interesses dos setores burgueses da Cisjordânia e Gaza, para quem a criação do mini Estado palestino poderia trazer algum benefício. Mas o fazem à custa de sacrificar os outros dois setores. Essencialmente os exilados que, como vimos, perderiam qualquer possibilidade de retornar.

E isto se reflete nas recentes mobilizações, onde a vanguarda passou a ser a juventude palestina que vive na Síria, Líbano ou Jordânia, e também a de países mais distantes. Para eles, como expressou Soraya Misleh (uma jornalista brasileira de origem palestina) em uma entrevista publicada na revista Correio Internacional No 5, o direito de retorno é inegociável, e o eixo mobilizador é: Voltaremos à nossa terra![1]

Isto abre profundas contradições com as direções do Al-Fatah e o Hamas e, como já destacamos, a partir das mobilizações, a possibilidade de construir uma nova direção palestina que seja alternativa aos velhos dirigentes e organizações, responsáveis por tantos anos de derrotas e frustrações. Por isso, Abbas e Al-Fatah começaram a tentar uma relocalização. Assinaram o “acordo de reconciliação” com o Hamas e apresentaram perante a ONU, contra a opinião de Israel e do imperialismo, o pedido de reconhecimento do Estado palestino. A jogada começa a dar resultado para eles, pelo menos na Cisjordânia: milhares de palestinos festejaram este pedido nas ruas e, ao retornar, Abbas foi recebido com grande entusiasmo. Ou seja, para continuar sendo agente de Israel e do imperialismo, com certo peso popular, e não ser varrido pela mobilização, o Abbas precisou fazer uma jogada tática que o enfrenta no terreno diplomático.

No entanto, inclusive com todas as limitações que tem a reivindicação que faz o Abbas, hoje o imperialismo norte-americano e Israel não estão em condições de concedê-la e se opõem taxativamente a ela. Que essa votação seja realizada na ONU seria uma derrota política para eles. Por isso, sem mudar nem um milímetro nossa posição sobre os “dois estados” nem sobre o caráter da ONU, defendemos o direito democrático do povo palestino de exigir essa votação na Assembleia Geral da ONU, e apoiaremos toda mobilização desse povo por essa exigência.

A única solução verdadeira: a construção de uma Palestina única, laica, democrática e não racista, e a destruição de Israel. Frente à proposta dos “dois estados”, reivindicamos que a única solução verdadeira à “questão palestina” é a que estava formulada no programa fundacional da OLP: a construção de uma Palestina única, laica, democrática e não racista.

Uma Palestina sem muros nem campos de concentração, para onde possam retornar os milhões de refugiados expulsos de sua terra, e recuperem seus plenos direitos os milhões que permaneceram e hoje são oprimidos. Um país onde possam permanecer todos os judeus que estejam dispostos a conviver em paz e com igualdade. Uma proposta que foi abandonada pela OLP mas que é reivindicada por milhares de jovens ativistas palestinos em todo o mundo, e que esteve presente nas recentes mobilizações em memória da Nakba.

Mas esta proposta não pode ser levada adiante, e não haverá paz na Palestina, até que não se derrote definitivamente e se destrua o Estado de Israel. Ou seja, até que o câncer imperialista que corrói a região seja extirpado total e definitivamente. Chamamos os trabalhadores e o povo judeu a somarem-se a esta luta contra o estado racista e policial de Israel.

Entretanto, devemos estar conscientes de que, pelo caráter da população judia israelense que analisamos, o mais provável é que apenas uma pequena minoria aceite esta proposta, enquanto que a grande maioria deles, inclusive a velha base sionista ashkenazi, seguramente defenderá com unhas e dentes “seu Estado” e seus privilégios e, portanto, deveremos lutar contra eles até o final.

A destruição de Israel e a construção de uma nova Palestina é uma tarefa histórica, equivalente à destruição do Estado nazista alemão ou do Estado do apartheid sul-africano. É uma tarefa difícil que pode demandar muito anos.

Mas, a revolução árabe e a mobilização do povo palestino, somadas à derrota das tropas sionistas no Líbano e à crise do Estado e da sociedade sionistas, coloca como possível e presente uma luta política e militar unificada de massas do povo palestino e do conjunto das massas árabes que permita a vitória.


[1] Este texto é a parte final do artigo “A ‘questão palestina’, ponto central da revolução árabe” publicado na revista Marxismo Vivo Nueva Época No 2, em 2011. Foi escrito depois de uma grande mobilização de jovens palestinos no exílio em direção à Israel, que “penetraram” as fronteiras de Israel e conseguiram entrar em seu território. Atualmente, como conta Soraya Misleh em um artigo recente, a vanguarda da resistência palestina passou a ser jovens palestinos da Cisjordânia, nos focos que ela denomina “tocas dos leões”.

Tradução: Lilian Enck

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