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terça-feira, abril 16, 2024

O dia 19 de janeiro no Peru

O dia de luta, quinta-19 de janeiro, anunciado como Paralisação Nacional ou Tomada de Lima, constituiu mais uma escalada do conflito que recomeçou em 4 de janeiro nas regiões do sul, e que continuará se desenvolvendo até o fim do desastroso regime chefiada por Dina Boluarte.

Por: PST-Peru

Desta vez o epicentro foi Lima, onde pelo menos 10 mil pessoas se reuniram e se mobilizaram, a maioria do interior do país. A mobilização foi reprimida por uma chuva de bombas de gás lacrimogêneo, provocando confronto com grupos de manifestantes, fato que foi registrado pelos inúmeros jornais nacionais e internacionais que cobrem o que está acontecendo no país.

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Enquanto as bombas ainda caíam e os manifestantes se defendiam, um violento incêndio começou em uma velha casa do centro sem se saber os motivos, embora algumas testemunhas apontem que viram um dos bombardeios lançados pela polícia cair no telhado do edifício danificado.

No interior do país também houve mobilizações, massivas em alguns pontos, principalmente no Sul, estendendo os bloqueios de estradas para 120 pontos em todo o país.

Em Cusco, Juliaca e Arequipa, centenas de manifestantes tentaram tomar as instalações do aeroporto, mas foram repelidos. Nesta última cidade, outra vítima caiu devido ao impacto de uma bala, elevando para cinquenta o número de mortos.

No final da noite, a presidente Boluarte juntamente com um de seus ministros concedeu uma coletiva de imprensa com ares de “tarefa cumprida”, afirmando que tudo estava “sob controle”, que a polícia agiu de forma impecável e que os fatos mostraram que os excessos foram provocados por um grupo de vândalos. Assim, a burguesia e a classe média foram dormir com alguma tranquilidade, na expectativa de uma completa resolução do conflito.

No entanto, esta história está em desenvolvimento.

O dia de luta

A manifestação foi divulgada como a “Tomada de Lima” ou “Cuatro Suyos” (em homenagem ao nome das quatro regiões que compunham o antigo império dos Incas). Esse nome já havia sido usado no ano 2000, quando mais de cem mil pessoas de todas as regiões do país se mobilizaram até Lima para derrubar a ditadura de Fujimori.

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Chamar a ação de “Tomada de Lima” é uma legítima propaganda daqueles que lutam, identificando sua verdadeira força e a localização das cabeças de seus inimigos. Mas sua profusa propaganda desta vez é alimentada pela grande mídia para incitar o medo nos setores médios da cidade, a fim de justificar a repressão. Um medo que se arrasta desde a colônia, quando os conquistadores viviam com medo porque se viam cercados e atacados por massas indígenas.

A marcha para Lima, até agora, significou o deslocamento de uma média de 5.000 manifestantes do interior. É bastante, mas ao mesmo tempo insuficiente para efetivamente “tomar” uma grande cidade de 11 milhões de habitantes.

É bastante porque são habitantes que vêm de comunidades e populações muito pobres e distantes, localizadas nas entranhas agrestes dos Andes peruanos. Seus rostos são acobreados e bronzeados pelo frio gélido característico dos camponeses. Eles vêm com o que têm à mão: carregando seus pequenos alforjes; vestindo suas roupas típicas, com saias grossas e chapéus as mulheres de Puno, com ponchos vermelhos os membros da comunidade de Espinar (Cusco), com seus chicotes e insígnias pretas os camponeses de Huancavelica. Em geral, roupas modestas.

Eles passam a noite no chão do campus da cidade universitária de San Marcos e da Universidade de Engenharia, preparam sua comida em Panelas Coletivas e se sustentam com as doações que recebem. Somente a propaganda reacionária pode apresentar essas pessoas, autenticamente do povo, como “financiadas” e “violentas”.

O que eles mostram em suas consignas e em seus gritos é sua imensa raiva contra o regime que assassinou e assassina seus filhos. Alguns marcham carregando fotos ou imagens dos falecidos. Outros, vários caixões alegóricos na esteira da morte deixada pela ação do governo sobre eles. Eles vêm a Lima com a esperança de convencer a população de sua justa causa e obter seu apoio para acabar com o regime assassino. Porém, nas ruas de uma imensa cidade de concreto e controlada por um forte cordão policial e militar, e submetida ao bombardeio de uma mídia totalmente uniforme com a versão oficial, descobrem que suas forças são insuficientes.

Para a vitória da paralisação, dependia da central sindical, a CGTP (Confederação Geral dos Trabalhadores do Peru), que, representando a maioria das organizações, principalmente dos operários, a convocou. Mas a CGTP não fez mais do que anunciar e ninguém parou, e ninguém da direção se desconcerta ou explica nada porque esse comportamento já é um hábito.

A CGTP e os grupos políticos de esquerda reformista, que compartilham as suas políticas, concentraram-se em fazer apenas a mobilização. Tentaram levar a mobilização até Miraflores (zona residencial de Lima), como disse Otárola (primeiro-ministro), dando o exemplo de uma manifestação cívica bem limitada e protegida pela polícia. Com isso dividiram a mobilização.

Enquanto isso, a coluna provinciana saiu de manhã cedo para marchar pelo centro da cidade e à tarde, mobilizando todas as suas forças, dirigiu-se ao Congresso onde, no caminho, foi atacada com uma chuva de bombas de gás lacrimogêneo provocando os enfrentamentos noticiados pela mídia.

Enquanto isso, a direção da CGTP e os partidos de “esquerda” abandonaram a manifestação e aqueles que estavam enfrentando a repressão.

Quando os confrontos se intensificaram, à medida que a noite se aproximava, ocorreu o acidente, que na escuridão da noite parecia horripilante. O quadro era perfeito para o governo apresentar um balanço favorável do dia. O governo havia “controlado” o que havia sido anunciado como uma “tomada” total da cidade, mostrando “tolerância e conduta exemplar de suas tropas”, e mostrando os manifestantes provinciais como os únicos violentos. Inclusive apontando-os como responsáveis ​​pelo incidente.

Perspectivas e tarefas

Passados ​​estes acontecimentos, as classes altas podem respirar com alguma tranquilidade. Mas a mensagem que a maioria recebe, levantando-se para lutar, é de arrogância por parte dos governantes. E em particular de Boluarte, responsável pelo massacre de seus filhos e pelo fato de sua luta ter chegado a Lima, aumentando seu imenso sacrifício, em vez de ouvir um pedido de desculpas sincero ou pelo menos produzir algumas mudanças na linha do que eles reivindicam.

Assim, o conflito é ainda mais alimentado.

Os manifestantes em Lima puderam ver seu número aumentar com a chegada de mais reforços. No Sul, a luta (que formalmente uma greve por tempo indeterminado) continuará produzindo novos confrontos, possivelmente mais violentos, como o que acaba de acontecer no interior de Puno (Macusani), onde a polícia matou outro morador (mais um morreria no dia seguinte), desencadeando uma raiva que culminou no ataque e incêndio da delegacia.

A luta é heroica e dura, mas centrada nas populações do sul do país, cujas forças não são suficientes para derrubar o regime, sustentadas por economias de sobrevivência.

O regime, à custa de mais descrédito e enfraquecimento, mostra-se disposto a continuar reprimindo em defesa do que está por trás: o poder das grandes mineradoras, agroexportadoras e oligopólios, que são os verdadeiros donos do país.

A verdade é que a falta de propósito de emenda de quem exerce o governo e o poder, atrasa uma saída mais rápida e menos dispendiosa. A confirmação do avanço das eleições para 2024 votadas em dezembro pelo Congresso, só será corroborada -ou não- em uma segunda votação que ocorrerá apenas em março. Os mais “radicais” dos que se dizem “democratas” no Peru propõem que as eleições sejam antecipadas para este ano.

Mas os povos não vão parar de lutar amanhã nem depois de amanhã. Eles não vão esperar até março. Estão em luta, pelo menos até cobrar a vida de seus 50 filhos com a renúncia e prisão de Boluarte, Otárola e os responsáveis.

Esta grande luta poderia ser vitoriosa em seu propósito de derrotar o regime se a classe operária se unir a ela com suas organizações, em particular realizando uma paralisação que efetivamente paralise fábricas e minas (ou seja, atinja os bolsos da burguesia) e coloque na rua os batalhões operários junto com seus irmãos do campo em luta.

A central burocratizada e gerida pelo PC (Partido comunista), que não garantiu a paralisação do dia 19, à qual ela mesma convocava, e que desistiu de enfrentar a polícia e chegar ao Palácio do Governo, vai continuar a sua política vacilante. Por isso, a tarefa de mobilizar a classe operária ou setores dela é tarefa da vanguarda operária e dos lutadores classistas, que deverão impor à CGTP a convocação a uma verdadeira paralisação nacional.

As grandes greves nacionais de nossa história surgiram de baixo por impulso e ação de lutadores operários que acabaram impondo à direção, e agora não pode ser de outra forma. É uma tarefa mais necessária do que nunca, pois o destino da classe operária está ligado e depende do triunfo dessa luta, liderada pelas massas do campo, derrubando o regime no qual se sustenta o abuso e superexploração da classe operária.

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