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sexta-feira, março 29, 2024

2022 aponta as lutas que teremos de travar em 2023

Chegados ao final de dezembro é inevitável olhar para o que marcou este ano. E temos de fazê-lo do ponto de vista do que mais importa à classe trabalhadora e aos setores populares, e assim concluir os desafios que iremos enfrentar no ano que vem.

Por: Em Luta – Portugal

O ano em que a guerra voltou ao continente europeu

A invasão da Ucrânia pela Rússia de Putin – e a correspondente resistência popular que suscitou – configurou o acontecimento que, sem dúvida, mais marcou o ano de 2022. Além do repúdio a esta invasão e a solidariedade internacional, dos enormes impactos na economia mundial e acima de tudo dos seus custos humanos (mortos, feridos e refugiados), esta guerra vem marcada pelo levantamento de uma fortíssima resistência na própria Ucrânia. É esta resistência heroica e popular que desde os primeiros dias da agressão vem adiando a negociação com o invasor tão desejada pelos vários sectores do imperialismo que aconselha a troca de território ucraniano pela “paz” e o regresso dos velhos negócios com a oligarquia russa. Só o caráter operário e popular da resistência, bem como a sua massividade, podem explicar as várias derrotas impostas a um dos exércitos mais poderosos do mundo, o exército russo. O apoio dos imperialismos americano e europeu à Ucrânia é não só insuficiente, mas acima de tudo hipócrita, pois esconde o desejo de cobrar em exploração dos recursos do país o que agora emprestam.  Ao mesmo tempo, a burguesia ucraniana, com a sustentação de Zelensky, aproveita a guerra para atacar a própria classe operária que luta na resistência retirando direitos, como o pagamento de salários, que atentam contra a luta contra o invasor e a sobrevivência das famílias que ficam para trás. Por isso, no ano que entra reforçamos o nosso apoio incondicional à resistência ucraniana, a defesa do envio de armas para a mesma, e a necessidade de trilhar um caminho de independência de classe da burguesia, do governo de Zelensky e do imperialismo para que a resistência e a classe trabalhadora possam realmente vencer.

Quando a fatura da inflação entrou nas contas do mês

Este não foi o ano que iniciou a inflação, pois desde 2021, a quebra das cadeias de produção e a ganância das grandes empresas em procurar recuperar as suas margens de lucros levou ao aumento dos preços. Mas sem dúvida foi neste ano de 2022 que este fenómeno tomou a ribalta da economia mundial. O processo que vinha de trás, foi aprofundado e acelerado pela desestabilização da guerra na Ucrânia. Mas acima de tudo, são os grandes capitalistas, em particular do setor da energia e da distribuição, que se aproveitaram dos novos acontecimentos para aumentar brutalmente os preços dos produtos, fazendo lucros extraordinários.

Os Bancos centrais, como é o caso do FED dos EUA e do BCE da UE, têm como política aumentar os juros, fazendo com que também os bancos entrem no banquete dos lucros extraordinários, enquanto os trabalhadores ficam sem casas e os pequenos proprietários vão à falência. Os governos na melhor das hipóteses dão pacotes de ajuda miserável que não resolvem os problemas e mantêm intocados os lucros das grandes companhias.

Para a classe trabalhadora em todo mundo, a inflação imparável significa mais miséria e fome. Mas significou também revolta e luta, quando em vários países os trabalhadores pararam para exigir reposição de salários, que não chegam ao fim do mês. Em Portugal e no mundo, 2023 exigirá continuar a lutar pela reposição salarial que acompanhe a inflação, pela fixação dos preços, mas também pela nacionalização da energia, banca e setores estratégicos, para que o centro dos destinos do quotidiano do país não esteja ao serviço de uma minoria parasitária, mas dos interesses sociais, humanos e ambientais da maioria da população.

A luta por direitos democráticos na ordem do dia

Depois do assassinato de Mahsa (Zhina) Amini pela Patrulha de Orientação, um enorme movimento popular se levantou no Irã. Sob o mote de “Mulher, vida e liberdade” estavam em questão os direitos democráticos para as mulheres, mas também a luta por justiça social e económica no Irã. Apesar de um primeiro recuo do regime, centenas de ativistas estão presos e inclusive aguardam pena de morte. A luta no Irã contra a ditadura da República Islâmica, que significou a traição dos sonhos de libertação da Revolução iraniana de 1979, irá continuar.

Também no gigante que é a China, levantamentos de estudantes e operários abalaram o país contra as medidas repressivas contra a covid, em que todos os direitos democráticos, inclusive o de circulação são pisoteados, e as necessidades humanas são abolidas apenas para manter a máquina da produção a funcionar. A força do movimento obrigou o governo a recuar, ao mesmo tempo que o questionamento ao regime e a sua brutal repressão não se fechou.

Também por aqui, continua a urgência em aprofundar e ligar as lutas pelas condições e direitos das populações negras e ciganas com a luta pelo direito à habitação e contra a exclusão social, as lutas das mulheres e LGBT’s à luta contra a destruição do SNS e da educação. Estas não são lutas apenas dos oprimidos, mas sim do conjunto da classe trabalhadora contra a burguesia nacional e internacional, que conjuga opressão e exploração para manter o seu domínio.

Um governo de maioria absoluta contra os trabalhadores

Este foi também o ano em que, depois do apoio da esquerda na Geringonça, o PS saiu da crise em que se encontra e ganhou a maioria absoluta, liderada por António Costa. Perante o enorme aumento da inflação e a deterioração das condições de vida dos trabalhadores, o governo mostrou ao que vinha: manteve o garrote do déficit e da dívida, enquanto continua a destruir o SNS e a atacar os professores e escola pública; ofereceu uma maçã envenenada de 250€ em nome de compensar as famílias, enquanto recusou aumentos que repusessem o poder de compra perdido com a inflação, ou seja, reduziu os salários reais dos trabalhadores. Ao mesmo tempo, permitiu a exorbitância dos lucros milionários das grandes empresas da energia e da distribuição e utilizou impostos (portanto dinheiro público) para compensar os senhorios ou as gestoras das Autoestradas por não aumentarem mais as respectivas rendas e portagens cobradas.

Já neste final de ano, fica ainda mais claro, como dizia Marx, que os governos burgueses são o comitê de gestão e administração dos interesses da burguesia. Não apenas o investimento da bazuca europeia não está ao serviço dos interesses coletivos, a nível social ou ambiental, mas apenas aos interesses dos grandes capitalistas da construção, da mineração, do turismo. Isso é o que explica também os episódios recentes de escândalos no governo, mas que não são exclusivos dos governos PS, mas também PSD/CDS. O caso Alexandra Reis é exemplar, quando aos trabalhadores do grupo TAP são exigidos sacrifícios, aos seus administradores são entregues indenizações milionárias, com fundos públicos, e que são essas pessoas que depois são escolhidas para nos governar. Alexandra Reis, António Costa, Marcelo Rebelo de Sousa, Pedro Nuno Santos, etc, etc, são farinha do mesmo saco que vivem num mundo à parte de privilégios, à custa da exploração e miséria da classe trabalhadora, e que apenas poderá terminar quando for a nossa classe a governar.

Organizar e lutar pelos interesses da classe trabalhadora e dos setores oprimidos

Frente à situação dramática que vive a classe trabalhadora em todo o mundo e com a ameaça que o ano que vem seja ainda mais duro, vários são também os exemplos de lutas que romperam as amarras para ir mais além.

No Peru, contra tudo e contra todos, uma rebelião popular tomou conta das ruas do país, exigindo a saída tanto da Presidente Boluarte como do Congresso, colocando na ordem do dia que haja novas eleições que incluam a convocação de uma Assembleia Constituinte.

Em Portugal, vimos também emergir com força a luta de estudantes de várias escolas e universidades contra a crise ambiental e a ausência de políticas do governo que enfrentem o problema da transição energética. Enquanto se fala da importância de “medidas verdes”, resposta foi a repressão estatal que se fez sentir. Jovens estudantes envolvidos em ações de luta climática foram presos, julgados e punidos, mostrando bem a quem serve a atual “democracia” dos ricos. Aqui a luta pelo direito democrático a lutar, mostra aquele que será sem dúvida um dos caminhos a trilhar em 2023.

Além disso, tal como em vários outros países europeus, a inflação foi o mote para um retorno às lutas com maior força. Caso disso foi a Autoeuropa, onde os trabalhadores realizaram uma greve parcial nos 4 turnos da fábrica, contra a intenção da empresa de dar apenas um prémio e manter os 2% de aumento salarial, frente a uma inflação que em setores como os alimentos ou energia ultrapassa os 15%. Particularmente importante foi o facto de esta greve ter existido, contra a vontade da maioria da Comissão de Trabalhadores que recuou da decisão em plenário de empresas. Os trabalhadores não só fizeram a greve, com o apoio da minoria da CT e de alguns sindicatos, como rejeitaram a primeira oferta da empresa. Mostraram que com luta e determinação podemos avançar.

Também no setor de professores, perante os enormes ataques do governo ao setor no que toca à precariedade, avaliação e não reconhecimento de anos serviços para efeitos de carreira, os sindicatos maioritários apostavam nas negociações e uma greve de calendário para 4 de março. No entanto, apoiadas pelo sindicato STOP, durante o mês de dezembro várias escolas se organizaram para fazer greve e realizaram uma das maiores manifestações dos últimos anos no dia 17 de dezembro. Também aqui foi a raiva acumulada nas escolas contra anos de destruição da carreira docente e das condições para o exercício de uma educação pública de qualidade e a existência de novas direções que procuram dar voz a esse sentimento que permitiram os professores voltarem para a rua, numa luta que continuará em 2023.

São estas lutas, apoiadas nas decisões democráticas da classe trabalhadora, mas também ousadas e trilhando o caminho da independência de classe contra governos e patrões, que nos mostram o caminho para 2023. Será um ano difícil, onde as nuvens da recessão andam no ar e os grandes capitalistas querem impor ainda mais pesados fardos às costas da classe trabalhadora, para salvarem os seus lucros milionários. Será um ano onde o drama que se vive no SNS continuará a ser uma realidade para todos os que a eles têm de recorrer e encontram um sistema em frangalhos, devido às politicas de cortes orçamentais e de não reconhecimento dos seus profissionais. Será um ano onde se continuará a mostra o beco sem saída para a humanidade e para o ambiente em que o capitalismo nos afunda. Será por isso um ano em que precisaremos de forças redobradas para enfrentar, governos e grandes capitalistas. Por isso, temos também de avançar na unidade das lutas para colocar na parede o Governo de maioria absoluta do PS e construir o caminho para uma greve geral que exija que sejam os ricos a pagarem pela inflação.

Saímos de 2022 com as aprendizagens e força das lutas que não esperaram o calendário e ousaram lutar pelo que é nosso de direito. Entremos em 2023 com essa energia e força que só a luta coletiva nos pode trazer.

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