qui abr 25, 2024
quinta-feira, abril 25, 2024

Governo Lula-Alckmin tomou posse: E agora?

A cerimônia de posse do novo governo tentou reunir e expressar os setores mais marginalizados da sociedade. Na ausência covarde de Bolsonaro, a faixa presidencial foi passada a Lula por um grupo que tentava representar os trabalhadores, as mulheres, os negros, os indígenas, as pessoas com deficiências e demais setores oprimidos.

Por: PSTU Brasil

A apresentação pública do governo Lula-Alckmin foi pensada para marcar um contraponto à gestão de extrema-direita, obscurantista e criminosa de Bolsonaro. E as imagens que rodam o mundo, de fato, mostram uma outra cara daquela que aguentamos a duras penas nos últimos quatro anos. É compreensível a emoção e as expectativas que essas cenas provocam nos ativistas e nos setores que enfrentaram o governo Bolsonaro.

É necessário, porém, refletirmos neste momento se a mensagem que transmitiu na posse é de fato o que será este novo governo. E a resposta é: infelizmente não. É hora de encarar de frente o debate sobre a serviço de quem está o governo Lula-Alckmin, sobre a natureza de classe do projeto que será implementado, e os desafios colocados à classe trabalhadora, à juventude e aos setores oprimidos.

A composição do novo governo

Lula colocou nos ministérios setores de direita e ultradireita, alguns, inclusive, elogiaram Bolsonaro, como o ministro da Defesa, José Múcio, ou ainda bolsonaristas do União Brasil de Bivar, que conta com três ministérios. A “terceira via” que a burguesia tentou emplacar nas eleições também está no governo com ministérios, e num cargo central como Tebet no Planejamento.

Ou seja, a formação do novo governo confirma o que vinha sendo prometido desde que Alckmin, o algoz do massacre do Pinheirinho e que esteve à frente da PM que mais matou no período, foi anunciado como vice: um governo de unidade nacional, com todos os setores que aceitassem entrar e que estivessem contra, pelo menos por hora, os arroubos autoritários do governo Bolsonaro e alguns aspectos de sua política econômica.

A nova ministra do Planejamento, a ruralista Simone Tebet

Isso se concretiza num governo que engloba, e representa, desde setores do mercado financeiro, nacional e internacional, ansiosos por alguma estabilidade política para manter seus negócios, até setores da burguesia nacional, estes cada vez mais atrelados e submissos ao imperialismo, às multinacionais, e mesmo grandes setores do grande agronegócio – também ligados umbilicalmente ao grande capital financeiro e ao imperialismo – dependentes das exportações à China e outras regiões. Por isso o apoio explícito recebido por líderes como Biden, Macron, Scholz e a União Europeia, além de Xi Jiping da China.

Uma ampla parcela da esquerda comemora nomes como o de Marina Silva no Meio Ambiente, Silvio Almeida na pasta de Direitos Humanos, ou Sônia Guajajara do PSOL. Trabalham na lógica de que o problema do governo Lula são os ministros que não são de esquerda e que, quanto mais cargos representantes da esquerda tiverem, melhor. Como se o governo não tivesse um programa, não tivesse a serviço da classe dominante, com apoio inclusive dos países imperialistas, independentemente de quantos ministros seriam de partidos de direita ou não. A realidade é que será uma gestão voltada aos interesses de setores do imperialismo, das multinacionais, dos banqueiros e do agro. Não seria um, dois ou três ministros diferentes, ou supostamente mais à esquerda, que seriam capazes de mudar isso.

O problema é que, mesmo os vários ministros do PT que supostamente seriam os “representantes da esquerda”, aplicarão uma política de direita, ou seja, em defesa do mercado, do capitalismo e dos interesses dos ricos. Ou esconde o fato de que, por exemplo, Marina Silva construiu e foi candidata de um partido com fortes ligações com Itaú e, no Meio Ambiente, defende um capitalismo verde ligado à Natura.

Vejamos o caso do novo Ministro da Fazenda que, apesar de certa “heterodoxia” que a Faria Lima torce o nariz, na verdade, representa uma política econômica “contracíclica” que está sendo inclusive aplicada nos EUA hoje, com os pacotes de gastos público de Biden, de trilhões de dólares. Não é à toa que Haddad já se coloca como principal tarefa refazer uma política de teto fiscal nos próximos meses. Não é que acabará a política neoliberal do teto, é que o antigo será substituído por um novo. Mas o objetivo segue o mesmo: garantir superávits para remunerar os capitalistas através do mecanismo da dívida pública.

Não existe governo em disputa. Não existe setor progressivo no governo. O que existe é um governo amplo com várias vertentes capitalistas diferentes e que se combinam entre si. Não que não haja diferença, mas no atacado eles tem acordo. Tanto é assim que estão no mesmo governo.

É lamentável constatar que, seja com cargos no alto escalão, como o PSOL, ou sem eles, como a UP ou PCB, todas as demais organizações de esquerda apoiam o governo do PT nos mais diversos graus, uns se dizendo independente e outros mais descaradamente. Tanto é assim que todos foram à posse e nenhum deles falam em construir uma oposição de esquerda contra o governo burguês de Lula e contra a oposição de direita bolsonarista.

As diferenças com 2002

De 20 anos pra cá muita coisa mudou, inclusive o PT.  O que foi o governo Lula em 2002 será muito diferente do que será Lula em 2023. Basta dizer que o atual é muito mais um governo de unidade nacional do que de colaboração de classes. Nem muito menos é de “Frente Popular”, pois, em essência, o governo Lula é um governo burguês normal que, embora não fosse o preferido de todos os seus setores, é plenamente aceito pela burguesia e o imperialismo.

Também não é exatamente a mesma coisa que um governo de colaboração de classes como o PT lá de 2002. É bom lembrar que aquele foi um governo que serviu à estabilização do sistema capitalista e do regime democrático-burguês, e serviu também para a cooptação das organizações dos trabalhadores, para a desmobilização do proletariado, tirando-o de cena e operando a desconstrução da consciência de classe para que ficasse a reboque da burguesia.

O governo do PT de hoje, em frente amplíssima com a burguesia, continua carregando traços importantes de colaboração de classes (já que quase todas organizações da classe trabalhadora se encontram dentro dele, com honrosas exceções). Mas, busca ser um governo de unidade nacional, quer dizer, capaz de unir o grosso da burguesia nacional e imperialista, exceto o setor bolsonarista, hoje razoavelmente minoritário. E, ao mesmo tempo, impedir uma ação independente da classe trabalhadora, colocando-a inteiramente a reboque do “campo” burguês supostamente “democrático”.

O governo Lula-Alckmin será um governo que tentará unir e representar a unidade do grosso da burguesia e do imperialismo em defesa do sistema capitalista, em primeiro lugar, e da sua gestão pelo regime democrático burguês, submetendo inteiramente a classe trabalhadora aos desígnios da classe dominante e do imperialismo. Quer dizer, dos menos de 0,5% mais ricos do país. Ainda que de maneira diferente de Bolsonaro. Assim como Biden, diferente de Trump, tenta implementar políticas econômicas anticíclicas, mas sem mudar efetivamente o sistema.

Lula e Alckmin se reúnem com empresários. Foto Divulgação

É evidente que a maior parte da burguesia preferiria ter um partido inteiramente seu para representá-la. Buscou muito uma terceira via, preferia algo que tivesse nascido de dentro dela, como classe. Mas, o PT tendo nascido da classe e, desde fora do Estado burguês, há muito não é um partido da classe trabalhadora. Já há muito tempo é a colaboração de classes em forma de partido. E como tal, um partido burguês porque, para representar apenas a classe trabalhadora, precisaria romper consigo próprio.

O PT, porém, como partido, é produto do desenvolvimento desigual e combinado. Fez, em 30 anos, em um país semicolonial (uma submetrópole) o caminho que a social-democracia europeia levou mais de 120 anos para percorrer. Isto, com algumas outras características que não temos espaço para desenvolver aqui, permitem a ele um grau maior de engano, de ilusões e também de contradições.

Com certeza, um governo diferente de Bolsonaro

Muitos ativistas, e até mesmo jornalistas da grande imprensa, comemoraram alguns nomes do novo governo. Evidente que Silvio Almeida não tem nada a ver com a fundamentalista Damares Alves. Da mesma forma, Marina Silva é bem diferente do bandido Ricardo Salles. Na realidade, o governo Lula-Alckmin como um todo é diferente do governo Bolsonaro. A pergunta é: diferente no que? Seria um governo capitalista e o outro socialista? Seria um governo dos ricos contra um governo dos trabalhadores?

Bolsonaro é a expressão mais crua e violenta da barbárie capitalista, do processo de recolonização e entrega do país e a espoliação decorrente disso. Tudo isso envolto num discurso obscurantista, ditatorial e reacionário. Bolsonaro defende de fato uma ditadura para aplicar o ultraliberalismo de Pinochet e Thatcher.

Já o novo governo defende a democracia burguesa, assume pregando contra as privatizações em termos, em defesa do meio ambiente e dos direitos sociais, adotando, porém, um programa liberal ou “social-liberal” para ambas as coisas. Quer dizer, na prática, se alia e vai governar justamente com os mesmos setores que estiveram à frente das privatizações (vale lembrar que nomeou o pupilo de Lara Resende para a Secretaria Executiva da Fazenda, Gabriel Galípoli, banqueiro que articulou a privatização da Cesp em São Paulo e da Cedae no Rio); ou os setores que lucram com a dívida pública, e até mesmo os responsáveis pelo desmatamento e a destruição do meio ambiente.

Num governo social-liberal, os bilionários ganham nos períodos de crescimento e nas crises. Já a classe trabalhadora e o povo pobre, nos períodos de ascenso da economia, podem conseguir algumas concessões bem limitadas. Já na crise, sofrem todos os ataques, recrudesce-se a exploração e são chamados a pagar toda a conta.

Mais do que isso, a longo prazo, em meio ao processo de crise do capitalismo e rebaixamento do país cada vez mais à condição de mera semicolônia do imperialismo, os trabalhadores e o povo pobre têm seu nível de vida cada vez mais rebaixado, e multiplica-se os sinais de barbárie. E isso independe da política econômica de plantão: se no ultraliberalismo de Guedes, ou no “desenvolvimentismo” de Mantega. Basta lembrarmos que foi justamente nos primeiros governos de Lula que o Brasil ascendeu como grande exportador de commodities, firmando seu novo papel na divisão internacional do trabalho, e sua localização ainda mais subordinada no sistema imperialista.

O programa do PT, e do governo Lula-Alckmin, não se contrapõe a essa tendência, pois, para isso, seria necessário romper com o imperialismo, e com a burguesia nacional subalterna parasitária. Quer dizer, estar disposto a mudar o sistema, não a protegê-lo. Isso significa que o próximo governo não vai reverter esse processo de degradação, entrega e superexploração. Não vai, por exemplo, acabar com a precarização do trabalho ou o desemprego, reverter a destruição da educação pública ou da saúde, muito menos resolver o histórico problema do saneamento básico, o que, inclusive, não fez durante os 14 anos em que estiveram no poder, em coligações supostamente mais à esquerda do que agora.

Nem mesmo em relação ao Meio Ambiente pode-se esperar uma mudança significativa. Se é certo que Marina não é Salles, também é certo que, para debelar o processo de destruição da Amazônia, o desmatamento, e o consequente extermínio das populações indígenas e ataques aos quilombolas, é necessário enfrentar o agro, as grandes mineradoras, e o grande capital a eles associados. Algo que o governo que toma posse não irá fazer.

Resumindo: Lula e Bolsonaro são diferentes no que diz respeito ao regime político e na democracia burguesa. Mas não há um questionamento ao caráter de classe do próprio regime. Inclusive, por isso, Lula tenta agora botar panos quentes e não punir os golpistas ou intervir no golpismo das Forças Armadas. No terreno econômico, embora tenham diferenças, também estas são muito menores, pois ambas se mantêm no marco da defesa de uma política econômica pró-capitalista. O debate, inclusive, das diferenças econômicas que existem “mais liberal” ou “mais desenvolvimentista”, é tático para o PT, com o próprio Haddad afirmando que não tem cartilha e transita por todas as” escolas de economia”.

As organizações socialistas não podem apoiar o novo governo

É compreensível que a posse do novo governo provoque alguma expectativa, principalmente após o que foi o governo Bolsonaro. Porém, é inadmissível que partidos e organizações socialistas integrem e prestem apoio a Lula-Alckmin. Inclusive, não se posicionar como oposição de esquerda, ou dizer que defende as medidas progressivas do governo, já é uma forma de apoio. Isso reforça a ilusão da classe trabalhadora nesse governo e na política de aliança com a burguesia e o imperialismo, desarmando a classe. Para Trotsky, apoiar o governo desde fora é ainda pior do que participar do mesmo, porque, segundo ele, isso reforça as ilusões, dificulta a experiência e impede a independência da classe, gerando uma falsa ilusão de independência.

Setores como a corrente do PSOL, o MES, por exemplo, afirma que irá se manter independente, apoiando apenas o “governo Lula nas boas lutas a favor do povo”, nas palavras da deputada Sâmia Bonfim. Algum ativista que veja isso pode pensar que se trata de uma posição coerente e à esquerda. Mas está longe disso. Nos anos 80, houve uma importante polêmica sobre a posição dos revolucionários frente ao governo Miterrand, na França. Um governo bem mais à esquerda do que seria hoje Lula-Alckmin. O que defendia Nahuel Moreno, o principal dirigente da LIT-QI naquele momento? Coerente com a história do trotskismo, defendeu que não se prestasse qualquer tipo de apoio ao governo e lutou pela completa independência política dos revolucionários frente a esse governo, mesmo contra todas as ilusões da classe trabalhadora.

Numa polêmica com a corrente OCI (dirigida por Pierre Lambert), Moreno criticava a orientação desta organização de prestar apoio aos aspectos supostamente progressivos do governo. E, naquela época, a OCI nem dizia apoiar as medidas do governo que considerasse corretas, como propõe hoje o MES em relação a Lula-Alckmin, mas os “passos” indicados pelo governo a favor da classe trabalhadora (na prática tratava-se de um apoio, mas não chegavam ao ponto de dizê-lo). Moreno argumentava que não se deve dar nenhum apoio a nenhuma medida de nenhum governo burguês, independentemente de sua coloração: seja de “esquerda”, nacionalista, fascista, ou o que seja.

E por que isso? Não se trata de nenhum tipo de “purismo” ou preciosismo, mas tão somente que, qualquer medida de um governo burguês que, mesmo na aparência, seja a favor dos trabalhadores, no fundo é contrarrevolucionário. Aparece como uma concessão espontânea de um governo burguês, fortalece-o frente à população e à classe, para que possa atacá-la com mais facilidade.

Mas e o “fascismo”? Muitos setores de esquerda aceitam os acordos de Lula-Alckmin com a direita, e até o bolsonarismo, argumentando que é preciso isolar e derrotar a ultradireita. Pois bem, em plena guerra civil espanhola, quando o então governo de frente popular (que evidentemente nem cabe a comparação com o PT) combatia o franquismo, Trotsky defendia votar contra a proposta do governo de orçamento militar à guerra. Ou seja, defendia votar contra a proposta do governo de dedicar uma parte do orçamento para enfrentar militarmente os fascistas.

Dizia ele que, se o governo se dispusesse a conceder 1 milhão para a guerra, dever-se-ia ser contra e exigir 2 milhões, e que estes fossem entregues diretamente aos trabalhadores, o que, claro, o governo não aceitaria. Diante disso, defendia Trotsky, era preciso ir aos trabalhadores e dizer: viram só? Este governo não quer de fato armá-los para combater o fascismo.

Assim, se desmascaria um governo de unidade com a burguesia e incapaz de levar a luta de forma consequente até o fim. Tragicamente, a história deu razão a Trotsky, ainda que pela negativa.

Lutar com independência do governo, construir uma oposição de esquerda e fortalecer uma alternativa socialista

A tarefa colocada para a classe trabalhadora neste momento é a de avançar em sua organização e mobilização independente, junto ao povo pobre, os indígenas, quilombolas, LGBTI’s, mulheres e o povo negro, a fim de lutar contra os futuros ataques e por suas reinvindicações. Lutar por emprego para todos, com plenos direitos, e renda digna, aumentando os salários, a começar pelo próprio salário mínimo. Também pela revogação por completo da reforma trabalhista, e também da Previdência, acabando também com a terceirização. Não só parar as privatizações, mas reestatizar, sob o controle dos trabalhadores, as empresas entregues ao capital privado e internacional. Reverter o processo de recolonização, rompendo com o imperialismo e o sistema da dívida aos banqueiros. Investir em saúde, educação pública e demais serviços públicos.

É preciso, para isso, exigir das organizações do movimento, principalmente suas direções, que não se atrelem ao governo, e se mantenham independentes. Só a organização independente da classe pode lutar por isso, e ainda enfrentar, de forma consequente e até o fim, a ultradireita, que seguirá organizada e mobilizada.

Mas não adianta apenas lutar, é preciso ter um posicionamento político. A classe trabalhadora tem o desafio de construir um projeto próprio, de independência de classe, contraposto a esse governo atual e também contra a oposição de direita. Isso só é possível se posicionando como uma oposição de esquerda a este governo. Que não lhe preste nem um milímetro de apoio político e que, ao mesmo tempo, seja capaz de enfrentar os ataques da oposição da ultradireita.

Só assim é possível avançar na organização e fortalecimento de um projeto revolucionário e socialista, que é determinante para superar o PT, que limita a classe a apoiar um projeto de governar o capitalismo em crise. Construindo, assim, as condições para implementarmos um programa de derrubada do capitalismo e levantar um sistema próprio, da classe trabalhadora, sem qualquer tipo de exploração ou opressão, em que, os que produzem as riquezas desse país através do trabalho, governem.

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