qui abr 25, 2024
quinta-feira, abril 25, 2024

Um governo de soberania «alternada»: as primeiras medidas do governo Meloni

Depois de ter vencido as eleições políticas no final de setembro, cerca de um mês depois, em 22-23 de outubro, Giorgia Meloni, líder do partido Irmãos da Itália e da coalizão de centro-direita, instalou o seu governo. Um governo que, segundo as manifestações da campanha eleitoral, teria estado “pronto para levantar a Itália” e que, com base na ideologia de matriz nacionalista do partido de Georgia Meloni e das declarações dos anos nos quais fez uma “oposição” de fachada aos governos Conte e Draghi, deveria defender os interesses nacionais (e o “made in Italy”) vendido pelos governos anteriores que aceitavam as imposições das instituições europeias. A realidade está, no entanto, longe das proclamações alardeadas nestes anos por Meloni, Salvini e cia.

Por: Matteo Bavassano

Um governo burguês como os outros

Não podemos fazer menos que notar como o governo presidido por Giorgia Meloni é, absolutamente, uma continuidade de todos os governos anteriores sob todos os pontos de vista. Como todos os governos dos últimos anos, vemos um número desproporcional de ministros (o número de ministros aumentou constantemente nos últimos anos), com uma divisão das competências entre ministérios semelhantes que responde simplesmente a razões de equilíbrios políticos no interior da coalizão de centro-direita, com o Irmãos da Itália reservando para si todos os ministérios mais importantes (entre os quais o dos Negócios Exteriores a Tajani da Força Itália e o da Economia para Giorgetti da Liga, enquanto o ministério do Interior foi confiado a um “independente” de confiança de Salvini, a quem foi confiado a Infraestrutura e Transportes) e assim, teve que criar cargos para as outras forças políticas para satisfazer os seus apetites. É uma prova, ainda que supérflua, de como os governos burgueses não são formados em razão da funcionalidade ou do “bem do país”, mas simplesmente como contrapartida à casta política que administra fielmente os negócios da burguesia, como demonstra claramente o “caso Zangrillo-Pichetto Frattin”: os expoentes do Força Itália, por um suposto erro de transcrição na lista dos ministros do Ambiente e da Administração Pública, tiveram os ministérios designados trocados; o ponto é que ambos, logo depois da nomeação, tinham feito declarações à imprensa como chefes do ministério errado… nem mesmo eles sabiam qual ministério chefiariam.

Em segundo lugar, notamos que grande parte da equipe governamental (e institucional, pensamos em La Russa, eleito presidente do Senado) é formada por ministros dos governos anteriores, não apenas aqueles de centro-direita do qual participou inclusive Giorgia Meloni, mas também naqueles em que o Irmãos da Itália eram “oposição”: reencontramos assim, Giorgetti, que do Desenvolvimento Econômico com Draghi passa ao da Economia e Finanças com Meloni; Antonio Tajani, que teve uma longa carreira nas mesmas instituições europeias das quais Giorgia Meloni gostaria de libertar a Itália, e  que hoje torna Matteo Salvini vice-presidente; Guido Crosetto, histórico expoente máximo do Força Itália e depois fundador do Irmãos da Itália com Meloni e La Russa, é o neo-ministro da Defesa, depois de já ter sido subsecretário no terceiro governo Berlusconi,  e sobretudo depois de ter presidido a Federação Empresarial Italiana para o Aeroespaço, a Defesa e a Segurança, associação dos produtores de armas da Confindustria; Alessandra Locatelli, expoente da Liga já no governo com Conte, nomeada ministra para a Pessoa com Deficiência, conhecida por suas políticas racistas quando era assessora em Como; Gennaro Sangiuliano, nomeado ministro da Cultura, cuja cultura nos referimos numa breve nota que escrevemos há alguns anos;[1] e depois Daniela Santanché, Roberto Calderoli, Raffaele Fitto, Anna Maria Bernini, todos nomes muito conhecidos dos governos de centro-direita (e não apenas) dos últimos 20 anos.

Por último, não podemos não destacar que Giorgia Meloni é a primeira Primeira Ministra mulher da Itália, mas isso, como já dissemos em ocasiões dedicadas a esse tema específico, não apenas não se traduz em qualquer benefício para as mulheres, mas ao contrário, o seu governo, pela sua ideologia e por suas ligações com o Vaticano e os setores mais reacionários da Igreja, atacará fortemente os direitos dos setores oprimidos das massas populares , e em primeiro lugar as mulheres, além dos imigrantes e das pessoas lgbt… Giorgia Meloni, enquanto Primeira Ministra mulher, representa a cobertura que tenta esconder, nem ao menos muito bem para dizer a verdade, as intenções da direita italiana de restringir a liberdade como a do aborto, de enfraquecer a luta contra as discriminações de gênero e de orientação sexual etc.

Um governo, definitivamente, igual a todos os outros governos burgueses dos últimos 30 anos, sejam de centro-direita, centro-esquerda, de unidade nacional ou técnicos: mesmas políticas econômicas, mesmas pessoas (ao menos uma parte importante). Nem mesmo sobre o tema dos “direitos civis” em que há uma substancial piora porque, de fato, a “esquerda institucional” nunca os defendeu, permitindo o seu esvaziamento (veja, apenas a título de exemplo, a lei 194 e a questão sobre os objetores de consciência). Há anos nos dizem que a centro-esquerda é o menos pior: a verdade é que não se pode bater na direita sem combater a direita, sem uma proposta política de classe e independente, isto é, sem lutar simultaneamente contra a centro-esquerda.

Decreto «antirave», políticas racistas e farsa «soberanista»

Enquanto os trabalhadores se preocupam com os boletos e com a inflação galopante (enquanto os salários permanecem estagnados), a primeira medida do novo governo é o decreto antirave, que é claramente um decreto endereçado não a qualquer aglomeração caótica de jovens, onde não circula mais droga que em qualquer discoteca “legalizada”, mas a endurecer as penas para atividades de ocupação de terrenos e edifícios com objetivo sindical ou político, como poderiam ser as manifestações não autorizadas, acampamentos ou ocupações de escolas ou de fábricas. Uma norma vergonhosa que visa a repressão. Todavia, não podemos não nos indignar diante da falsa indignação de quem, apenas ontem, votou os decretos de segurança que Salvini queria (M5S), e de quem, depois de tê-los contestado verbalmente, não os revogou uma vez chegado ao governo (PD e Esquerda Italiana). Não apenas existem medidas concretas para os trabalhadores, mas se prepara para a repressão à luta! Discurso análogo se pode fazer pelas vergonhosas políticas racistas e xenofóbicas desse governo: a tragédia dos migrantes sequestrados das embarcações das ONGs foi preparada pela lei e acordos criminosos com a Líbia e o aval do PD e M5S.

Giorgia Meloni se apresentou ao país nos anos de “oposição” e na campanha eleitoral como a alternativa forte, decidida (uma nova versão de “governo de ação”), não propensa aos interesses da União Europeia e pronta a defender os italianos. Muitos trabalhadores também a apoiaram eleitoralmente acreditando nesta propaganda. No entanto, o caráter “soberanista” deste governo não é outra coisa que uma farsa, que se arrisca a se transformar em tragédia se os trabalhadores não encontrarem um caminho rumo aos seus interesses de classe.

Ainda antes de tomar posse, Giorgia Meloni confirmou a posição atlantista (OTAN) da Itália sob o seu governo: não que existissem muitas dúvidas, mas fazendo assim silenciou as vozes de discordância internas à sua coalizão, vozes provenientes de Berlusconi (por suas ligações de amizade com Putin) e pela Liga (que notoriamente foi financiada pelo próprio Putin), assegurando não apenas aos Estados Unidos, mas sobretudo aos produtores de armas italianos que com o aumento das despesas militares previstas por Draghi não será colocado em discussão. As declarações de solidariedade a Ucrânia não são assim, declarações a favor das massas trabalhadoras ucranianas que lutam contra a invasão russa, mas a favor de dar segurança aos capitalistas. Mas não devemos pensar que o governo Meloni estará prostrado apenas diante dos Estados ocidentais mais fortes. Segunda-feira, 7 de novembro, no contexto da COP 27 que está se desenvolvendo no Egito, Giorgia Meloni encontrou o ditador al-Sisi, para falar sobre as fontes energéticas e a imigração, abaixando a cabeça frente ao regime egípcio e deixando de lado as questões Regeni e Zaki[2]. Não é exatamente o protótipo de um governo soberanista.

Mas, por outro lado, Irmãos da Itália – e o seu governo – é nacionalista tanto quanto o é a burguesia italiana (não é diferente de outras burguesias do mundo): é soberanista e nacionalista na medida em que lhes serve um Estado Nacional para defender os seus próprios negócios, e é “cosmopolita” toda vez que vai ter lucro como sócio minoritário em qualquer negócio gerido pela burguesia que se encontra em uma situação de vantagem. Giorgia Meloni criou, para usar um fácil, mas sincero slogan, um governo forte contra os fracos (as massas trabalhadoras e oprimidas) e fraco contra os fortes (burguesia, multinacionais estrangeiras). Deste governo nenhum benefício poderá vir aos trabalhadores italianos.

No entanto, o governo Meloni é forte apenas na medida em que os trabalhadores estão divididos e assim fracos. Unindo-se, sem distinção de sexo, raça, nacionalidade, superando qualquer ilusão nas promessas da direita, assim como naquelas da centro-esquerda, os trabalhadores podem se tornar muito fortes para construir a perspectiva de um governo dos trabalhadores que governe no interesse dos trabalhadores. Não existem compromissos ou meias medidas para derrotar a direita: é necessário lutar para destruir o sistema podre do capitalismo a partir da Itália e depois em toda a Europa e no mundo.

Tradução: Nívia Leão


[1] https://www.alternativacomunista.org/politica/nazionale/sangiuliano-e-i-qfatti-verificatiq

[2] Patrick Zaki, estudante egípcio, pesquisador sobre a questão de gênero da Universidade de Bolonha, ficou meses preso e torturado no Egito em 2020 antes de conseguir retornar à Europa. Pesquisador e estudante Giulio Regeni, preso em 25 de janeiro de 2016 no metrô do Cairo pelo serviço secreto egípcio e assassinado no ano de 2017 (https://ansabrasil.com.br/brasil/noticias/italia/noticias/2020/02/11/estudante-da-universidade-de-bolonha-e-preso-no-egito_a529b38a-ac93-4882-b452-111643ae2bec.html ).

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