qui abr 18, 2024
quinta-feira, abril 18, 2024

Itália| Rumo às eleições, guia marxista para os eleitores

As eleições estão cada vez mais próximas. No entanto, a crise institucional italiana não chega nem perto de seu final, que, além disso, ameaça transformar-se em uma insipiente crise de regime (1). São muitos anos que a burguesia italiana não consegue encontrar um projeto político unificador (nem muito menos majoritário) que se coloque realmente o objetivo de superar as dificuldades que limitam a sua acumulação de lucro, pelo menos da falência do projeto presidencialista de Renzi.

Por: Matteo Bavassano

Digamos “realmente” porque, até hoje, não vemos por parte dos partidos burgueses nenhum projeto confiável e nem mesmo a possibilidade de construir uma hegemonia sobre a sociedade para poder implementa-lo. Se até hoje ainda não ocorreu uma crise do regime é apenas porque nos últimos anos as lutas dos trabalhadores, que têm ocorrido, não se generalizaram, e foram mantidas separadas da ação das burocracias sindicais. No entanto, não apenas existem todas as condições para que a ação independente dos trabalhadores ultrapasse os limites das burocracias sindicais, mas não se pode nem ao menos pensar que uma situação de crise institucional continue indefinidamente sem repercutir sobre o regime político, sobretudo em uma situação de grandes tensões políticas e econômicas internacionais.

As coalizões burguesas

É nesse contexto que os italianos deverão “escolher” as forças políticas que darão vida ao próximo governo. A situação, no entanto, poderia não ser óbvia como parece. Segundo as últimas pesquisas publicadas antes do período de “silêncio eleitoral”, a centro direita teria uma vitória eleitoral evidente, com Fratelli d’Italia [Irmãos da Itália] em primeiro lugar com cerca de 27% (e assim, Giorgia Meloni provável presidente do Conselho de Ministros ou Primeiro Ministro), Lega com 12% e Forza Italia com 7%. Acrescentando o Noi Moderati, partido de centro direita, de Maurizio Lupi, a coalizão deveria chegar a cerca de 50%, mas deveria conseguir obter uma maioria parlamentar em virtude dos mandatos designados sob a base majoritária. A força de atração da coalizão é com certeza o partido de Meloni, que capitaliza em termos de votos a sua permanência na oposição nos últimos quatro anos, em particular a oposição ao governo Draghi; todavia, não podem propor nada de concreto para a burguesia, para quem não seria o governo desejado, mas que seguramente está pronta a aceitar.

A centro esquerda é, desde o fim da chamada “Primeira República”, a opção política preferida da grande burguesia, seja pela sua relação privilegiada com o aparato sindical da CGIL – Confederação Geral Italiana do Trabalho (e assim, de contenção das lutas dos trabalhadores), seja por sua confiabilidade institucional: não é por acaso que o PD – Partido Democrático, nunca tenha feito um governo cair, mesmo quando poderia tirar vantagens políticas nas eleições seguintes. Entretanto, hoje paga exatamente o preço por esse serviço prestado à burguesia, que lhe rendeu muitos dos seus consensos no eleitorado que tradicionalmente lhe faz referência como partido ainda considerado por muitos como de “esquerda”.

O PD dirigido por Enrico Letta se atesta com cerca de 20% das intenções de voto, lado a lado com FDI – Fratelli d’Italia, mas é de fato o único partido com peso eleitoral da coalizão de centro esquerda: salvo surpresas a aliança Verde-Esquerda Italiana estaria com 4%, enquanto o novo partido de Luigi Di Maio, Impegno Civico e +Europa [considerados partidos de centro, liberais] teriam 1%. No total, cerca de 27%. Fora dos dois polos principais, restam de um lado o Movimento 5 Stelle – M5S, de Giuseppe Conte – que parece ter estancado a hemorragia de intenções de voto provocada por suas três experiências governamentais consecutivas, mas que com cerca de 12% não seria mais a principal força parlamentar e assim o eixo das alianças como no mandato anterior (não seria nem mesmo a referência das classes populares como na última campanha eleitoral, quando a proposta de ajuda financeira – valor a ser pago pelo governo à população mais pobre – havia capitalizado muitas esperanças e, ao menos num primeiro momento, congelado uma parte considerável da insatisfação social no país) – por outro lado, o “terceiro polo” de Calenda-Renzi se colocaria com 7,5% das intenções de votos.

A esquerda «radical» nas eleições

Se as eleições não têm a capacidade de resolver magicamente os problemas da burguesia italiana, um poder sobrenatural, todavia, o têm: aquele de ressuscitar (temporariamente) a chamada “esquerda radical” (leia-se: reformista), que não existe durante todo o resto do ano, mas reaparece magicamente quando precisa tentar conseguir uma cadeira no parlamento ou, ao menos, algum reembolso eleitoral para reabastecer as péssimas finanças das organizações reformistas. As coalizões de esquerda são duas: Unione Popolare e Italia Sovrana e Popolare.

Unione Popolare, dirigida por De Magistris, reagrupa a formação do ex magistrado e prefeito de Nápolis, DeMa, junto com Manifesta, Partito della Rifondazione Comunista e Potere al Popolo. Sinceramente, não há muito a dizer sobre essa coalizão: trata-se da reprodução do esquema eleitoral levado avante pelo Partido da Refundação Comunista – PRC desde 2008, isto é, desde quando o PD não quis mais dar-lhe o benefício de participar de uma coalizão burguesa. Desde aquele momento a Rifondazione sempre se apresentou escondendo a sua identidade reformista (apresentada como comunista) atrás das mais variadas siglas e suavizando progressivamente o seu já pouco radical programa, mesmo quando a classe trabalhadora teve necessidade de medidas mais radicais para combater a crise e aos ataques dos patrões.

O máximo da radicalidade desse programa é o projeto de lei sobre as transferências de empresas para o exterior apresentado no parlamento no ano passado por parlamentares ligados ao Potere al Popolo. A Unione Popolare se apresenta como instrumento para dar voz e representar as instancias dos trabalhadores no parlamento; no entanto, não apenas o seu programa não responde minimamente a essas exigências, mas a ação das organizações que compõem a Unione Popolare nunca mirou concretamente para a principal necessidade dos trabalhadores italianos: aquela de unir-se para lutar contra os ataques dos patrões. Para falar de outro modo, um programa com tantas palavras bonitas, mas nenhuma delas concreta: se não se dá uma perspectiva de luta, qualquer objetivo não é outra coisa que uma abstração.

Unione Popolare não quer apenas não dar essa perspectiva, mas toda vez que as suas forças estiveram no parlamento manobraram ativamente para normalizar as lutas, tolhendo aquele embrião anticapitalista – que todas as lutas possuem na fase de decadência do imperialismo e que só pode desenvolver-se com o programa revolucionário correto – em função de acordos de governo com a centro esquerda. Italia Sovrana e Popolare é, definição científica, uma mixórdia criada para conseguir entrar no parlamento. É dirigida substancialmente por Marco Rizzo e Antonio Ingroia, e além do Partido “Comunista” de Rizzo e da Azione Civile de Ingroia, é formada por organizações com nomes altamente evocativos como Rinascita Repubblicana, Ancora Italia (fundada, na época pelo filósofo Diego Fusaro), Riconquistare l’Italia, Italia Unita.

O primeiro ponto do programa da coalizão é aquele da defesa da Constituição republicana, ao qual seguem pontos, em si mesmos corretos, como a oposição à União Europeia e à OTAN. O problema real são as forças que constituem essa coalizão e o conteúdo que dão ao seu programa. Deixando à parte (mas apenas para não disparar sobre a Cruz vermelha…) a questão da defesa da Constituição, isto é, da ordem burguesa do Estado italiano, a questão da oposição e da saída da União Europeia adquiriu um sentido nacionalista, enquanto a oposição ao imperialismo da OTAN é funcional… para aliar-se com o “campo anti-imperialista” representado pela Rússia e China, como se vê muito bem com a recente invasão da Ucrânia. Enfim, nenhum tipo de proposta de classe se volta aos trabalhadores. Mas, por outro lado, não poderia ser assim: apenas para dar um exemplo mais elucidativo, Rinascita Repubblicana, uma das organizações da coalizão, foi fundada pela europarlamentar Francesca Donato, que saiu novembro passado… da Lega di Salvini!

A coisa mais ridícula dessa coalizão é que foi criada pelo Partido Comunista de Rizzo, que até poucos meses atrás recusava qualquer aliança eleitoral com organizações a ele objetivamente próximas como PRC (Partito della Rifondazione Comunista) e PAP (Potere al Popolo) e que com um giro de 180º cria uma frente política e eleitoral com forças declaradamente “patriotas”, “socialdemocratas”, frente que tem o objetivo de “voltar à Constituição”, de “defender a Constituição republicana”. A decisão do Comitê Central do PC de Rizzo que estabeleceu essa reviravolta suscitou, até onde se sabe, um certo descontentamento no partido, culminando na expulsão, publicada no Facebook, do secretário Marco Rizzo pela seção de Milão! Expulsão rapidamente desmentida pela Comissão de Garantia do Partido, que desautorizou a atitude como a insatisfação de um único militante descontente que teria ilicitamente tomado posse da conta da rede social da seção local do PC. Porém, logo depois da decisão da federação de Milano, foi editada…

 A classe operária nessas eleições

Depois de ter declarado brevemente as contradições diante das quais se encontram as classes dominantes e ter analisado sumariamente quais são as coalizões que se apresentam nessa disputa eleitoral, não podemos nos eximir de tentar indicar quais são as perspectivas da classe trabalhadora. Infelizmente, o período surreal de campanha eleitoral não parou os ataques aos trabalhadores: por último, a tentativa de abolir o teto aos salários (já altos) do alto escalão dos administradores públicos por parte do governo Draghi, que ainda deveriam estar encarregados pelas “tarefas ordinárias”. Mais uma prova do quanto as leis e a democracia existem apenas enquanto são funcionais para as classes dominantes… e desaparecem de acordo com a necessidade. O fato de que os partidos da coalizão de governo tenham em seguida voltado atrás com relação a essa medida, corresponde apenas às exigências eleitorais, visto os ruidosos protestos nas redes sociais por parte do eleitorado.

Se já sabemos que nada do que Draghi fez foi favorável aos trabalhadores, pensamos que nem mesmo das urnas possam esperar algo de bom destes últimos: com certeza nenhuma das coalizões burguesas representa uma alternativa que possa dar qualquer coisa aos trabalhadores, ainda que uma boa parte da classe trabalhadora, sobretudo a parte mais atrasada, poderá ser atraída pela retórica populista de Meloni. O M5S, tendo demonstrado a sua essência nesses anos de governo, reduziu bastante o seu espaço popular, mas permanece um obstáculo à formação de uma frente classista.

E já lembramos de como a centro esquerda, além de ter apoiado Draghi, sempre e sistematicamente sacrificou os interesses dos trabalhadores frente àqueles da burguesia, ainda se, afortunadamente, cada vez menos trabalhadores depositam sua confiança a ela.

O tom e os temas da campanha eleitoral refletem o fato de que os partidos burgueses, os únicos a quem é dado espaço nas redes sociais, não têm nenhum tipo de proposta confiável para os trabalhadores: fala-se de tudo, menos dos fatos, transmitem as declarações dos políticos sem lembrar que sempre fizeram o contrário do que dizem.

Passamos semanas a ouvir que não se encontram trabalhadores por culpa da renda básica, enquanto parece que os trabalhadores precarizados, que são o real problema junto com a questão salarial, quase não existem mais. Hoje todos dizem que é necessário aumentar os salários, mas são anos que o poder de compra dos salários diminui sem que nenhum governo tenha feito nada. Apesar da força dos meios desse sistema, não devemos nos cansar de denunciar aos trabalhadores, ainda mais aos politicamente atrasados e apáticos, de que a estabilidade desse sistema se funda também sobre a sua ilusão no fato de que os responsáveis pelos problemas dos trabalhadores possam resolvê-los amanhã.

No que se relaciona com a esquerda “radical”, ao contrário, não há nenhuma coalizão que representa uma alternativa de classe para os trabalhadores. O que serviria não é uma coalizão que avança com tímidas propostas de leis aceitáveis pela burguesia, mas que não daria nenhuma vantagem real aos operários. Inútil falar de lei contra as transferências das empresas se não se prevê a expropriação e a nacionalização das empresas que demitem e se transferem. Mas, para além dos programas insuficientes, se fosse uma força que proclamasse explicitamente a necessidade de unir a classe operária e, em torno dela, todos os setores oprimidos e explorados da população, isso provavelmente contribuiria para o avanço da consciência dos trabalhadores. Todavia, nenhuma força política presente nas eleições se colocou essa mínima visão de classe e não podemos então fazer outra coisa que chamar os trabalhadores a não colocar a sua confiança em nenhuma dessas ilusórias alternativas políticas e, assim, a não votar em nenhuma das coalizões em disputa.

 Recomeçar das lutass

O que é mais importante, no entanto, é começar rapidamente a organizar as lutas, a uni-las para além das divisões sindicais, da vontade das burocracias sindicais e preparar-se para lutar contra o novo governo burguês. Um governo que, como já havíamos dito, não estará em condições de resolver magicamente os problemas estruturais do Estado italiano, independente de quem seja a maioria numérica que sairá das urnas. A ação política independente da classe trabalhadora será indispensável para poder construir, a partir das lutas, a alternativa socialista necessária a uma revolução radical e a reconstrução da Itália que parta da expropriação dos exploradores burgueses.

O que serve é um programa que preveja a nacionalização de todas as companhias de energia, começando pela ENI: esse é a verdadeira forma de combater o aumento dos preços do gás e da energia; a nacionalização de todas as empresas que demitem ou que se transferem para serem administradas pelos próprios trabalhadores: esse é o modo para salvar os postos de trabalho; serve a diminuição do horário de trabalho aumentando o salário: essa é a forma de combater o desemprego; a lista é longa, mas definitivamente se reduz ao tirar dos especuladores aquilo que roubaram dos trabalhadores para coloca-lo a serviço das massas populares e da reconstrução da sociedade sobre novas bases. Nós do Partido da Alternativa Comunista propomos esse programa – e as perspectivas concretas para construí-lo – com aqueles que possam aplica-lo: os trabalhadores, que a partir das suas lutas são os únicos em condições de construir uma sociedade diferente sem oprimidos e explorados.

 Notas

  • Os marxistas distinguem entrem Estado (burguês ou operário), regime (a forma de governo – democrático, autoritário, etc.) e governo (isto é, o governo particular – Conte, Draghi etc.). Por crise de regime entendemos uma crise da forma de governo que se estruturou concretamente em um país, que não permite aos governos particulares de administrarem normalmente o país. Em alguns casos uma crise de regime pode ser acompanhada de uma crise revolucionária.

Tradução: Nívia Leão.

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