sex jun 09, 2023
sexta-feira, junho 9, 2023

35° Encontro de mulheres: Por que há duas convocatórias?

Entre os dias 8 e 10 de outubro ocorrerá o Encontro Plurinacional de Mulheres, Lésbicas, Travestis, Trans, Não Binárias e Interssexuais San Luis 2022. Paralelamente, de 19 a 21 de novembro é convocado o Encontro Nacional de Mulheres, na mesma província. Dois Encontros: o que essa ruptura reflete?

Por: Secretaria de Mulheres do PSTU/A – Lucha Mujer

Há alguns meses aconteceu a separação entre um setor da Comissão Organizadora do Encontro, conduzido pelo Partido Comunista Revolucionário (PCR), sua Corrente Classista Combativa (CCC) e vários grupos do âmbito da Frente de Todos (FdT), e o resto das organizações que preparavam o Encontro Nacional de Mulheres. Este é um evento massivo e único no mundo que se reúne desde 1986 e que em La Plata (último Encontro presencial antes da pandemia), se auto definiu por vontade majoritária como “Encontro Plurinacional de Mulheres, Lésbicas, Travestis, Trans, Não Binárias e Interssexuais”.

A fragmentação tem a ver com o ascenso na luta das mulheres e dissidências, que desgastou a hegemonia anterior e o controle do PCR nos Encontros. Também está relacionada com a crise política da aliança governante e das múltiplas disputas em seu interior, que se materializa neste caso, em que uma parte da FdT comparecerá em San Luis em outubro e a outra, em novembro.

Sabemos que muitas companheiras, ativistas pelos direitos femininos e LGBT estão preocupadas pela divisão. Há muita história e aprendizagens vinculadas ao Encontro. Foi referência para o desenvolvimento de lutas multitudinárias como as mobilizações por “Nem Uma a Menos” e pelo aborto legal.

O PCR e os grupos que aderiram à FdT que irão a San Luis em novembro se reivindicam herdeiros exclusivos desse legado. Argumentam para justificar que “(…) há um debate em relação ao papel das mulheres esse está fugindo de cena (…) a luta LGBTI que apoiamos é específica, avançou muito, mas têm suas próprias reivindicações, muitas de nós pensamos que deveriam fazer seu próprio Encontro e isto sem estímulo de romper nada (…)1 Encobrem assim a verdadeira razão: seus vínculos com a Igreja Católica e Evangélicas, ferrenhas opositoras dos direitos sexuais e reprodutivos.

Por um Encontro antiburocrático

Para nós, PSTU e Luta Mulher, a herança de luta está nas mãos das milhares de mulheres e dissidências, principalmente jovens, que foram com entusiasmo à luta e às ruas nos últimos anos. Sua irrupção foi o que permitiu começar a superar a camisa de força burocrática que a direção do PCR implicava nos Encontros: propuseram outras oficinas, encarregando-se da coordenação, não acataram os trajetos das marchas impostas pelo PCR (segundo seus acordos políticos e com a Igreja), começaram a ouvir a esquerda trotskista. Desse modo, as marchas começaram a bifurcar-se para protestar em frente aos gabinetes do governo e às catedrais locais, contra a vontade do PCR.

Consideramos isso muito progressivo. Por isso nos inclinamos para o Encontro Plurinacional. Outra questão importante é que este setor se propõe a somar com força os grupos sociais superexplorados e oprimidos, como as dissidências e as nações e povos originários.

Para nós, a partir do socialismo revolucionário, será uma luta dentro do Encontro Plurinacional, colocar no centro do debate os problemas das mulheres e dissidências da classe trabalhadora e setores populares, duplamente oprimidas e exploradas.

Significará também um desafio compartilhar espaço com milhares de companheiras, com as quais temos lutado lado a lado, mas que respondem ao Governo da FdT ou a direções amigas, por exemplo, a Corrente Federal da CGT (Confederação Geral do Trabalho), ambas CTAs (Central de Trabalhadores/as da Argentina), ou a coletiva Nem Uma a Menos. Desafio que é redobrado pela renovada relevância que a figura de sua líder, Cristina Fernández, adquiriu a partir do atentado à sua vida.

Porque o ajuste que “seu” Governo aplica, produto do acordo com o FMI, sob a direção de Alberto e Cristina, e ao que seus representantes sindicais e/ou da direção do movimento de mulheres deixaram passar sem luta, é gerador de todo tipo de violência contra as jovens, as mulheres dos bairros populares, operárias, professoras, trabalhadoras da saúde e contra as diversidades sexuais.

 O Encontro Plurinacional pode ser uma via para encarar essa discussão, porque precisamos levá-la urgente a cada local de trabalho e estudo, a cada bairro. Precisamos buscar pontos em comum, em torno dos quais nos auto-organizemos para lutar muito e em unidade, com o fim de superar a imobilidade da maioria das direções atuais e derrotar o pacto antioperário com o FMI.

PARTICIPAR: COM QUAIS OBJETIVOS?

Em outubro as ruas de San Luis Capital estarão lotadas com as participantes do Encontro Plurinacional, o primeiro depois da pandemia e da aprovação do aborto legal.

Nessa província há anos, se alternam no governo, os irmãos Rodríguez Saá, de tradição peronista. Entre os anos ’80 e ’90 uma política chamada de “promoção industrial” permitiu a implantação de empresas, graças à vantagem de grandes benefícios fiscais. Isso gerou uma concentração de população e de crescimento econômico nos estados centrais e extrema pobreza nos restantes, junto com maior desemprego e subemprego

Tais penúrias não foram resolvidas até hoje. Mulheres, dissidências e integrantes das comunidades originárias, como grupos de huarpes, ranqueles ou comechingones, estão entre as mais castigadas. É uma refração da crise e dos ajustes que sofremos em todo o país, na América Latina e no mundo.

Frente à proximidade do Encontro a polêmica sempre se reanima, sobretudo entre organizações revolucionárias, da qual é nosso propósito participar.

Os Encontros são eventos nos quais, durante três dias, mulheres e dissidências, se livram das tarefas domésticas e de todo jugo. Dedicam-se a discutir diferentes questões sociais e políticas, entrando em contato com os/as lutadores/as de outras províncias, cidades, etc. E isso é muito bom.

Porém o aspecto contraditório é que as necessidades das mulheres trabalhadoras e as de suas patroas não são diferenciadas: “são todas mulheres”. Os problemas da mulher e das dissidências pobres são tratados como problemas de gênero e não da classe trabalhadora. Embora dirigentes sindicais e estudantis participem, não sai nenhuma proposta para ser levada aos locais de trabalho, estudo ou para comprometer os sindicatos e centrais operárias, ou os centros estudantis, para que tomem nossas reivindicações, que lutem pela aplicação e ampliação das leis existentes. Por exemplo, a da Violência, a do Direito ao Aborto, a da Cota de Trabalho Trans, a Educação Sexual Integral (ESI), que tomem em suas mãos a educação não sexista dos homens que são nossos companheiros de trabalho ou estudo, que organizem a autodefesa contra a violência machista.

Por isso, não vamos lutar pela direção dos Encontros nem mudar-lhes o conteúdo, como fazem outras organizações de esquerda. Tomemos, por exemplo, uma declaração da FIT-U que exige que sejam “(…) massivos, verdadeiramente democráticos, amplos, participativos e independentes politicamente dos governos de turno e das igrejas, baseados na soberania das oficinas, que sirvam para potencializar a organização das mulheres e diversidades (…)”[1], o que indicaria para que os Encontros substituam as organizações próprias de nossa classe trabalhadora.

Para nós interessa participar para aproximar o programa e a política revolucionários desses milhares de ativistas, mulheres e dissidências, que vão abertos para escutar, nas oficinas, nas marchas, nas diferentes atividades. Interessa-nos dizer-lhes que este Governo, apesar de seu Ministério de Mulheres, Gêneros e Diversidades, muito menos o anterior, não dará resposta às demandas de igualdade salarial, creches para nossos filhos, ampliação e aplicação efetiva do direito ao aborto legal e gratuito, frear os feminicídios e abusos, desmantelar as redes de tráfico. Porque são governos que defendem o capitalismo, um sistema que, por definição, soluciona suas crises sacrificando muitos, para que uma minoria nade na abundância.

Queremos também propor-lhes, à diferença da maioria dos feminismos, que não conseguiremos avançar se formos separades de nossos irmãos de classe, que é preciso lutar pelas nossas reivindicações com o conjunto des trabalhadores. E que juntes tenhamos que lutar por uma Segunda e Definitiva Independência, com a classe operária à frente, para acabar com estes planos de ajuste que são ditados a partir do FMI e dos demais abutres e construir uma sociedade capitalista.


[1] Declaração de Mulheres e Dissidências da Frente de Esquerda Unidade perante o 35 Encontro Plurinacional, 26/05/2022

Tradução: Lilian Enck

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