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terça-feira, abril 16, 2024

Itália| Sem as lutas dos trabalhadores não haverá uma mudança real

Declaração sobre a queda do governo de Draghi e o fim do “governo de unidade nacional”.

Por: Comitê Central do Partido de Alternativa Comunista, Itália

Entre os dias 20 e 21 de julho passado, ocorreu a enésima crise de governo que provocou a renúncia de Draghi do governo e o encerramento antecipado da legislatura, com eleições antecipadas, previstas para 25 de setembro.

O primeiro ministro apresentou sua renúncia pela primeira vez depois de 13 de julho: os “Cinco Estrellas” [M5s] não haviam votado confiança no decreto de “ajuda”, mas o presidente Mattarella os havia rejeitado, para que pudessem tentar reconstruir a maioria no Parlamento. Entretanto, no momento da votação no Senado, não apenas o M5s, mas também Forza Italia e a Liga, retiraram seu apoio ao executivo, acabando com a maioria da “unidade nacional”. Entre os mais ferrenhos apoiadores de Draghi, um homem símbolo do capitalismo financeiro e internacional mais brutal, o Partido Democrático (PD) de Letta, que fez da defesa do governo de unidade nacional seu cavalo de batalha. Isto demonstra que a não aprovação do projeto de lei Zan por parte do governo foi só lágrimas de crocodilo instrumentais. O que realmente importa para o Partido Democrata, é a defesa dos interesses da grande burguesia italiana vinculada a ele: por isso não duvidou em ajoelhar-se diante de Draghi.

Uma crise institucional expressão de uma profunda crise social

Este foi só o epílogo de uma legislatura instável, reflexo distorcido de um país socialmente dividido, situação agravada por uma estagnação econômica que inclusive antes da Covid-19 ameaçava detonar sua própria e verdadeira crise. Tudo isto criou uma fratura importante na burguesia italiana, que desde o fracasso do projeto presidencialista de Renzi já não tem um projeto político que seja majoritário em seu interior, e tem que lidar com o crescimento do “populismo”, expressão distorcida da crise social do país, que nas últimas legislaturas minou o sistema normal de alternância burguesa, próprio da chamada Segunda República. Entre as razões do crescente consenso da direita populista entre as massas pobres, está também a capitulação dos partidos da esquerda reformista e das direções sindicais (Landini e a burocracia da  Confederação Geral Italiana do Trabalho – CGIL in primis) às piores políticas de governo, desde Conte até Draghi: basta pensar no fato de que no parlamento a oposição (embora tímida) ao governo de Draghi foi de fato deixada para o Fratelli d’Italia [Irmãos da Itália], o que também explica o crescimento do consenso eleitoral deste partido na classe operária.

O executivo de Draghi foi um dos governos burgueses mais brutais dos últimos anos: desde o desbloqueio das demissões (que deixaram milhares de trabalhadores na rua) até a repressão às greves e à atividade sindical, a grande burguesia italiana teve em Draghi um representante válido, sempre disposto a conceder regalias multimilionárias ao nosso capitalismo pátrio. Não em vão, o presidente da Confindustria, Bonomi, esteve entre os que rasgaram as roupas para evitar a crise do governo, apesar de sua instabilidade.

De fato, nesta legislatura, a burguesia teve que apostar primeiro na maioria Liga-M5s do governo de Conte, depois no Pd-M5s com o mesmo presidente, e finalmente em um executivo da “unidade nacional”. Mario Draghi, já presidente do Banco Central Europeu (BCE), gozava da confiança da burguesia italiana e europeia, e era o candidato mais adequado para ampliar a maioria tentando estabilizá-la, sobretudo tendo em conta a distribuição de fundos que chegavam da União Europeia (fundos no valor de cerca de 25 bilhões de euros, dos quais 9 milhões só de ajuda a fundo perdido para os capitalistas), que permitem: 1) obter fundos a partir da confiança das instituições europeias fundamentalmente na figura de Draghi; 2) mitigar o enfrentamento entre os partidos sobre a gestão dos próprios fundos, garantindo um “bom uso” para a burguesia. Isto derivou no conhecido Plano Nacional de Recuperação e Resiliência (PNRR).

Draghi não resolveu os problemas da burguesia

Apesar disso, as contradições e fraturas na maioria governamental, que refletem contradições no interior do “país real”, continuaram se agravando, mesmo diante de um evento importante que derivou em uma maior instabilidade e crise (aumento dos preços dos combustíveis, dos custos da energia e da inflação em geral) como a invasão russa à Ucrânia. As polêmicas sobre a distribuição dos fundos do PNRR fizeram explodir as contradições no interior do parlamento, acentuando os enfrentamentos internos. Para não mencionar as polêmicas sobre a lei eleitoral e a perda de consenso no enfrentamento dos partidos de governo pelo recrudescimento da crise social. Se os partidos de direita decidiram desconectar-se foi também para não deixar o “momento de glória” apenas para Meloni [Giorgia Meloni, jornalista e política, presidente do Fratelli d’Italia].

Isto levou à queda do governo de Draghi, um dos governos antioperários mais brutais da história republicana, fervoroso defensor dos interesses da burguesia e inimigo ferrenho das massas operárias e populares. Por isso, o espetáculo dos muitos que, inclusive na esquerda, apelaram ao primeiro ministro para “que ficasse” foi verdadeiramente indigno. Entretanto, não podemos esperar que o próximo governo seja melhor. Certamente Draghi era o homem de confiança de todo o establishment europeu e das instituições financeiras internacionais que sabemos bem os sacrifícios que impõem aos trabalhadores (em pleno acordo com as burguesias “nacionais”), mas qualquer governo burguês que tome posse depois dele defenderá substancialmente os mesmos interesses, os da burguesia italiana, ou seja, a propriedade privada dos meios de produção e tudo o que segue: a primazia do lucro sobre tudo, ataques aos trabalhadores e suas condições de vida, negação dos direitos para as mulheres, os imigrantes e as pessoas LGBT, devastação ambiental, etc.

Os trabalhadores não devem deixar de lutar

Teria sido diferente apenas se o governo de Draghi tivesse sido expulso pelas lutas dos trabalhadores: isto poderia ter lançado as bases para uma perspectiva de mudança. Infelizmente, não só as burocracias sindicais mantiveram sob controle ou em todo caso separaram as lutas que neste ano e meio tentaram opor-se às demissões selvagens (ver sobretudo Alitalia e Gkn) e à perda do poder aquisitivo dos salários, sem esquecer as greves contra os chamados “protocolos de segurança”; mas a CGIL, principal sindicato italiano pelo número de afiliados, através de seu secretário Landini pediu aos partidos que não derrubassem o governo porque este podia ajudar os trabalhadores e suas famílias  (sic!). Uma inversão total da realidade.

Uma realidade que cabe aos trabalhadores e às massas populares recolocar em seu lugar: de fato, é pouco provável que um governo forte e estável surja das urnas no final de setembro, embora tenha uma sólida maioria parlamentar. Os trabalhadores em luta, e apenas eles, são capazes de colocar a palavra “fim” aos engodos do sistema partidário italiano, desde que saibamos unir nossas lutas e colocar no centro a defesa real de nossos interesses, expropriando todas as empresas que despedem ou tentam se transferir, eliminando os lucros das empresas que administram a distribuição de energia e de gás, aumentando os salários, fazendo pagar pela crise aqueles que a criaram.

As medidas que são necessárias não são aquelas das quais se fala no parlamento. Há que reivindicar uma taxação fortemente progressiva que faça pagar aqueles que se enriqueceram nestes anos de pandemia; um plano de obras públicas compatível com o respeito ao meio ambiente para absorver o desemprego; a expropriação e reconversão imediata de fábricas poluidoras, o lançamento de um plano sério de investimentos em energias renováveis; aumento do investimento público em escolas e atendimento na saúde, etc. Estes são apenas alguns exemplos das muitas medidas que seriam necessárias e das quais ninguém falará na próxima campanha eleitoral. Cabe aos trabalhadores colocá-las “no centro do debate” levando-as adiante com suas lutas. Só assim poderemos lançar as bases de uma mudança real, e para isso precisamos de um governo de trabalhadores que governe para os próprios trabalhadores.

Artigo publicado em www.partitodialternativacomunista.org, 24/7/2022.

Tradução do italiano para o espanhol: Natalia Estrada.

Tradução do espanhol para o português: Lilian Enck

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