qui mar 28, 2024
quinta-feira, março 28, 2024

Argentina| A unidade de empregados e desempregados para um novo Argentinazo

Os movimentos sociais voltaram a ocupar um lugar de destaque no cenário político argentino. Nos primeiros meses do ano, mais de quatro mil piquetes colocaram em evidência o desemprego e a pobreza.

Por: PSTU Argentina

Diante disso, Javier Milei lançou o “Movimento Antipiqueteiro Argentino”. Os ricos atacam os movimentos sociais, pagando palhaços como Milei e usando seus meios de comunicação como La Nación, Clarín e TN. Para isso contam com personagens nefastos que brincam de jornalistas como Viviana Canosa ou o filho de Mauro Viale, que falam com muita raiva de “los choriplaneros”[1], como os chamam. Dizem que são vagabundos mantidos por “contribuintes” honestos que pagam seus impostos. Inclusive culpam os pobres pela inflação e pelo aumento do dólar. Infelizmente, essas campanhas ecoam entre os trabalhadores e o povo. Por isso, neste artigo queremos expor algumas mentiras e mitos que os ricos e empresários constroem para nos dividir entre trabalhadores empregados e desempregados. Também discutiremos com o peronismo e Juan Grabois, e a política eleitoral dos partidos que compõem a FIT (Frente de Esquerda dos Trabalhadores). Propomos a distribuição das horas de trabalho sem redução salarial. E para isso acreditamos que devemos ir às empresas exigir emprego, em unidade com os companheiros que estão trabalhando.

No pagamento ao FMI se gasta o mesmo que na assistência aos desempregados

Quanto o Estado gasta em planos sociais? 8,4% do gasto público total é destinado a programas sociais. Dentro deste item, os mais relevantes são o Potencializar Trabalho, o IFE (Ajuda Familiar de Emergência) e o Cartão Alimentação. Na escala de despesas totais,  depois vem os juros da dívida, que representaram 7%. Ou seja, gasta-se mais ou menos o mesmo no pagamento da dívida aos usurários internacionais e na ajuda económica aos que estão desempregados por responsabilidade do Estado e dos governos. A ajuda recebida pelos desempregados/as mal dá para cobrir algumas despesas e a grande maioria sai para fazer bicos. Tirar o plano deles, como alguns propõem, é afundá-los ainda mais na pobreza, em um país onde o modelo econômico não garante emprego para todos.

Este sistema é uma máquina para gerar pobres e desempregados

Dados oficiais dizem que no primeiro trimestre do ano o desemprego caiu 3,2% em relação ao mesmo período do ano passado. Isso significa que essa será a dinâmica e que vamos para uma situação de pleno emprego? Achamos que não. Há uma recuperação anêmica da economia após a pandemia, o que gerou um aumento do emprego, mas de forma alguma esse crescimento econômico garantirá trabalho genuíno para todos. É assim, em primeiro lugar, porque somos um país agroexportador. Somos uma semi-colônia que vive principalmente da venda de matérias-primas. O agronegócio respondeu por 74% das exportações argentinas em 2020. Somos o maior exportador mundial de óleo e farinha de soja, erva-mate e feijão. Esse é o nosso lugar na divisão global do trabalho. A questão então é que o campo gera muito pouco emprego e tende cada vez mais para a automação, resultando na expulsão da classe trabalhadora.

Por outro lado, a indústria só tem chance de sobreviver voltando-se para o mercado interno, pois não consegue competir com os países mais desenvolvidos, e o faz gerando empregos cada vez mais precários, com longas jornadas de trabalho, produzindo com o mínimo de trabalhadores possível. E, sobretudo, porque os empregadores precisam de desempregados como um “exército industrial de reserva” para manter os salários baixos. Precisam do medo do desemprego para que os trabalhadores aceitem condições de trabalho cada vez piores. Assim vemos que se criam empregos precários, com baixos salários, com jornada de trabalho de 12 horas. Um em cada quatro trabalhadores está “sobreocupado” de acordo com a Pesquisa Permanente de Domicílios de 2022; isso significa que ele tem que trabalhar mais de 35 horas por semana para fazer face às despesas. Por isso o emprego aumentou, mas aumentou o número de trabalhadores pobres, que hoje atinge 45% da população. De um lado, trabalhadores superexplorados e, de outro, mais de 7% da população desempregada. Estas são as bobagens que vivemos na Argentina.

Distribuição da jornada de trabalho sem redução salarial e escala móvel de salários.

Diante disso, propomos a distribuição das horas de trabalho sem redução salarial, e diante da inflação que nos empobrece a cada dia, propomos a escala móvel de salários para “garantir o aumento automático dos salários correlativamente ao aumento do preço dos artigos de consumo”. Desta forma, reivindicamos o direito ao trabalho e uma existência digna para todos, e apelamos à solidariedade entre trabalhadores e desempregados para lutar por isso. Para que todos/as trabalhemos, para que acabme os acidentes de trabalho e lesões por longas horas de trabalho, e as pessoas tenham tempo para aproveitar a vida, estudar, pensar e se envolver em atividades sociais.

Mas sabemos que os empresários não vão abrir mão de seus lucros. Eles não querem a redução da jornada de trabalho, pelo contrário, querem que trabalhemos o máximo de horas possível, como vimos acima. Por isso, para alcançar a distribuição das horas de trabalho e a escala móvil de salários é preciso enfrentar esse modelo econômico e seus dirigentes e representantes políticos e sindicais. Preparar essa luta é preparar um novo Argentinazo, como temos defendido junto a diversas organizações sociais.

Precisamos de um plano de obras públicas

Isso também geraria empregos, com a construção de escolas, hospitais, casas, esgotos, asfalto, estradas, reconstrução da ferrovia, financiados com o não pagamento da dívida e altos impostos aos grandes capitalistas.

Vamos às empresas exigir trabalho

Como dissemos, somos a favor da assistência financeira aos companheiros desempregados. Além disso, acreditamos que recebem pouco, que essa “ajuda” não os tira da pobreza, e o Salário Universal de 12.000 pesos que Juan Grabois pede é absolutamente insuficiente, o que acaba legitimando o desemprego e a precarização do trabalho. É por isso que temos que apontar nossas armas na luta para conseguir um trabalho autêntico.

O presidente Alberto Fernández anunciou na refinaria Raizen, que fica em Dock Sud, o investimento de 715 milhões de dólares nos próximos três anos para aumentar a produção. Isso significará 4.000 empregos e 3.000 novos contratos com fornecedores de PMEs (pequenas e médias empresas). Temos que nos mobilizar junto com todo o bairro da “Villa Infamable” que fica em frente à refinaria para exigir empregos para os moradores. Assim podemos continuar dando exemplos. A atividade industrial cresceu quase 4% em relação aos dois primeiros meses de 2021. A produção automotiva ultrapassou 48.000 unidades e cresceu 12,9% ano-a-ano, atingindo o maior nível de produção desde meados de 2018. Em Vaca Muerta, a produção de petróleo bruto atingiu o nível mais alto em dez anos, levando em conta o primeiro trimestre. E o de gás natural cresceu 12% no ano. Aí está o emprego. As organizações sociais devem organizar um plano de luta onde vamos diretamente às empresas para exigir trabalho delas. A Confederação Geral de Trabalhadores (CGT) e a Central de Trabalhadores Argentinaos (CTA) deveriam fazer o mesmo, mas não farão. Esses dirigentes vendidos há muitos anos negociaram aumento da jornada de trabalho, salários mais baixos e legitimaram empregos precários e terceirizados, dividindo entre empregados e contratados. Muitos até se tornaram empreendedores. É por isso que a demanda para com eles tem que ser com a ação direta, e a luta pelo trabalho tem que ser com a ação direta. Assembleias dentro das fábricas para discutir salários, condições de trabalho, bolsa de trabalho, distribuição de horas sem redução salarial para gerar emprego para companheiros desempregados e escala salarial para enfrentar a pobreza gerada pelo aumento desenfreado dos preços. Chega de horas extras, acidentes e lesões de trabalho para chegar a um salário mais ou menos digno. Temos que organizar os trabalhadores empregados e desempregados em assembleias para nos unirmos nessa luta.

Reuniões eleitorais não são a solução

Concordamos com o PO (Partido Obrero), PTS (Partido dos Trabalhadores Socialistas), MST (Movimento Socialista dos Trabalhadores), Nuevo Mas e outras organizações que afirmam que devemos unir os trabalhadores empregados e desempregados, mas a discussão que temos com eles é como, por que, com que objetivo, com qual programa e perspectiva. Primeiramente, acreditamos que a forma como estão chamando os Encontros está errada, porque estão se dividindo entre os vários encontros convocados que cada partido. E o mais importante, e queremos deixar nítido, a distribuição das horas de trabalho sem redução salarial e a escala móvel salarial não serão alcançadas votando em Myriam Bregman, Nicolás del Caño, Gabriel Solano ou Manuela Castañera no próximo ano. Será com a luta violenta, nas ruas, com os trabalhadores e o povo mobilizados. “A “possibilidade” ou a “impossibilidade” de conquistar as reivindicações é, no presente caso, uma questão de relação de forças que só pode ser resolvida pela luta”. O governo da Frente de Todos não foi nem capaz de aumentar os impostos dos proprietários do campo, nem de fazer um controle mínimo de preços depois de fazer o ridículo com o anúncio da “guerra à inflação”, muito menos enfrentará as multinacionais e os empregadores locais para impor a distribuição das horas de trabalho e a escala móvel de salários. Seus deputados e senadores também não o farão, porque esse Congresso é feito para garantir os negócios às empresas, não para atacar seus lucros.

Para acabar com o desemprego temos que derrotar esse modelo econômico. Mas para isso é preciso enfrentar o poder político que os sustenta a partir do Estado. Atos ou reuniões testemunhais de esquerda na Plaza de Mayo, onde o palco é montado de costas para a Casa Rosada não são suficientes. Temos que organizar a raiva em direção a um novo Argentinazo, que ponha os trabalhadores e o povo no governo, que rompa com o imperialismo, que exproprie as principais indústrias, que monopolize o comércio exterior e planifique a economia. E para isso temos que nos preparar, rompendo com a lógica eleitoral. Sabemos que no ano que vem haverá eleições, que não estamos em uma situação revolucionária, mas precisamos discutir seriamente as perspectivas e as tarefas colcoadas, combatendo a ideia de que os problemas serão resolvidos com a entrada de mais deputados de esquerda , porque os empresários não nos deixam tocar em suas propriedades, nem os governos. Colocarão, como sempre fizeram, a gendarmaria, a polícia e a Justiça a serviço dos empresários para defender suas propriedades e seus lucros, enfrentando o protesto. Portanto, não há solução pacífica, apenas o povo armado pode tirar deste país as multinacionais e os abutres do sistema financeiro, e seus representantes da Casa Rosada e do Congresso.

Breve história do desemprego

Na Argentina, tanto a última ditadura militar quanto os governos democráticos posteriores contribuíram, cada um à sua maneira, para a formação de uma massa de trabalhadores informais, desempregados e empobrecidos. Sob a ditadura militar, iniciou-se um processo de desindustrialização, que resultou em aumento do desemprego, aumento do autoemprego e crescimento do emprego precário, processo que, somado à queda dos salários reais, significou em aumento expressivo da pobreza de renda. Esse processo continua durante o governo radical de Alfonsín, enquanto se acentua a informalização e a precarização dos assalariados. Durante o menemismo (Carlos Menem), esta situação dá um salto. A equiparação do peso ao dólar, as privatizações, mais a abertura comercial e financeira, aumentam o subemprego. O desemprego atinge dois dígitos em 1993 e sobe para 17% em 2000. Por sua vez, as mudanças introduzidas na legislação trabalhista promovem a precarização e a instabilidade do emprego. A criação de emprego assalariado é praticamente nula e consequentemente o aumento das chagas e se chegam a níveis de pobreza sem precedentes.

É nesses anos que surgem as lutas dos desempregados com piquetes, assembleias e levantamentos em bairros em Cutral Có, Plaza Hincuil, Mosconi, Tartagal e Jujuy. A privatização da YPF mergulhou cidades inteiras no desemprego. O processo se estende e chega a Buenos Aires. Em 2001, as pessoas na rua levaram De la Rúa aos escombros. Cinco presidentes em onze dias. Em 2002, Maximiliano Kosteki e Darío Santillán foram assassinados pelo governo Duhalde, que por sua vez lançou o plano “Programa de Emprego Comunitário” com o qual busca diminuir os níveis de enfrentamento. Depois vieram as eleições em que Nestor Kirchner ganhou. “Nem planos nem paus”, disse ele, referindo-se à sua intenção de acabar com a luta e criar empregos. Inicia-se assim um processo de institucionalização e cooptação de muitos movimentos sociais, que acabam alinhados com seu governo, deixando de lado os métodos de ação direta e assembléias. Durante os governos de Néstor e Cristina Kirchner, ocorreu um relativo crescimento da indústria. Isso aumentou o emprego, mas em condições de insegurança e flexibilidade no trabalho. De qualquer forma, o modelo econômico permaneceu o mesmo, aumentando a primarização da economia por meio do fomento da agricultura e da indústria extrativa. Com Macri, dá-se um salto na destruição de empregos e no empobrecimento de setores populares. E hoje, depois de três anos da Frente de Todos, continuamos mais ou menos na mesma.


[1] O termo choriplanero é a expressão que é usada de forma pejorativa, preconceituosa e discriminatória para descrever pessoas que reivindicam planos sociais

Confira nossos outros conteúdos

Artigos mais populares