sex mar 29, 2024
sexta-feira, março 29, 2024

40 Anos das Malvinas: Reflexões e Debates

Em 14 de junho de 1982, as tropas argentinas comandadas pelo general Mario Benjamín Menéndez se renderam em Puerto Argentino, e assim se acabava a Guerra das Malvinas. Nas edições anteriores (1) desenvolvemos o contexto anterior à guerra, os principais acontecimentos durante seu curso até a derrota diante do imperialismo britânico, e a política, programa e atividade do PST, a seção argentina da então recém-fundada Liga Internacional dos Trabalhadores – Quarta Internacional (LIT-QI). Aqui nos concentraremos no balanço e nas principais conclusões dessa guerra anti-imperialista e nos diferentes debates que foram abertos e ainda continuam sobre ela.

Por: PSTU Argentina

Os meios de comunicação de massa e os líderes dos partidos patronais vêm martelando há décadas com a conclusão de que era uma loucura ter ido à guerra contra o imperialismo. Eles estabeleceram como “senso comum” à ideia de que a superioridade militar e econômica das potências imperialistas torna impossível vencê-las.  É claro que não explicam como foi possível a derrota do imperialismo francês na Argélia (1962), ou dos EUA no Vietnã (1975), Iraque (2007) e Afeganistão (2021), entre muitos outros exemplos (2). Esta visão dos fatos lhes é muito útil. Procuram impingir na consciência do povo trabalhador a ideia de que não é possível rebelar-se contra as imposições do imperialismo e que não resta outra coisa que resignar-se à sua pilhagem e dominação. Esta foi a base dos argumentos da Frente de Todos – FdT [Coalizão eleitoral vencedora das eleições de 2019, com Alberto Fernandez e Cristina Kirchner, presidente e vice-presidente, respectivamente, ndt.] nos recentes debates sobre o acordo com o FMI, uma vez que o Kirchnerismo não foi além de uma renegociação e se negou a propor a ruptura com o Fundo e o não pagamento da Dívida Externa fraudulenta e ilegítima.

Por que a guerra foi perdida?

Além de propor um programa socialista e revolucionário para derrotar o imperialismo, o PST denunciou as capitulações da Ditadura durante o conflito.  É por isso que, desde o final da guerra, declarou que ela foi perdida devido à desastrosa condução militar e política da guerra, e não por causa da superioridade britânica. (3)

Como atestam numerosos documentos, incluindo o relatório da Comissão Rattenbach (4) e as declarações posteriores de Galtieri ao Clarín (5), os militares nunca pensaram em iniciar uma guerra. Este foi o primeiro erro de cálculo. Eles não entenderam que, por mais grato que o imperialismo estivesse por seus subservientes serviços contrarrevolucionários, sua ação estava questionando a ordem mundial imperialista e abrindo um precedente muito sério: um país semicolonial estava recuperando um enclave imperialista pela força. Isso abria a porta para que outros países subjugados fizessem o mesmo com outros territórios usurpados, a expropriação de propriedades imperialistas e ignorar as dívidas externas usurárias a bancos e instituições financeiras internacionais. Por isso a reação britânica foi imediata. (6) Junto com isso, a guerra foi útil para Thatcher, enfraquecida pela resistência operária e da população ao seu plano neoliberal.

O segundo erro, uma vez declarada a guerra pelos ingleses, foi não se preparar para uma guerra total para vencer. (7) Claro que isso implicava na mobilização e armamento de toda a população em condições de combater, a expropriação das propriedades inglesas e de todos os seus sócios imperialistas, começando pelos EUA, deixando de pagar a dívida externa, prender os CEOs e capitalistas imperialistas, aceitar a ajuda em armas e homens dos países que a ofereceram (Peru, Cuba, Líbia, por exemplo) e exigi-la da ex-URSS e de outros ex-estados operários que poderiam fornecê-la. Mas Galtieri e a Junta Militar eram os representantes políticos da burguesia lacaia argentina, parceiros menores na pilhagem imperialista, e por causa desse caráter de classe eram incapazes de desenvolver a fundo esse programa anti-imperialista.

A outra alternativa desse ponto de vista era retirar-se sem lutar, a saída defendida pelo “mediador” ianque Alexander Haig (8). Mas o grande obstáculo para esta saída foi o terceiro e letal erro de Galtieri: tentar manipular o movimento de massa apelando para sua mobilização em prol da recuperação das ilhas. Isso desencadeou uma imparável mobilização revolucionária anti-imperialista que depois se estendeu por vários países da América Latina. (9)

O quarto grande erro de cálculo dos militares, derivado dos anteriores, foi acreditar que a ocupação das Malvinas conseguiria dar uma sobrevida para o regime moribundo. Mas as guerras sempre trazem à tona a podridão dos regimes. Assim, o “feudalismo militar” que caracterizou o “Processo” [Processo de Reorganização Nacional, ou seja, o poder instalado pela ditadura militar, de 1976 a 83, ndt] onde o controle e a pilhagem do aparelho de Estado estavam divididos entre as três forças, continuou durante a guerra, impedindo um comando unificado. A isso devemos acrescentar a corrupção e o vergonhoso roubo do dinheiro arrecadado para o fundo patriótico para fazer negócios, os maus-tratos e até mesmo a tortura dos soldados.

Deste modo, a ditadura caiu em sua própria armadilha. Por um lado, recebeu o ataque militar do imperialismo que a forçou a ir para uma guerra que não queria. Por outro lado, desencadeou uma mobilização de massa que a impediu de voltar atrás. Assim, acabou travando uma guerra pela metade e se condenou à derrota.

Por outro lado, como explica um artigo recente da LIT-QI (10), nos últimos anos surgiram testemunhos como o do Almirante Sandy Woodward, comandante da frota britânica. Ele reconhece que a força aérea argentina havia infringiu sérios danos à frota britânica que não era adequada para aquela guerra e que ele achava poderiam ser derrotados.

A “democracia” foi conquistada pelo triunfo imperialista?

Outra ideia preconizada pela mídia e pelos partidos dos patrões é que os militares teriam saído do poder e convocado eleições devido à sua derrota na guerra. Em outras palavras, devemos ser gratos por termos sido derrotados pelo imperialismo britânico, porque, caso contrário, eles teriam continuado a governar por muitos mais anos.

Antes de entrar no debate sobre as causas da queda da ditadura genocida, deve-se ressaltar que, como argumentou Trotsky, a derrota de um país semicolonial pelo imperialismo o submete, com novas correntes à sua dominação nada democrática. (11) Após a guerra, temos uma base da OTAN instalada nas Malvinas e outra base ianque em Neuquén, interrompida por hora devido à mobilização popular de alguns anos atrás. As Forças Armadas Argentinas (FFAA) estão mais sujeitas ao controle imperialista do que antes, os mísseis Condor não são mais fabricados e a fábrica de aviões militares em Córdoba foi entregue a uma empresa ianque e desmantelada. Não só isso, o endividamento com os bancos imperialistas usurários continuou a aumentar exponencialmente desde a Ditadura e com todos os governos do período democrático. A entrega de nossos recursos energéticos, terras e empresas estatais aos capitais imperialistas também avançou. Atualmente, 70% das principais empresas do país pertencem a esses capitais. Consequências semelhantes ocorreram no resto da América Latina, onde a recolonização imperialista avança há décadas, com diferentes ritmos e desigualdades.

Finalmente, o triunfo inglês também teve consequências reacionárias dentro da Grã-Bretanha. Fortaleceu a “Dama de Ferro” [como era conhecida Margareth Thatcher, a primeira Ministra do Reino Unido, de 1979 a 1990, ndt], que conseguiu romper a histórica e heroica greve dos mineiros de carvão e aprofundar seus planos de reestruturação, privatizações, ataques as conquistas trabalhistas e desemprego. E a luta do povo irlandês contra a ocupação britânica da Irlanda do Norte também saiu enfraquecida.

A mobilização revolucionária das massas derrotou a Ditadura.

Não compartilhamos com o relato de um regime sanguinário que recua fazendo uma manobra tática depois uma derrota militar e convoca eleições em resposta às exigências populares. A realidade era bem diferente e é por isso que é importante que as novas gerações que não viveram aquele período conheçam os fatos.

Na verdade, no início da guerra, a situação do país e o movimento de massa mudaram abruptamente. A partir da mobilização popular detonada desastradamente pelos militares, a situação passou de uma de repressão brutal, como a de 30 de março de 1982, para um debate aberto nas ruas, locais de trabalho e de estudo sobre a guerra e a situação no país.  Foram realizados atos e mobilizações, muitos deles semi-espontâneos, como a montagem de comitês de solidariedade para arrecadar doações de sangue, dinheiro e alimentos para os soldados, e assim por diante. Como no mito de Pandora, a Ditadura destampou um turbilhão que não conseguiu conter. Como explicou Nahuel Moreno, fundador de nossa corrente nacional e internacional:

A mobilização de massas começou contra o imperialismo inglês, continuou contra o imperialismo ianque, fortaleceu os laços com os povos latino-americanos e, finalmente, diante da vergonhosa capitulação, acabou confrontando o próprio Galtieri e a Ditadura em geral, como incompetentes e traidores na condução da guerra, como aconteceu quando as massas assobiaram e insultaram Galtieri em um comício popular na Plaza de Mayo, gritando “as crianças morreram, os patrões as venderam”, em 15 de junho. (1982: Começa a revolução). Somente esse processo geral pode explicar porque essa mobilização relativamente pequena, mas violenta, levou à queda de Galtieri e de toda a Junta. Na verdade, esse foi o golpe de misericórdia.

Com a dissolução da Junta de Comandantes, desapareceu a principal instituição do regime e durante semanas não houve um novo governo. O General Bignone só pôde tomar posse graças ao apoio da Multipartidária, e ali se abriu um período de liberdades democráticas. O regime contrarrevolucionário semifascista caiu. Uma revolução democrática triunfou (12), mas para avançar em direção a uma revolução socialista, era necessária uma direção revolucionária do movimento operário. A ausência dessa direção no processo revolucionário permitiu à burguesia e seus partidos redirecionarem para uma saída meramente eleitoral e assim continuar a manter nosso país dentro da estrutura do capitalismo semicolonial. A construção dessa direção operária e revolucionária é a grande tarefa a ser resolvida para alcançar nossa segunda e definitiva independência, que só será possível com um governo operário e popular.

NOTAS:

(1) AS Nova época nº1 e nº2.

(2) No segundo período pós-guerra também houve guerras de libertação anticoloniais em grande parte da África e da Ásia que conquistaram a independência de vários países.

(3) Palavra Socialista nº 40, 20/06/82.

(4) Foi a comissão militar que investigou e julgou as ações dos comandantes militares durante a guerra.

(5) “Eu era o filho mimado dos americanos (…). Eu apostei na alternativa da não intervenção dos EUA.” (Galtieri) Clarin 02/04/83. Citado em Malvinas prueba de fuego.

(6) Contou também com o apoio unânime não só dos EUA, mas de todo o imperialismo europeu, expresso na resolução 502 da ONU (além do silêncio cúmplice da ex-URSS e da China, que não a vetaram).

(7) “A Argentina não está interessada em derrotar a Grã-Bretanha” (Ministro das Relações Exteriores Costa Méndez), La Prensa 5/10/82. Citado em Malvinas prueba de fuego.

(8) Alexander Haig era o Secretário de Estado dos EUA.

(9) Como o próprio Galtieri reconhece na reportagem citada, ele propôs um plano de aposentadoria escalonado em uma reunião do Conselho, mas todos concordaram que “não havia margem política interna para executá-lo (…) devido ao estado de agitação que vivia a população”. Ídem (5).

(10) A cuarenta años de la guerra de Malvinas – LIT-CI (litci.org) – 01/04/2022

(11) “Entrevista con Mateo Fossa”. León Trotsky, septiembre de 1938.

(12) Nahuel Moreno nomeou assim as revoluções políticas que derrubam regimes ditatoriais, mas não conseguem mudar o caráter de classe do Estado, que continua capitalista.

Tradução: Rosangela Botelho

Confira nossos outros conteúdos

Artigos mais populares