sex mar 29, 2024
sexta-feira, março 29, 2024

Uma vez mais: armas para Ucrânia

A resistência Ucraniana – suas forças armadas e as Defesas Territoriais, esta última ocultada pela imprensa burguesa, conseguiram o que parecia impossível: obrigaram as tropas russas a retroceder da capital Kyiv e Kharkiv a segunda maior cidade do país e concentrar-se no sudeste. Mas para ganhar a guerra os ucranianos necessitam de armamento pesado para expulsar as tropas russas do Donbas, mas nem os EUA e Alemanha e França, enviam estas armas por que não querem uma derrota militar de Putin e tampouco a soberania de Ucrânia.

Por: João Ricardo Soares

Uma dura batalha está sendo travada por cada palmo de terra no Donbas, enquanto escrevemos este artigo, Severodonestky pode se converter em Mariupol. Apesar da carência de armas ofensivas pelas forças armadas ucranianas, as tropas de Putin encontram uma forte resistência. Mas, quando a sorte da guerra parecia estar concentrada exclusivamente no Donbas, os misseis russos voltam a aterrorizar a população das duas principais cidades do país (Kyiv e Kharkiv), além disso Putin implanta mísseis terra-ar de médio alcance e sistemas de artilharia antiaérea na Bielorrússia ao longo da fronteira ucraniana.[1] O “recado” de Putin parece evidente: enquanto os EUA, Alemanha e França se negam a prover a Ucrânia das armas ofensivas que lhes permitiriam lutar no Donbas com alguma chance, Putin segue a destruição do país e o genocídio iniciado em fevereiro.

Muitos se perguntam o porquê após mais de cem dias de guerra, de todos os reveses amargados pelos invasores, da inequívoca demonstração do rechaço do povo ucraniano demostrado pelo seu engajamento na guerra, quais seriam as razões para o impasse atual e a negativa dos EUA e Alemanha de enviar armas ofensivas?

Talvez o sargento ucraniano Vladislav Goncharenko nos explique melhor do que os analistas da imprensa burguesa. Diz o sargento que para avançar é necessário ultrapassar a artilharia russa, e sem as armas necessárias “eu como fuzileiro, não posso combater”.

Enquanto Biden e o chanceler alemão Olaf Scholz prosseguem com o seu show mediático anunciando o envio de armas ofensivas que não chegam e Zelensky reforça a frente de batalha com as Defesas Territoriais para serem abatidas pela artilharia russa, os repórteres da revista alemã Der Spiegel[2] desenrolam o novelo: Scholz e seu governo estão claramente ganhando tempo. Inicialmente, não acreditavam que os ucranianos tivessem chance contra a Rússia e enviaram… 5.000 capacetes. Mais vale a ironia da história, sem o envio de amamento soviético dificilmente os combatentes vietnamitas teriam dado cabo do exército norte-americano, mas agora contra a agressão do Estado capitalista russo à Ucrânia, e pese todos os anúncios e aumento dos orçamentos militares nos EUA e UE, os combatentes ucranianos seguem sem as condições materiais para combater.

Enquanto Putin, entrincheirado no Donbas, ainda deve manter a mobilização de um exército sem moral e desgastado, a inteligência militar alemã sopra no olvido de Scholz que embora os russos estejam se movendo muito mais lentamente do que no início da guerra, podem conquistar pequenos pedaços de território a cada dia… neste ritmo podem colocar todo o Donbas sob seu controle até agosto. Enquanto o envio de armas é anunciado pela imprensa, e as forças armadas da Europa limpam a sucata de seus estoques enviando à Ucrânia, os tempos da guerra passam a fatura, não é o mesmo para o sargento Goncharenko que as tenha agora, ou, na melhor das hipóteses em algum momento de agosto, isso caso sejam enviadas.

Uma saída “honrosa” para Putin?

Enquanto isso os chefes dos Estados imperialistas afirmam que a resistência ucraniana “já foi longe demais”, pois a inflação segue em seus calcanhares, o presidente francês Macrón, e o ex-secretário de Estado norte-americano Kisinger tentam uma “saída honrosa” para o genocida Putin. Kisinger clama aos quatro ventos em Davos: a “ajuda de Rússia é fundamental para equilibrar a estrutura de poder em momentos cruciais”. Para os barões do imperialismo “salvar honra” do novo “cavaleiro da triste figura” significa preservar o papel de Putin como força auxiliar da contrarrevolução imperialista.

O sentido de “momentos cruciais” deve ser lido assim: os serviços prestados por Putin no seu apoio a Assad e esmagamento da insurreição Síria; na recente intervenção de Putin no Cazaquistão; ao sustentar a ditadura de Lukshenko em Belarus, deve ser preservado, isso implica reconhecer que nos países limítrofes da Rússia o porrete é de Putin, afinal ele já tem e o utiliza, fazemos os protestos de praxe, mas não toquemos em nosso badboy.

Assim, para preservar esta frente contrarrevolucionaria demonstram que em nenhum momento estavam dispostos a defender nem a soberania e tampouco a integridade territorial de Ucrânia. Somente a utilizam para enfraquecer estrategicamente Putin, mas não ao ponto de destruí-lo e desestabilizar o regime autocrático russo.

“É possível expulsar os russos da cidade de Sievierodonetsk”

Afirma o governador do Oblast de Luhansk, Lysychansk, enquanto testemunha a tragédia da população, perdendo suas casas e confinadas a campos de concentração. Com uma mão, e a artilharia de Putin, o imperialismo norte-americano e europeu redesenham o mapa da Ucrânia e com a outra, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen em Davos, anuncia um ambicioso plano de colonização da Ucrânia pós guerra: “reformas ambiciosas, como a modernização da administração, o estabelecimento firme do Estado de Direito e… a luta contra a corrupção e os oligarcas”.

A burguesia russa participa da farra de lucros gerados pela exportação de combustível fóssil pela estatal Gaspron, não somente na exploração, mas em inúmeras empresas subsidiárias que exigem menos capital, encarregadas da distribuição para residências e empresas, designadas pelos Estados nacionais de trânsito dos combustíveis. Além da repressão ao movimento de massas, a estabilidade do regime de Putin também está ancorada no favorecimento dos capitais russos que dependem de regimes submissos, a invasão de Putin à Ucrânia além de fragilizá-las abre o caminho para a investida europeia.[3]

Mas, enquanto a guerra de Putin aumenta os preços da energia, esta elevação financia a própria guerra, mas se isso fosse pouco a Rússia ainda aumentou suas exportações à Europa. Segundo a Argus Media em 14% entre janeiro e abril[4] dobrando a receita exportadora em quase 62 bilhões de euros.[5] Enquanto isso o imperialismo europeu diz enviar à Ucrânia, no máximo, 2 bilhões entre “ajuda militar e social”.[6] Putin provavelmente confia em que o aumento dos custos de produção dos monopólios alemães e o aumento da produção de gás natural liquefeito (GNL) nos EUA possa ocupar o mercado europeu, inaceitável para Alemanha, pois a deixaria energeticamente subordinada aos EUA.

Por isso, o embargo ao Petróleo e Gás russos se limitou à via marítima e de fácil substituição, mas a máquina produtiva Alemã (e seus satélites Eslováquia, República Tcheca e Hungria) recebem integralmente o combustível pelos oleodutos, como o de Druzhba.  Não podem tomar qualquer medida efetiva sobre a importação dos combustíveis russos sem afetar o lucro de seus monopólios, assim o efeito do embargo, como o envio de armas, é puramente mediático para “unir a nação” e apagar os interesses do proletariado europeu nesta guerra de agressão. Contando com a cumplicidade da burocracia sindical e da “esquerda” europeia que não estão dispostas a mobilizar os trabalhadores para uma ação independente dos seus governos. No entanto, o efeito real do embargo é inflação especulativa e aumento da demanda pelo petróleo russo em mais de 100 mil barris diários.

Os limites de Zelensky na condução da guerra pela soberania de Ucrânia

Em uma greve os interesses de classe são aparentemente mais nítidos, mas em uma guerra estão turvados pela burguesia e seus agentes no interior do movimento de massas. Explica Trotsky “se é verdade que a guerra é a continuação da política, apenas por outros meios… um exército é a continuação e a culminação do Estado e da organização social… apenas com a baioneta na frente”. Assim, os métodos e medidas necessárias para vencer se relacionam com a “estrutura da sociedade como um todo e, antes de tudo, ao caráter de sua classe dominante”.[7] (sublinhado nosso)

Zelensky, ao expressar o caráter subordinado da classe dominante, tomará as medidas político-militares exigidas? Até agora tudo diz o contrário.

Aos bloqueios dos portos, se vale do Turco Erdogan para intermediar um acordo com Putin, priorizando a exportação da colheita, e não o abastecimento da população, semeia a fome no inverno ou mais dívida; realiza uma segunda reforma trabalhista em plena guerra, permitindo às empresas não pagar os salários dos combatentes deixando suas famílias na miséria e degradação; não tomou nenhuma medida contra os interesses econômicos russos na Ucrânia.

Sem o desenvolvimento de sua independência política, o proletariado ucraniano estará a mercê dos laços que une as burguesias semicoloniais aos seus opressores, que desorganiza a retaguarda ao mesmo tempo em que desmoraliza a frente e retira os meios para combater.

Sem o armamento necessário para a guerra no sudeste, e sem outro fator que desequilibre a relação de forças, Zelensky está em mãos do imperialismo e do “acordo” para uma saída “honrosa” remediando a derrota estratégica de Putin que evite a crise do domínio russo no seu entorno e de seu próprio regime.

Nunca foi tão necessário: Armas para Ucrânia!!!!

[1]https://kyivindependent.com/news-archive/

[2]https://www.spiegel.de/international/germany/olaf-scholz-and-ukraine-why-has-germany-been-so-slow-to-deliver-weapons-a-7cc8397b-2448-49e6-afa5-00311c8fedce

[3] A participação das empresas autóctones (seja privada, mista ou estatal) cuja propriedade cruzada entre acionistas russos e locais, na distribuição do gás ucraniano, integra o entramado econômico e político ucraniano, cuja pilhagem do Estado e banditismo, seguem os mesmos passos da formação da burguesia europeia, ilustrado na trajetória da “oligarca” Yulia Timoshenko. Em 2001 depois de ser presa na Rússia por fraude financeira, volta a Ucrânia e lidera a oposição ao presidente Leonid Kuchma, logo se converte em primeira ministra. Após cortes no fornecimento da Gaspron alegando dívidas, roubo na medição do envio por parte de Ucrânia, Putin, em 2009 convoca a “conferência do Gás” em Moscou, entre Rússia, Ucrânia e UE sem acordo entre as partes. Mas a cise é fechada com um acordo bilateral, em beneficio russo, entre Putin y Timoshenko, que termina seu mandato com uma das maiores fortunas do país e é condenada (em 2011) a sete anos de prisão e o pagamento de 188 milhões de dólares. No mesmo período uma empresa de propriedade russa obtém o monopólio de distribuição do Gás para empresas, e os preços caem após a eleição de Yanukovicht.

[4]https://veja.abril.com.br/economia/como-a-russia-aumentou-exportacao-de-petroleo-a-europa-em-plena-guerra/

[5]https://www.theguardian.com/world/2022/apr/27/russia-doubles-fossil-fuel-revenues-since-invasion-of-ukraine-began

[6]https://ec.europa.eu/info/strategy/priorities-2019-2024/stronger-europe-world/eu-solidarity-ukraine/eu-assistance-ukraine_en

[7]¿Doctrina militar o doctrinarismo pseudo-militar? How the Revolution Armed, Vol. 5, 1921-1923, New Park Publications, Londres, 1981, pág. 312.

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