qui mar 28, 2024
quinta-feira, março 28, 2024

Estado Espanhol| O que há por trás das longas listas de espera na saúde pública?

Publicamos um artigo do nosso companheiro Pau, enfermeiro no Hospital Vall d’Hebron (Catalunha), contando sobre sua realidade e a de muitos enfermeiros e enfermeiras do Estado: 

Por: Corriente Roja

Já se passaram dois anos do início da pandemia que, entre outras coisas, nos demonstrou o quão deteriorado está um sistema de saúde pública que encadeia cortes e privatizações desde os anos 90. Uma pandemia que desmascarou muitas das deficiências do sistema. O governo PSOE-UP e os governos autônomos, de qualquer cor, reagiram com uma injeção temporária e mal planificada de dinheiro que não ajudou em nada a melhorar a estrutura do sistema de saúde. Dedicou-se mais a camuflar os problemas, maquiar números e chegar a recordes de encaminhamentos ao setor privado. Tomemos como exemplo a Lei Darias.

As longas listas de espera que após a pandemia aumentaram mais do que nunca, são o resultado de uma gestão nefasta. Enquanto que os seguros privados não param de aumentar a níveis históricos.

O pessoal da saúde, com um esgotamento de anos pelas condições trabalhistas e da sobrecarga de trabalho (acentuada pela Covid), tínhamos certa esperança que a pandemia fizesse enxergar a necessidade de reforçar o sistema de saúde pública. Não foi assim, e não se espera que o seja sem uma luta do setor pelas suas reivindicações. Voltamos muito rápido à nova, ou melhor dizendo, à velha normalidade. A de emendar contratos de dias, às vezes de meses, sem direito a férias nem nenhuma estabilidade no emprego. A das mudanças de horário como pão de cada dia, a de não cobrir a falta de pessoal, a de contratos de tempo parcial de miséria. A de sofrer a chantagem do sistema de saúde que nos obriga a nos endividarmos em tempo e dinheiro para conseguir melhores contratos, em vez de nos garantir esta formação. Falamos de Mestrados que nas Comunidades Autônomas superam os 6000€! Sem contar todas as horas destinadas (também de práticas) chegando a situações nas quais, literalmente, vive-se no local de trabalho.

Com golpes de meritocracia tensionam ainda mais um setor muito afetado em todos os níveis. Uma roda que torna especialmente difícil a conciliação fora do trabalho, num momento onde mais se necessita, após um esgotamento físico e psicológico que arrastamos depois destes dois anos tão duros. Um sistema que encontrou nas e nos estudantes uma mão de obra barata (o caso mais disparatado é o dos MIR – Médicos Internos Residentes, que chegam a ser a maioria em muitos serviços). Um efetivo de enfermagem com uma proporção por habitante muito abaixo da média europeia. Chegando a calcular que faltam, para nos igualarmos aos países europeus, em torno de 110.000 enfermeiras a mais.

A tudo isto temos que acrescentar o “Icetazo”[1] como um capítulo a mais. Ao abuso da temporalidade que historicamente arrasta nosso setor, querem dar um “remédio” rápido e mal: isto é, colocar na rua o maior número de pessoal que está em abuso temporário. A UE avisou e agora vem às pressas que nunca tiveram porque já interessava a eles. Somos muitas que já nos levantamos em todo o Estado para exigir estabilidade já e manter nossas vagas, para não deixar mais espaço à privatização e terceirização do setor. Mas também para ter uma estabilidade no trabalho que nos permita a conciliação real com a vida.

Se todos os governos autônomos, em plena pandemia, apostaram em encaminhar pacientes para o setor privado a custos altíssimos, não deram nenhuma solução real, depois desta. Se o setor público não está pior é porque existem alguns profissionais que com ou sem pandemia, dão a vida para realizar um serviço de Saúde Pública há anos atingida de morte. Um pessoal que estamos sofrendo muitas consequências físicas e, sobretudo, psicológicas, derivadas do estresse contínuo ao qual somos submetidos. Um pessoal que em muitos momentos da pandemia foi à exaustão e como “recompensa” recebeu o “Icetazo”; atribuições de vagas que duram mais de quatro anos; espera (às vezes de mais de um ano) para que atualizem os méritos que se teve que fazer e do que dependem melhores contratos; falta de material que nos obriga a trabalhar em piores condições…Isto faz com que muitas enfermeiras busquem outra saída de trabalho, já que não compensa.

É por isso que nós da Corriente Roja denunciamos a situação de trabalho na qual nos encontramos o pessoal que trabalhamos no sistema de saúde e sua repercussão na qualidade assistencial à população. Uma assistência que tende a ser cada vez pior, mais precária e mais desigual. Um sistema de saúde pública cada vez mais desmantelado, que continua sem preparo para enfrentar outra crise sanitária ou possíveis novas pandemias.

Devemos recuperar a Saúde 100% Pública, com equipes reconhecidas em todos os sentidos.
Queremos dignidade na profissão e poder prestar uma assistência integral, pública e de qualidade para toda a população sem exceções!
Formação a cargo do Estado e dentro das horas de trabalho!
Conciliação real do trabalho e vida pessoal!
Estabilidade já!
O único caminho é organizar-se e sair às ruas que é onde nos ouvem!

[1] O que é coloquialmente conhecido como “Acordo Iceta/Estabilização de empregos temporários” ou “o Icetazo” é baseado no decreto que limita o contingente de empregos temporários no setor público. Para isso, os interinos com décadas de trabalho em saúde pública estão fadados a uma oposição que pode deixá-los de fora do processo na primeira fase, onde os méritos não são contabilizados apesar de trabalharem temporariamente por muitos anos. https://simex-cesm.org/sabes-que-es-el-icetazo-y-como-te-afecta/      Tradução: Lilian Enck

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