qui abr 25, 2024
quinta-feira, abril 25, 2024

A Mulher na Paralisação Nacional, um olhar a partir de Cartagena

A partir de 28 de abril, como resultado de uma convocação para uma paralisação nacional contra uma reforma tributária prejudicial, a Colômbia foi abalada por uma onda de mobilizações, piquetes, bloqueio de estradas por pelo menos dois meses. Houve assembleias, panelas comunitários, desenvolveram-se as primeiras linhas e o governo Duque foi colocado em apuros, conseguindo a derrota da reforma tributária, da reforma da saúde e a queda de dois ministros. Nesse processo, o papel das mulheres foi fundamental. El Socialista (ES) entrevistou Alicia Cardiles (AC), líder do Sindicato Nacional dos Trabalhadores do Sistema Agroalimentar, operária da indústria do atum e integrante da Comissão da mulher do Partido Socialista dos Trabalhadores da Colômbia, que participou diretamente da luta na cidade de Cartagena.

ES: Alicia, qual tem sido o papel das mulheres na paralisação nacional em nível geral?

AC: É muito importante neste processo de ascenso social, reconhecer e tornar visível o papel fundamental da mulher no quadro da Paralisação Nacional, e também denunciar as múltiplas violações cometidas em geral pela polícia e pelo aparelho militar contra as mulheres neste processo de lutas.

Desde antes da explosão social de 28 de Abril deste ano, ou seja, desde o processo que já se fermentava há vários anos com momentos de pico em 21 de novembro de 2019 e hoje, o papel das mulheres e de suas lutas têm sido fundamental. Nos últimos anos, por exemplo, as mulheres recuperaram a mobilização de rua dos 8M e 25N, ganhando cada vez mais importância nos últimos anos. De tal forma que não é surpreendente que neste momento tenha havido mais união e fortalecimento entre nós mulheres operárias, jovens, feministas, LGTBI, movimentos e mesas de mulheres dos bairros, artistas, estudantes e outros, mostrando uma melhor organização e participação. Quanto à preparação e ao enfrentamento da luta, é um trabalho que vem se desenvolvendo e que hoje dá frutos importantes. Não somos apenas parte do ascenso atual, mas também de sua construção.

ES: Como foi vivida essa participação das mulheres na paralisação em Cartagena?

AC: Durante a preparação da paralisação e da paralisação em Cartagena, participamos ativamente de reuniões virtuais do comando da paralisação departamental, encontros presenciais na chamada minga (trabalho coletivo, ndt.) social, com pedagogia de nossa política nos bairros ao redor da zona industrial de Mamonal e outros bairros populares de Cartagena, denunciando a violência (violações sistemáticas dos direitos humanos e sexuais nas mãos da polícia), desaparecimentos de mulheres em Cartagena e a nível nacional. No plano da ação, participamos de mobilizações, mingas de mulheres, shows artísticos, palestras, assembleias de mulheres, sancochos (prato típico, ndt.) comunitários, barricadas, bloqueios e outras atividades realizadas.

Nos espaços de atividades, a presença de mulheres -especialmente jovens- foi massiva, houve inclusive participação feminina nas linhas de frente e corredores humanitários de direitos humanos e primeiros socorros, as mulheres também marcaram presença importante envolvendo suas famílias e filhos.

ES: Contaram-nos que tiveram que lidar com o machismo e o assédio em seus próprios espaços de luta, esse é um debate muito atual. Como lidaram com essa situação?

AC: De fato, tivemos dificuldades em alguns espaços presenciais devido à presença de alguns agressores machistas, aos quais as companheiras, em seu momento, haviam denunciado publicamente dentro do movimento. Diante disso, o debate se realizou e tivemos o posicionamento de que esses agressores não poderiam estar liderando nossos espaços e organizações de luta coletiva, ao ter histórico de assédio ou agressão sexual ou ser casos sob investigação era foco de perigo e medo para nós. Em alguns casos, conseguiu-se que fossem retirados do espaço e do papel de porta-vozes e assim pudemos participar ativamente nas tarefas que foram programadas.

ES: Quais são os principais pontos pelos quais as mulheres lutam especificamente?

AC: Em muitos desses espaços, reivindicamos nossos direitos ao estado e  governo, manifestando-nos desde as necessidades mais básicas até as dificuldades mais sentidas por todas as mulheres – e dos trabalhadores e dos pobres em geral – originadas pela desigualdade social, exigindo a revogação do reforma tributária, 1174 e outras medidas tomadas por este Governo contra nossa classe. No caso das mulheres do dia-a-dia, denunciamos que somos submetidas a jornadas extensas, salários mais baixos e a ambientes onde agressões físicas, verbais, sexuais, intimidações, ameaças de todos os tipos de repressão são constantemente apresentadas. Continuamos também sujeitas à dupla jornada de trabalho com as tarefas domésticas, situações essas que se agravaram com a pandemia.

ES: Que conquistas ou avanços você pode destacar em relação à luta das mulheres de Cartagena na paralisação?

AC: apesar de todo o opressão e agressões contra as mulheres, isso não nos impediu de continuar com nossas tarefas, organizacionalmente conseguimos ter um canal de comunicação permanente entre as mulheres para o autocuidado, levando em consideração a prática criminosa histórica do Estado burguês na Colômbia. Também em meio a essa situação, foi visibilizado o caso da jovem ALEXANDRITH SARMIENTO ARROYO, desaparecida há mais de 3 meses, neste caso foi possível que o Ministério Público capturasse o principal suspeito desse desaparecimento forçado.

Um aspecto muito importante desse processo foi poder articular outros movimentos e organizações de mulheres da cidade, pois como mulheres trabalhadoras nunca tivemos um contato tão próximo com outras companheiras que lutam por causas em comum conosco, conseguimos tecer laços de unidade e espaços de participação coletiva que nos permitirão melhores níveis de organização para continuar as lutas.

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Números de violência contra as mulheres na paralisação nacional

2 mulheres mortas pela polícia

Pelo menos 28 agressões sexuais pelas forças de segurança e pelo menos três casos cometidos por civis no âmbito dos protestos

106 casos relatados como “violência de gênero” contra mulheres e pessoas LGBTI

Pelo menos dois vídeos de policiais e militares incitando ao estupro das manifestantes

491 mulheres vítimas de brutalidade policial (espancamentos, detenção arbitrária)

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