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sexta-feira, março 29, 2024

Peru| Para onde vamos?

Entre mobilizações de massas que se chocam política e socialmente, uma degradação das instituições da democracia burguesa diante da qual surgem fortes chamados a um golpe e enquanto a Covid, sem dar trégua, avança para uma terceira onda, o Peru vive nestes dias uma grave crise de prognóstico cauteloso. Tudo isso quando se prepara para celebrar seu 200º.aniversário como república independente.

Por: Federico Romero (PST-Peru)

A crise tem forma eleitoral porque como o candidato de esquerda Pedro Castillo, por uma estreita margem, venceu as eleições, a burguesia e seus representantes de direita pretendem fazer uma recontagem para roubar votos e favorecer a eleição de sua candidata Keiko Fujimori. E embora quem deva definir o resultado seja o Tribunal Eleitoral, a forte polaridade em meio à erosão institucional faz com que sua definição seja conseguida nas ruas, para as quais já se foram amplos setores de ambos os lados e que, independentemente de seu resultado, traz um ascenso da luta de classes no caminho que já percorre grande parte da América Latina.

Em condições normais, o Júri Eleitoral já teria proclamado Pedro Castillo como vencedor oficial (como em 2016, quando Fujimori, a mesma candidata,  perdeu as eleições por uma margem similar). Porém estas não são eleições normais, ainda que na aparência pareciam ser e nem mesmo despertaram interesse no início. Pode-se dizer que começando normalmente, em seu desenvolvimento as eleições foram destampando a panela na qual fervem os conflitos de classe e de opressão, não só de 30 anos de neoliberalismo, mas de 200 anos de república falida e que a pandemia intensificou.

O choque atual não é expressão de uma mudança fundamental na correlação de forças de classes como, por exemplo, foi a expressão da eleição de Evo Morales na Bolívia que entrou no Palácio Quemado cavalgando sobre um intenso e longo processo revolucionário que empoderou às massas que tinham derrotado nas ruas dois governos burgueses em 2003 e 2005, e permitiu a recuperação do gás, ainda que parcial, e outras aspirações. No Peru a luta de classes ainda está longe de chegar a este nível. O apoio a Castillo é manifestação das massas na busca por uma saída pela via eleitoral; o próprio Castillo não é nem a sombra de Evo e o Perú Libre é uma precária organização da esquerda castro chavista incapaz – ainda que fosse possível – de conduzir um projeto político a partir do governo. Isto explica em grande medida porque  a burguesia faz uma manobra dilatória para roubar a eleição de Castillo, ou ao menos para deslegitimá-la, que já completa quinze dias. E desata mobilizações importantes de repúdio, mas também de apoio ao outro bando e sob iniciativa da burguesia.

Não obstante, o potencial revolucionário que se aninha nas massas está presente, pode explodir e abrir uma nova situação. Para que isto ocorra depende de como evolui e se resolva a atual crise, ou seja, depende dos choques e também das negociações que  ocorrerem nos próximos dias. Se Fujimori for imposta, explodirá a luta nacional, e se Castillo for confirmado a relativa calma voltará, pelo menos por um pequeno lapso. Mas há outras opções, como a de que o processo se estenda para além de 28 de julho esgotando a paciência das massas, e também que o próprio processo seja anulado. Por ora, a partir das direções e do próprio Perú Libre o problema se resolve no caminho legal e na negociação com a burguesia tentando ganhar sua confiança e seu sinal verde, usando a pressão das massas para este objetivo, porém limitando a luta. Mas o outro setor burguês de direita quer ir até o final, o que acelera e potencializa o choque.

Como chegamos a esta situação?

Foram  eleições de crise dado o profundo descrédito de todos os partidos e a crescente desconfiança no regime, o que levou a que 30% não fossem votar e que 17% votassem branco ou nulo, e que passassem para o segundo turno duas minorias que somadas não chegavam a nem um terço dos votos. O fato de essas duas minorias serem as duas opções mais extremas, fez com que o processo do segundo turno se polarizasse.

Keiko Fujimori é questionada pelo passivo da ditadura corrupta que seu pai encabeçou, pelo seu desempenho obstrucionista à administração anterior e por ser processada por corrupção dentro da engrenagem do caso Lava Jato na qual também estão incluídos os quatro últimos ex-presidentes e uma infinidade de ex-autoridades. Isto a levou a ter mais de 70% de antivoto, porém teve 11% dos votos  que foi suficiente para passar para o segundo turno. Pedro Castillo, camponês e professor rural, com seu chamado a uma verdadeira mudança a partir do próprio campo historicamente pobre e muito atingido pela crise, obteve 15% dos votos válidos. Ambos os extremos emergiram expressando também um incipiente processo de polarização social entre setores médios que giram para a extrema direita, e de setores populares para a extrema esquerda, diante da profunda crise de direção do movimento de massas cuja primeira opção (Juntos por el Perú), estava adaptada ao regime.

Assim, o segundo turno seria definido por aqueles 2/3 que não votaram em nenhum deles, onde muitos que são fanaticamente contrários aos aspectos centrais da candidatura, se veem obrigados a apoiá-lo como “mal menor”, sob a consideração do programa econômico que defendem: continuidade (Fujimori) ou mudança (Castillo).

Porém esta definição, embora fundamental, não foi totalmente nítida, nem única, porque a campanha foi atravessada por vários problemas onde o determinante foi a campanha suja e polarizada do bando fujimorista.

O contexto geral

O segundo turno mostra o país social e geograficamente dividido. A serra andina eminentemente agrícola e mais pobre, deu um voto maciço a Castillo, e Lima e a costa norte e Ica que são mais próximas aos negócios capitalistas modernos, um voto majoritário a Fujimori. Esta fragmentação não faz mais do que fazer renascer os problemas históricos do Peru instaurados pela colônia, não resolvidos em 200 anos de república e mais aprofundados em 30 anos de neoliberalismo, reafirmando que somos uma nação inconclusa com um sistema inviável.

Na tradição histórica, a classe abastada originada em um punhado de conquistadores e transformada em uma elite crioula, sempre viveu cercada nos núcleos urbanos com temor da massa indígena, as quais explorava e escravizava considerando uma raça inferior; e essas massas, conscientes da sua força numérica, tiveram a necessidade de construir uma identidade própria lutando contra os brancos urbanos. A forçosa introdução do Peru no domínio capitalista mundial e sua formação como um capitalismo de periferia, deu lugar a um país com uma economia deformada, atrasada e dependente do capital exterior. Desde a colônia, o Peru foi exportador de ouro, prata e outros minerais, sempre em mãos estrangeiras, e por seu lado desenvolveu a agroexportação na faixa costeira, constituindo os dois polos nos quais a classe dominante funda sua riqueza e explora e marginaliza as maiorias. A serra andina, agreste e dura, desde a colônia também foi submetida pelos latifundiários, que por sua baixa produtividade estabeleceram e afirmaram relações servis de exploração (trabalho gratuito), as quais  foram mantidas até a entrada da república. E ainda quando com uma longa luta os camponeses conquistaram seu direito à  terra, o atraso da pequena propriedade e o abandono do Estado que não foi capaz de apoiá-los nem de prover serviços básicos aos seus moradores, fez com que estas regiões continuassem sendo – 200 anos depois – as mais atrasadas e pobres. Esta contradição é mais evidente não só pela modernidade e pelos hábitos de consumo que as classes altas urbanas exibem, mas também na serra, onde poderosas mineradoras continuam extraindo imensas riquezas de suas entranhas.

Sobre essa base histórica se alinham as forças e a localização das classes fundamentais. As reformas neoliberais estabilizaram a economia e, sobretudo nos últimos 20 anos, a fizeram crescer inclusive a taxas chinesas espalhando benefícios para todas as classes, porém de forma desigual, tornando as brechas ainda mais profundas. Em anos recentes o esgotamento do modelo iniciou a crise social no país, e a grave pandemia da Covid produziu uma desestabilização geral.

A pandemia da Covid não apenas atingiu com mais força os trabalhadores e pobres do país, como expôs sua extrema vulnerabilidade sob o atual modelo de economia neoliberal. A Covid produziu a maior taxa de mortes por milhão do mundo, pela imensa carência de hospitais, medicamentos, médicos e até do elementar oxigênio. Em Lima que concentra a economia do país, a metade dos trabalhadores perdeu seu emprego e a outra metade perdeu numerosos direitos, entre eles o salário. Milhares tiveram que retornar da capital aos seus lugares de origem para poder sobreviver. A grande maioria de pequenos comerciantes de um país onde 75% é “informal”, se arruinaram. Na serra e na selva não chega o sinal da Internet nem se dispõem de equipamentos de computação, e os pobres extremos não tem acesso à educação básica virtual inplementada em tempos de pandemia. Enquanto isto ocorria e ocorre por um lado, por outro os grandes exploradores eram “salvos” com uma gigantesca injeção de dinheiro estatal. Tirando alguns dias de paralisação obrigatória, não deixaram de produzir e ganhar todo este tempo, sacrificando e tratando sua mão de obra como autênticos escravos, e muitos até ficaram mais ricos (os oligopólios mineradores) ou lucraram com a vida dos mais pobres (oxigênio e medicamentos pelas nuvens), enquanto podiam se proteger da Covid. Tudo isto foi produto evidente e nítido de uma política de classe aplicada e dirigida a partir do Estado (que além disso, brilha podre em corrupção), e que as maiorias identificaram, e identificam perfeitamente ainda hoje, enquanto choram por seus mortos, tentam sobreviver ou lutam pelos seus direitos.

Toda esta realidade teve suas primeiras manifestações sociais na grande rebelião de 14 de novembro que derrotou a imposição por parte do Congresso de um novo governo da corrupção e na poderosa greve do proletariado agrícola que conquistou a revogação da lei que simbolizava a escravidão do trabalho no Peru. Estas manifestações, entretanto, não cresceram o suficiente para uma mudança de correlação de forças entre as classes por causa da traição das direções reformistas, as que colaboraram com a burguesia para apaziguar as mobilizações e conduzi-las para o terreno eleitoral, em apoio à sua candidata Verónika Mendoza.

Os resultados de 11 de abril e de 6 de junho se inscrevem neste contexto.

Fatores da polarização

A partir dessa  base geral ocorreu a atual polarização. Um elemento da polaridade que favorece Castillo é a identidade de Fujimori não só com as classes altas mas, além disso, com seus setores mais prepotentes, violadores dos direitos humanos e corruptos, características que ela exibiu sem camuflagem na campanha e ainda exibe. Além disso, sua identidade com o continuísmo econômico que só beneficia os de cima, a “mão dura” que manifesta para recuperar a ordem e sua encarnação da impunidade que se almeja para os grandes corruptos que as maiorias odeiam. Tudo isto, ao mesmo tempo, traduzido em uma campanha centrada em estigmatizar Castillo de “comunista” e “terruco” (terrorista, ndt.), estigma que estendem a todos os que o apoiam, desde os diversos grupos de esquerda e movimentos sociais até democratas e funcionários do Estado que tentam manter um grau de imparcialidade. Com esta campanha suja tentaram construir a imagem de Fujimori como a “única” alternativa conseguindo colocar quase metade do país do seu lado.

Esta campanha, é unânime na grande mídia e visível em imensos cartazes que iluminam as principais ruas de Lima, e é sustentada por uma ampla corte de porta-vozes que vão desde velhos representantes da democracia e seus partidos como  a Aliança Popular Revolucionária Americana (PARA), o Partido Popular Cristão (PPC), a metade de Ação Popular (AP) e “personalidades” como Mario Vargas Llosa e até  novos setores da ultradireita, todos focados em mobilizar as classes médias com a falsa bandeira de “defesa da democracia”. É um movimento tão reacionário que do seu interior fazem chamados para “matar” os “comunistas” e pressionam as Forças Armadas para que deem um golpe se Castillo for proclamado presidente.

Esta atitude excludente, agressiva e chantagista para modificar a vontade popular e que compreende as classes médias acomodadas e que intimida ou confunde outro setor, não pode ocultar que encarna o interesse dos poderosos, das multinacionais que dominam nossa economia e das 17 famílias mais ricas do país, por seu medo à mudança.

Tudo isso indignou a grande maioria dos operários, camponeses e o povo pobre, localizando-os do lado de Castillo, e de um setor pequeno burguês e democratas que veem sua eleição com menos medo e preconceito.

Perú Libre é uma pequena organização castro-chavista provinciana que está no governo da região Junín por dois períodos, e para as eleições se unificou com uma importante corrente de professores que – se diz – teria vínculos com o Movimento pela Anistia e Direitos Fundamentais (MOVADEF)[1].  Quanto ao seu programa, a burguesia o ataca porque não aceita nenhuma mudança, menos ainda as propostas de nacionalização da mineração e gás e mudança de Constituição. Entretanto, também sabe que Perú Libre não tem possibilidades de realizar essas propostas porque a correlação de forças não lhe é favorável, e pelo controle que a classe dominante exerce sobre os poderes de fato como o Congresso, a Confederação Nacional de Instituições Empresariais Privadas (CONFIEP), as Forças armadas, as leis, que operam como um cadeado gigante sobre o regime e a economia.

Quanto ao MOVADEF, ainda que fosse verdade as acusações que fazem à Perú Libre, é preciso dizer que os seguidores de Abimael Guzmán (antigo líder do Sendero Luminoso ndt.) há 30 anos que renunciaram à luta armada e a todo seu programa. Desde então, se reduz a pedir um “acordo de paz” para integrar-se ao sistema em troca de perdão aos seus presos, ou ao menos por um melhor tratamento para eles. Entretanto, essa burguesia é tão reacionária que ao invés da “reconciliação” invocada pela Comissão da Verdade, semeia ódio e medo com a narrativa de que todo o problema foi devido à ação de um grupo de terroristas sanguinários, descontextualizado da crise que lhe deu origem e ocultando a resposta genocida que o Estado deu e que causou a metade das 80 mil vítimas inocentes. Na conjuntura eleitoral, se volta a agitar este sermão reacionário atiçando mais ainda o enfrentamento.

Sob esta pressão gigante, Perú Libre e Castillo mostram todas suas inconsistências e limitações de origem, o que os está levando a sucessivos giros e adaptações. Por exemplo, além de Juntos pelo Peru (JP) que pegou carona, setores da pequena burguesia e da burguesia “democrática” (Vizcarra, Partido Morado) também tentam se unir a ele para cooptá-lo. Para isso serviu o que fizeram a Igreja (o partido mais velho da burguesia) e outras instituições, ao fazer Castillo assinar um compromisso de sujeição à democracia, suas instituições e o modelo econômico. Paralelamente, outra campanha na qual confluem diversos setores, tenta distanciar Castillo de Perú Libre e Vladimir Cerrón, apresentando estes últimos como todo o problema. Com certeza tudo isto não tem nada de “democrático”, pois Perú Libre ganhou as eleições com seu programa e tem o direito de governar.

Neste caminho, já antes do segundo turno acontecer, Perú Libre e Castillo assinaram um acordo com JP sobre a base de um novo programa, o chamado Plano do Bicentenário,  o que lhe proporcionou equipamento, porta-vozes e apoio orgânico da esquerda oficial. Com este acordo, Perú Libre e Castillo se moderaram completamente, pois tal Plano se reduz a apresentar “mudanças” dentro da continuidade do modelo, para tranquilizar a burguesia. Nesta mesma linha, parece que para seu eventual governo já formam um gabinete de centro-esquerda com Verónika Mendoza à frente, enquanto seus porta-vozes se dedicam a tranquilizar o mercado dizendo em alto e bom tom que não afetarão os grandes interesses nem com a pétala de uma rosa. Pedro Francke, economista que todos os burgueses reconhecem como “moderado”, de sua posição de porta-voz oficial, disse : “Vejo como uma lei econômica muito clara de que mais crescimento, mais investimento, mais produção e mais emprego…Para mim sim é muito importante o investimento privado como gerador de riqueza e empregos”. (El Comercio 19.06). Ou seja, o mesmo que o modelo atual: se o investidor privado é a menina dos nossos olhos, temos que protegê-lo e oferecer todos os benefícios, que é exatamente o que foi feito desde Alberto Fujimori até hoje.

Entretanto, o setor burguês que cerra fileiras com Fujimori, não acredita em nada disto e divulga a fábula de que Castillo é o lobo feroz disfarçado de cordeiro. Lógico, nada garante o rumo que, dadas suas inconsistências e contradições, Pedro Castillo e Perú Libre vão seguir. Mas é evidente que já deram o passo para formar um governo pintado de esquerda, porém ao gosto da burguesia.

O plano para desviar o voto

Nestas condições, em última instância, a burguesia estaria disposta a aceitar um governo de Castillo para evitar um conflito maior que poderia abrir até as portas do inferno. Mas a verdade é que hoje jogam até o limite mesmo, calculando em que medida podem conseguir ou não, impor um governo de Fujimori, ou pelo menos deslegitimar a eleição de Castillo, de tal modo que assuma questionado e débil para facilitar o caminho de sua domesticação, ou também tentam para anular as eleições. Estas saídas políticas são preparadas de forma empírica e em luta aberta das diversas facções burguesas.

Para estes fins, como o plano da burguesia é preparado?

A experiência ensina que a democracia é burguesa e que os direitos só existem no papel, e só são respeitados quando se luta por eles. Neste marco, com os direitos que propicia esta “democracia”, entendida à sua maneira e para seu fim, os representantes de Fujimori observaram um conjunto de urnas que favorecem Castillo sob o pretexto de assinaturas falsas, mortos que teriam votado, contas que não se encaixam e agora pedem até auditoria sobre o sistema utilizado para a contagem.

Ante o pedido de revisão de atas todos os setores, até mesmo Perú Libre que deve mostrar boa conduta com a “democracia”, respaldam e se pronunciaram a favor de tal processo. Mas é uma farsa. Uma farsa porque não existe nenhuma possibilidade de que as partes entrem em acordo em cada uma das revisões que se realizem e que o tribunal eleitoral aplique “justiça” que contente a ambos. Os “democratas”, que candidamente acreditam ser justo que os questionamentos sejam bem atendidos para deixar o resultado final transparente e que saia vencedor quem vencer, e que enquanto isso devemos esperar tranquilos em nossas casinhas, só expressam seus bons desejos quando a realidade é outra.

O que é justiça? Que se anule uma ata porque tem uma assinatura “falsa” que não foi comprovada, e ainda que fosse comprovada, o que tem a ver com os votos validamente emitidos? Anular uma mesa porque o resultado não se encaixa com a média do local de votação ou com a que a própria Fujimori obteve no primeiro turno? Propõem-se estudos estatísticos nos quais alguns dizem que há múltiplas irregularidades e outras que não são muitas, mas são importantes; porém as estatísticas são um instrumento e não podem determinar a autenticidade dos votos que obedecem a motivações subjetivas. Por isso o recurso interposto por Fujimori com o respaldo de todos os que a apoiam, é uma armadilha.

A decisão, a favor ou contra,  será decidida pelo JNE (Júri Nacional Eleitoral) e sua decisão será política. Assim, na realidade, ambos os lados o entendem e por isso colocaram, embora sem entusiasmo no caso de Perú Libre, seus partidários nas ruas.

Neste marco, enquanto Perú Libre entra no jogo, Fujimori aplica uma “política de tesouras”: enquanto por um lado tenta desviar o voto a seu favor pressionando os tribunos com uma equipe de operadores e a mobilização nas ruas, por outro lado tenta desacreditar o próprio Júri, questiona sua probidade e independência e chantageia com um golpe, e neste marco pressionam para levar o processo até o limite, até 28 de julho que é quando se deve realizar a posse, ou inclusive mais além.

É fato que Castillo venceu as eleições, ainda que por uma margem estreita, como revelam a contagem rápida e a contagem da ONPE. Porém, tem mais: esse é o sentimento das maiorias, sobretudo dos povos do interior que votaram de forma sólida nele, os que agora veem que querem roubar, mais uma vez, suas esperanças e seus sonhos. Não pode haver nada mais democrático que reconhecer este resultado, ainda mais, de uma eleição antidemocrática por completo porque colocou todo o peso do poder burguês, sua mídia e recursos em um lado da balança contra o outro.

A saída é preparar e realizar a paralisação por tempo indeterminado

Sobre estas considerações, o tribunal eleitoral poderia ter resolvido os casos, por fim aos questionamentos e reconhecer o triunfo de Castillo, e só teria sido questionado pela direita. Era essa a demanda que devia se impor com a ação do movimento de massas. Porém não acontece assim  devido ao peso da oposição burguesa e da classe média com que Perú Libre e JP buscam negociar.

A mobilização se iniciou e se desenvolve desde o primeiro dia quando se viu que Fujimori não aceitava os resultados. Porém passados 15 dias tem que se reconhecer que a ofensiva fujimorista cresceu com novos recursos, com novas forças e respaldada com novas mobilizações, que contrapesam as mobilizações a favor de Castillo e fazem crescer o perigo de que Fujimori imponha qualquer de seus planos.

Por isso, mais que mobilizações que respaldem a defesa do voto na mesa, o desafio que a situação apresenta é uma paralisação nacional por tempo indeterminado que derrote definitivamente o plano burguês e fujimorista e que imponha o respeito à vontade popular. Não há outra.

A Central Geral dos trabalhadores do Peru (CGTP) está propondo uma Paralisação Nacional que não será suficiente e menos ainda está garantida, e que só pode servir ao seu propósito de conciliação. Há disposição de luta na base, sobretudo nos setores populares do interior, mas a mesma disposição não existe na classe operária e no proletariado da mineração localizados no coração da economia, justamente pela desconfiança na central.

A luta pela paralisação por tempo indeterminado, sua preparação e sua implementação requerem a decidida intervenção da vanguarda operária e dos lutadores, que devem cumprir esta exigência  e realizar um intenso trabalho de explicação e organização desde as bases, e conduzir a construção em cada lugar de comitês de luta e coordenadorias que façam nossa a luta para garantir a vitória. E realizar isto não apenas para fazer respeitar a vontade popular , mas lutando pelas verdadeiras mudanças que buscamos, como a nacionalização da grande mineração e do gás, a expropriação dos grandes grupos capitalistas, a convocação de uma Assembleia Constituinte, por uma segunda reforma agrária efetiva e pela solução das demandas operárias e populares.

É possível fazê-lo. Pelo menos há que se dar os primeiros passos nesse sentido, saindo das posturas conciliadoras para a construção de uma verdadeira direção revolucionária que coloque de pé a classe trabalhadora, sob a estratégia de lutar por uma saída de fundo com um Governo Operário e Popular.

[1] Trata-se do Movimento pela Anistia e Direitos Fundamentais (Movadef), que foi criado em 2009 e pede a libertação de civis, policiais e militares envolvidos na guerra interna desencadeada no país pelo grupo de ideologia Marxista-Leninista -Maoísta ” que buscou o poder através da luta armada. Mais informações em: https://www.bbc.com/mundo/noticias-america-latina-4085662
Tradução: Lílian Enck

 

 

 

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