qui mar 28, 2024
quinta-feira, março 28, 2024

Rússia: quem é o culpado e o que deve ser feito?

Na Rússia, há muitas riquezas naturais que hoje estão sendo transferidas para o exterior, servindo para enriquecer os oligarcas e o poder de Putin, que estão unidos. No país, cria-se muita mais-valia, mas gasta-se dezenas de bilhões de dólares anuais para pagar aos bancos europeus e norte-americanos a dívida que foi contraída pelo regime de Putin.

Por: I. Razin

Na Rússia, mantêm-se grandes estruturas produtivas como Gazprom e Rosneft, mas quase todo o valor das suas ações se transformou, com Putin, em dívida com os bancos ocidentais. Em nosso país, há boas terras negras1, mas os russos têm que limitar cada dia mais o consumo de alimentos. A zona das terras não negras – que antes era região de pecuária – hoje são campos abandonados e ruínas de estábulos destruídos, ao mesmo tempo que as pessoas devem comer o “embutido” de soja e o “queijo” de azeite de dendê importado. A educação e a ciência, antes muito desenvolvidas, estão sendo destruídas progressivamente pelo regime de Putin sob a alegação de serem “demasiado caras” e pouco necessárias para a economia baseada na renda da terra e de recursos naturais.

Qual é a causa desta situação?

O problema é sistêmico. O capital financeiro, que se concentra nos EUA e na Europa Ocidental, manda no planeta, empresta dinheiro para todo o mundo, envia os lucros para suas matrizes e olha o mundo segundo suas necessidades. Assim, a China e a Índia foram transformadas em zona industrial do mundo, onde centenas de milhões de trabalhadores trabalham nas fábricas das multinacionais ocidentais recebendo salários “simbólicos”. O Brasil se tornou a fonte de minério de ferro e de matéria-prima agrícola, inclusive da soja para o gado e para o falso embutido que alimenta o “proletário” russo. A Rússia se transformou em um apêndice de petróleo e gás para os países ocidentais e a indústria chinesa em troca da importação de produtos industrializados, nas melhores tradições coloniais. Cada país assume, no âmbito mundial, a especialização mais cômoda para o capital ocidental, dando-lhe o maior lucro possível.

Todos os Estados dependentes têm, neste sistema, mais duas funções: serem mercados para a venda da produção mais lucrativa das multinacionais ocidentais e, com exceção da China, darem, de fato, às empresas e bancos imperialistas os rendimentos provenientes da exportação, por meio da dívida externa. Os governos que mantêm excesso de rendimentos de exportações investem nos bônus do Tesouro norte-americano (como fizeram os governos da China, Brasil e Rússia) como os ativos mais seguros, garantidos pela dominação mundial dos EUA, juntando-se assim ao trem da economia e do Estado norte-americano e sustentando a hierarquia existente.

Essa “divisão do trabalho” enriquece, em primeiro lugar, os monopólios e bancos ocidentais; em segundo lugar, a burguesia dos países dependentes, cujos negócios estão inseridos neste mecanismo e dependem de sua continuidade; e, em terceiro, os burocratas dos governos responsáveis pela manutenção deste sistema, cujos princípios nunca são questionados, quaisquer que sejam suas contradições específicas. A principal vítima é o proletariado, em especial o dos países dependentes e saqueados, de quem se exige aguentar sacrifícios ainda maiores para garantir os lucros na situação de crise em curso.

Por isso, os problemas russos, que podem parecer tão paradoxais e que costumam ser atribuídos à “incompetência” ou à conspiração mundial contra a Rússia, são apenas resultado da lógica do sistema capitalista mundial seguida pelas oligarquias e por Putin.

O capitalismo russo só pode ser dependente no mundo dominado pelos monopólios dos países ocidentais, que determinam as regras do jogo, condenando a Rússia ao destino de apêndice especializado em matérias- primas e com uma dívida externa crescente. Claro que isso significa a tendência geral de condenar as pessoas humildes à pobreza.

Nos países imperialistas, os salários e as conquistas sociais estão sendo sacrificados em função dos lucros. Mas, no país-apêndice, dependente dos empréstimos e do equipamento ocidentais, o processo de degradação é mais rápido e mais duro porque os Estados imperialistas tentarão “suavizar” sua crise à custa dos países dominados, e têm instrumentos para isto.

Vendem ilusões da possibilidade de uma Rússia capitalista próspera ou semeiam esperanças de que os avanços da técnica militar russa – cada vez mais repleta da eletrônica ocidental– podem mudar principalmente a tendência à degradação.

Mas nada disso é uma “maldição” predestinada do povo russo. O problema é que, atualmente, nosso povo não faz nada para mudar esta realidade, e a maioria dos russos –com muita inclinação a se lamentar e se queixar – evita o esforço de pensar nas verdadeiras razões desta situação já bastante ruim. Porém, se o que deve estar nas mãos do povo – os recursos naturais, os setores principais da economia como energia e transporte, o sistema financeiro (isto é, os fluxos de dinheiro, dos resultados de nosso trabalho) –, se tudo isso está nas mãos de Putin, de seus amigos oligarcas e de seus “sócios ocidentais”, é muito estranho se surpreender com o fato de que eles se aproveitam da situação e resolvem seus problemas à custa das pessoas humildes.

Como mudar isso? Devemos tentar fugir das ilusões, deixar de confiar no tradicional “tomara…” russo e ver a situação como é. No final, a saída é uma só: o povo deve derrubar o regime oligárquico de Putin e impor seu próprio governo, isto é, o governo dos trabalhadores e da gente humilde, apoiado em si mesmos e não na oligarquia, que deve ser liquidada por meio da expropriação de suas propriedades. Tomar o país em suas próprias mãos. Isto é, fazer a revolução socialista.

Se o capitalismo russo está destruindo o país, o povo deve acabar com o capitalismo. E só assim se abrirão as possibilidades de desenvolvimento da Rússia em favor do povo e não dos oligarcas, dos bancos estrangeiros e da burocracia corrupta. Este é o projeto estratégico nacional russo; ou melhor, o projeto da salvação nacional.

Os que dizem vulgaridades como “não precisamos de nenhuma revolução” na verdade propõem “vamos continuar apodrecendo!”. Os que dizem que o capitalismo é a única variante possível, além de ignorar a história, escrevem de antemão um epitáfio para o país. Os que dizem que a situação pode ser mudada sem revolução, isto é, sem a destruição do sistema de pilhagem da Rússia pelos oligarcas e pelo capital internacional sob o comando de Putin, ou os que dizem que, de repente, virão uns bons oligarcas (como Khodorkovski) que cuidarão dos russos, ou um bom investidor estrangeiro, ou uma nova “mão forte”, ou um “líder nacional”; enfim, todos enganam o povo.

A revolução é algo doloroso?

É certo que não é um passeio, como também não é uma visita ao dentista nem um tratamento de câncer, nem sequer um parto. Mas o que será terrível é não fazê-la; o dente continuará apodrecendo, o câncer crescerá, e a criança ficará no ventre de sua mãe, o que será verdadeiramente terrível se nosso povo – que está contagiado pela arrogância nacional grã russa enquanto, na realidade, está abandonado, submisso e mudo diante do “czar” todo poderoso de quem limpa os pés, junto de seus amigos oligarcas – não consegue compreender sua situação real, fazer sua revolução e expulsar o poder oligárquico de Putin, que destrói o país.

Se o povo russo não fizer a revolução, seu destino será terrível. Neste caso, os oligarcas e Putin levarão o povo à miséria e o país à falência, como foi feito pelo “forte” e “patriótico” PCUS (Partido Comunista da União Soviética), ou dezenas de anos antes pelo czar Nicolau II “Sanguinário” (hoje convertido em “Sagrado” graças aos esforços da Igreja ortodoxa russa).

Nas situações mencionadas, o povo teve que fazer revoluções, mas já em condições extremamente desfavoráveis; ou melhor, em situações de catástrofe. As doenças sociais são como as humanas: quanto mais se posterga o tratamento decisivo, tanto pior será.

Também não adiantará se o povo não levar sua revolução até o fim, como ocorreu no Egito ou na Ucrânia, onde se mudaram as caras, mas os oligarcas e o capital imperialista permaneceram intactos e continuam devastando esses países como sempre o fizeram.

É impossível parar a degradação da Rússia sem se libertar do câncer oligárquico de Putin. E as tentativas de fazer parecer que está tudo bem se tornarão, pelos sofrimentos, ainda mais insuportáveis no futuro. E tudo indica que já não é uma perspectiva tão a longo prazo, como se poderia esperar. E quanto mais cedo os russos, que hoje já apertam os cintos cada dia mais, compreenderem isso, quanto mais cedo começarem a compreender que o grande orgulho nacional russo não é o de estar jogado aos pés de Putin e dos oligarcas e se alegrar quando eles esmagam a Ucrânia, mas sim o de expulsá-los do poder e, junto com os trabalhadores ucranianos, lutar por nossos países saqueados. Quanto mais firmes os russos se lançarem contra o regime oligárquico de Putin – que transformou a Rússia em um apêndice de petróleo e gás e um devedor dos monopólios imperialistas –, poderemos salvar nosso país e a nós mesmos com menos perdas. E quanto mais cedo as pessoas que já compreendem a gravidade da situação e a necessidade da revolução começarem a propagar essas ideias e a ajudar, segundo suas possibilidades, na construção da organização revolucionária, tanto mais estará se abrindo a perspectiva de êxito da realização do programa revolucionário, pelo qual, um dia, nosso povo começará a buscar as mudanças.

Nota:

1. A Região das Terras Negras na Rússia é famosa pelo seu tipo de solo negro muito rico em húmus, chamado Terra Negra, um dos mais fertéis para a agricultura.

Tradução: Suely Corvacho

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