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sexta-feira, março 29, 2024

De quem é a dívida?

Cada dia nos importunam mais com o argumento de que “gastamos mais do que podíamos” e que a dívida é responsabilidade de todos. Mas isto é uma mentira descomunal.

Em primeiro lugar, porque a dívida não fomos nós que decidimos, mas os governos, sem que tenha havido a menor transparência nem controle popular. Em segundo lugar, porque a dívida contraída não corresponde, em absoluto, às necessidades populares, mas aos interesses dos poderosos: os banqueiros, os grandes empresários e os políticos com acesso aos fundos públicos.

Em terceiro lugar, porque é obsceno colocar ao mesmo nível a dívida dos banqueiros, das grandes empresas e imobiliárias e a das famílias trabalhadoras endividadas pela compra de uma habitação, quando durante os anos da especulação imobiliária se dedicaram a espoliar o solo público, a fechar o mercado de aluguel e fazer da habitação um investimento financeiro, convertendo uma necessidade social num bem de luxo para os trabalhadores. Enquanto eles faziam o grande negócio, nós, os trabalhadores, nos endividávamos até as orelhas, e, desde que chegou a crise, são mais de 400.000 as famílias trabalhadoras desalojadas pelos bancos.

Os governos se endividaram para salvar os bancos e empresas, arruinados até o tutano, em obscuras manobras imobiliárias. Se endividaram para financiar negócios multi-milionários ruinosos e mafiosos como as obras do AVE, super-aeroportos sem viajantes ou gastos de dezenas de milhares de milhões em armamento inútil. Esta dívida não é nossa. Nunca a decidimos nem nos favorece, em nada. Porque a temos de pagar nós, à custa do trabalho, da saúde e da educação?

A espiral da dívida, os planos de resgate e o saque

Com o salvamento dos bancos, uma vez já endividados os governos até às orelhas, começou o círculo vicioso da dívida. Cada vez que vence parte desta, e se tem de devolver aos bancos que emprestaram, os governos se endividam mais e mais, com mais empréstimos mais caros. Os bancos são os mesmos que antes tinham sido salvos pelos governos (convertendo suas dívidas privadas em dívida pública) e que agora fazem negócios financiando a alto preço a dívida pública com fundos baratos que lhes foi sendo atribuído pelo BCE [Banco Central Europeu].  

Resulta então que quanto mais se paga, mais dívida existe. É como uma espiral que não para nunca. Para pagar a dívida os governos impõem planos de ajuste com os quais roubam o povo e pagam aos bancos credores. Os planos de ajuste fazem retroceder a economia e geram desemprego, fazendo com que os ingressos públicos, com os que quais se paga a dívida, sejam cada vez menores e a dívida mais cara e grande. Então, ante as dificuldades para poder pagar, os governos endurecem os planos de ajuste, com cortes cada vez maiores dos serviços públicos e aumento dos impostos ao povo (aos empresários, em troca, se reduzem). Mas isto leva a mais desemprego, mais retrocesso econômico, menos ingressos públicos e mais endividamento. Até que bate à porta a suspensão do pagamento. Isto foi o que aconteceu nos países mais débeis do Euro, começando pela Grécia e à qual se seguirão Irlanda e Portugal.

É então, quando os bancos credores se encontraram ante a iminência de deixar de cobrar, que chegaram os “planos de resgate europeus”, onde a UE e o FMI aparecem em cena para salvar – outra vez – os bancos. Agora são a UE e o FMI quem outorgam os novos empréstimos e a Troika (a Comissão Europeia, o BCE e o FMI) a que impõe diretamente planos de ajuste draconianos. Os planos são tão brutais, sangram os trabalhadores e as classes médias, e fazem retroceder de tal maneira a economia que, longe de resolver o problema da dívida, o agravam muito mais. A contrapartida é que ganham tempo e garatem a cobrança e os lucros dos bancos, enquanto estes se vão desembaraçando de seus títulos de dívida periférica e ospassando aos governos, através das instituições europeias e do FMI.

Grécia assinala o futuro de ruína ao qual nos querem condenar

O remédio é tão ineficaz que a Grécia, um ano depois do seu primeiro plano de “resgate”, e brutalmente golpeada, não pode assegurar os pagamentos do mês de julho deste ano e só lhe faltava declarar formalmente a falência. Todos os créditos do primeiro “resgate” tinham servido para pagar empréstimos anteriores, e quanto mais devolvia mais dinheiro devia. Desta vez, no entanto, a diferença do primeiro momento do primeiro resgate, o “contágio” (expressado na chamada “prima de risco”: a diferença entre o tipo de juros da dívida do país e da dívida alemã), não só afetou Portugal e Irlanda, mas também tocou de leve o Estado Espanhol e, pela primeira vez, a Itália, unindo os destinos destes dois Estados e colocando toda a zona euro ante uma gravíssima crise. No final, a UE chegou, em Julho, a um frágil acordo para um segundo plano de “resgate” à Grécia, que o mesmo Financial Times definiu como “provocação política e vandalismo econômico”.

Grécia é o lugar onde mais longe chegaram e onde podemos antever o futuro que preparam para outros países da periferia. Grécia dedica mais de 50% dos ingressos públicos no pagamento da dívida e juros agregados. Sua situação é como se tivesse sido devastada por uma guerra. E agora, para culminar o saque, o “ponto – estrela” do segundo resgate é a privatização massiva, a preços de saldo, de todo o que resta do patrimônio nacional: infra-estruturas de turismo, portos, aeroportos, telecomunicações, correios, energia, ferrovias, companhias de água, bancos, loterias…em benefício dos mesmos bancos e multinacionais que arruinaram a Grécia, em especial alemães e franceses.

Tradução: Rui Magalhães

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