Jue Mar 28, 2024
28 marzo, 2024

Somos todos Marikana: lições de luta na África do Sul

Na segunda, 23 de setembro, houve a primeira plenária da Escola “Globalização 2013”, promovida pelo International Labour Research and Information Group (ILRIG, Grupo de Pesquisa e Informação Internacional sobre o Trabalho), na África do Sul, na qual a CSP-Conlutas e o Quilombo Raça e Classe também fizeram sua primeira apresentação.

A plenária foi iniciada por Andrew Nash, um dos coordenadores do ILRIG, que apresentou as linhas gerais do curso, destacando que o centro da discussão irá ter o Massacre de Marikana, acorrido no ano passado, como um centro ordenador dos debates. Uma escolha que não se detém na indignação diante deste crime praticado pelas formas de repressão no país dirigido pelo Congresso Nacional Africano (CNA).


Discutir Marikana para os participantes da Escola é discutir o que a maioria dos participantes tem mencionado a todo o momento. O massacre foi um “turning point”, o “momento da virada” em relação à organização e atuação dos movimentos sociais na África do Sul. O evento que colocou em outro patamar a reorganização dos movimentos sindical, popular, de luta contra a opressão etc.

Algo que ficou claro tanto nas falas dos palestrantes quanto nas intervenções dos cerca de 150 companheiros e companheiras presentes na Cidade do Cabo.
 
A reorganização em um novo patamar

O dia foi aberto com a fala de Andrew Nash, um dos coordenadores do ILRIG, uma entidade que existe há cerca de 30 anos.

O impacto de Marikana sobre os movimentos sociais ficou evidente em uma das primeiras frases de Nash: “Marikana não foi um evento isolado. Podemos falar que existe uma Marikana em escala global, que se expressa nos planos neoliberais de austeridade, que varre o mundo inteiro”.

No que se refere particularmente à África do Sul, o represente da ILRIG também foi enfático, em uma frase cheia de ironia: “O CNA sabia o que eles estavam fazendo em Marikana? Possivelmente não. Principalmente porque eles estavam ocupados com umas tantas outras coisas: os grandes negócios capitalistas. Ao invés de preocupados com a situação dos mineiros, eles estavam mais ocupados em preservar a ‘lei e ordem’ do capitalismo. E Marikana os colocou numa situação da qual não há mais volta”.

Na sequência Nash lembrou que, também, o CNA não está sozinho nesta história: “Zuma [o presidente sul-africano] teve um apoio decisivo do Congresso Nacional Sul Africano de Sindicatos, a Cosatu, o que nos obriga a dizer que está mais do que na hora de achar um novo caminho, para um novo tipo de organização dos movimentos”.Durante a fala, não faltaram explosões espontâneas de “Fora Zuma”, em palavras de ordem dançadas e cantadas, uma das mais belas formas de expressão do povo deste país.

A fala seguida pela apresentação de Leonard Gentle, outro representante do ILRIG, seguiu na mesma linha: “A adoção pelo governo (do qual também faz parte o Partido Comunista local) das políticas neoliberais, como a precarização, a terceirização, as privatizações etc., provocou enormes mudanças no mundo do trabalho e na situação da classe trabalhador o que praticamente nos obriga a reorganizar [ou reestruturar, como se diz por aqui] o movimento operário”.

Fazendo um breve resgate da história do neoliberalismo, Leonard também resumiu seus efeitos na África do Sul: “A adoção pelo CNA do receituário neoliberal resultou somente em desemprego [que está na casa dos 40%], na flexibilização e terceirização do trabalho, na femilização do trabalho (com o objetivo de baixar os salários), na falta de acesso aos serviços essências e à moradia digna e na privatização”.

Uma situação que, ao ser apoiada pela Cosatu, independentemente do discurso da entidade, praticamente “obriga o movimento a procurar novas formas de organização” não por acaso o título dado à Escola este ano.

O motor da reorganização: “CNA e Cosatu não nos representam”

O próximo orador foi John Appolis, (GIWUSA) – uma entidade que já é exemplo do processo de reorganização na medida em que defende a independência do movimento e organiza diversos setores da classe operária, como construção civil, químicos, e trabalhadores do transporte.

Apollis começou sua fala com uma pergunta: “Em que medida Marikana significa que é necessário construir um novo movimento de massas?”. Uma pergunta que Appolis respondeu da seguinte forma: “Marikana é uma prova de que o CNA nada mais fez do que dar continuidade ao projeto capitalista: fornecer mão de obra negra e barata para ser explorada pelas grandes empresas”.

Defendendo uma tese que seria impensável há nove anos, quando o principal dirigente do CNA foi eleito presidente, Appolis acrescentou: “Não foi Mandela que derrotou o apartheid, mas sim as massas em luta constante e são estes mesmo lutadores que, hoje, precisam achar novas forma de organização para superar o neoliberalismo e os seus agentes entre nós”.

Uma “nova forma” que o representante da GIWUSA sintetizou em algumas medidas que devem ser tomadas por aqueles que lutam: “a formação de entidades que se apoiem no movimento de massas, que tenham na ação direta seu método privilegiado de atuação, que tenha direções não cooptadas pelo governo e seus agentes”.

Ainda segundo Apollis, isto é possível porque “as massas não pararam de lutar. Desde 2000 há uma intensificação da lutas, com centenas de mobilizações e os trabalhadores começaram a entender quem são seus verdadeiros inimigos e quem são seus aliados. O CNA já não é mais o partido de todos os trabalhadores e devido ao seu caráter neoliberal, hoje há locais onde o partido simplesmente não pode entrar, o que faz com que o CNA esteja enfrentando uma crise política”.

Uma crise que, diga-se de passagem, deu origem a uma situação um tanto bizarra para as próximas eleições: há nada mais nada menos do que 180 partidos inscritos, algo que Appolis credita a um descrédito em relação ao partido de Zuma e Mandela, apoiado pela Cosatu e o PC: “O CNA não tem mais como pedir paciência aos trabalhadores. Marikana deixou isto mais que evidente”.

Continuando sua análise da atual conjuntura, o sindicalista também foi categórico em relação à Central sindical governista, principalmente depois do massacre: “A Cosatu perdeu o respeito das massas”. Algo que se combina com outro fator que empurra o movimento para a reorganização: “A burguesia também começa a desconfiar da capacidade do CNA em conter as massas, o que o faz tomar medidas cada vez mais contrárias aos interesses dos trabalhadores”.

Por fim, o representante da GIWUSA defendeu novamente a necessidade de unificar o movimento sob novas formas de organização, independentes do governo e que também questionem a burocracia sindical. Finalizando com uma frase pra lá de significativa: “O CNA e a Cosatu usaram todo o crédito que tinha [diante das massas] na luta contra o apartheid. Agora, eles estão falidos”.

Uma conclusão que foi seguida maioria dos participantes, por um “canto de ordem” entoado pela enorme maioria dos participantes: “CNA e Cosatu não nos representam”.

A contribuição da CSP-Conlutas e do Quilombo

Depois da fala de Carin Ruciman que abordou o tema “A revolta dos pobres”, com ênfase na violência contra o movimento (aquilo que conhecemos no Brasil como “criminalização dos movimentos sociais”), foi a vez da CSP-Conlutas e o Quilombo Raça e Classe.

Tomando como gancho uma frase de Andrew Nash, o Quilombo Raça e Classe começou sua contribuição com um poema de Solano Trindade (Negros)     que nos pareceu bastante adequado para o momento: “Negros que escravizam / e vendem negros na África / não são meus irmãos / negros senhores na América / a serviço do Capital / não são meus irmãos / negros opressores / em qualquer parte do mundo / não são meus irmãos / Só os negros oprimidos / escravizados /  em luta pela liberdade / são meus irmãos /Para estes tenho um poema grande como o Nilo”.

Na sequência, apresentamos a história da CSP-Conlutas, destacando como ela tem vários elementos similares ao que se passa na África do Sul, a começar pela adesão do PT e da CUT ao neoliberalismo.

Lembrando que não estamos aqui para dar “exemplos”, mas que é impossível não traçar paralelos entre a situação nos dois países, a fala foi centrada na estrutura e funcionamento de nossa Central.

Neste sentido, foram destacados diversos elementos: o número de delegados no I Congresso e as entidades presentes; nossos princípios (como o privilégio dado às ações diretas; a combinação entre a luta pelas necessidades imediatas da classe e a estratégia socialista; a nossa autonomia e independência política e financeira frente aos patrões e os governos, o combate pela unidade do movimento pela organização de base, a centralidade da classe operária em nossa estrutura e o internacionalismo).

Também apresentamos a estrutura e o funcionamento da entidade e de como funciona nossa direção.  Destacamos a nova forma de atuação e organização da nossa Central, dando como exemplo a inclusão de minorias e oposições sindicais de outros setores.

Para tal, apresentamos brevemente o que é o Quilombo; falamos sobre a atuação e o I Encontro Nacional do Movimento Mulheres em Luta; do orgulho que temos em ter um Setorial LGBT; da inclusão dos jovens e estudantes, presentes na ANEL e a difícil luta dos movimentos populares, exemplificados pelo Pinheirinho e a Ocupação Esperança, em Osasco.

Por fim, o Metabase apresentou uma análise das mobilizações de abril (Marcha a Brasília), de junho, julho e agosto, destacando como procuramos construir a unidade dos movimentos (e a postura das Centrais governistas) e como tentamos, através dos dias de mobilizações e greves, no 11 de julho e 30 de agosto, incorporar a classe trabalhadora neste processo.

Como exemplo de como está se dando o processo de reorganização no Brasil e também, pautados no que foi Marikana, foi dado ênfase ao setor da mineração e na recente vitória no Metabase Mariana.

Considerando a quantidade de companheiros e companheiras que nos procuraram para conversar desde ontem e as inúmeras vezes que a CSP-Conlutas tem sido citada nas discussões, é possível dizer que, além de que levaremos importantes lições de volta para o Brasil, também estamos deixando na África do Sul um tanto de nossa experiência. Um exemplo inegável da importância do internacionalismo para a construção de uma nova direção para os movimentos operário e sindical.

Amandla Awhathu, CSP-Conlutas (“Todo poder ao povo”, uma palavra de ordem que temos gritado, a todo momento com alegria empolgação, ao lado de nossos companheiros e companheiras; irmãs e irmãos africanos).
 
 
(*) Wilson H. da Silva  do Quilombo Raça e Classe e Rafael Ávila do Metabase, Inconfidentes. Direto da África do Sul

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