Jue Mar 28, 2024
28 marzo, 2024

Sobre a dissolução da Esquerda Crítica: Décadas de erros, uma história para refletir e não repetir

Foi dissolvida a Esquerda Crítica. Sem grandes clamores, em pleno verão, com um simples comunicado publicado no site do grupo deu-se a noticia da dissolução da organização. 

Deixamos para outros grupos escreverem falsos pesares e notas fúnebres. A nós, interessa procurar compreender melhor o porquê do fim daquela que era (junto com o PdAC e com o PCL de Ferrando) uma das três organizações nascidas da crise da Refundação (Partido da Refundação Comunista) e ao mesmo tempo uma das três forças de caráter nacional que deram vida à extrema esquerda italiana nos últimos anos.

Por cair em silêncio (salvo, repetimos, alguma noticia venenosa sobre os sites de grupos concorrentes) o fato é importante também porque a Esquerda Crítica era, para o bem e para o mal, a herdeira, a continuação do primeiro grupo trotskista constituído na Itália com Livio Maitan em meados da década de 1940 (os GCR, que assumiu desde 1969 o nome de LCR, e sucessivamente transformou-se na Associação Quarta Internacional, depois Bandeira Vermelha e enfim Esquerda Crítica: primeiro como um agrupamento na Refundação, depois como organização independente, em fins de 2007). 

Da nossa parte, por estarmos desde sempre muito distantes das posições da Esquerda Crítica, posições com as quais polemizamos também duramente (sempre em termos políticos), reconhecemos a Esquerda Crítica, e em particular a Franco Turigliatto, um dos seus principais dirigentes, aquela postura correta que constitui uma postura anômala em uma esquerda e extrema esquerda na qual é prática corrente o recurso ao insulto e à calúnia contra as outras organizações (se pensa ao uso metódico – contra nós especialmente, mas não apenas – que faz a terceira força entre aquelas citadas: o PCL).

Como é nosso costume também nesse artigo polemizaremos em termos exclusivamente políticos, com a intenção de abrir um diálogo com aqueles companheiros da Esquerda Crítica que fazem um balanço diferente daquele contido no ato de fechamento da sua organização e que não estão dispostos a participar de nenhum dos dois projetos alternativos dirigidos pelas duas alas nas quais se dividiram o grupo dirigente da EC.

Um balanço reticente

A coisa mais impressionante no texto publicado no site da Esquerda Crítica (EC) é o pouco peso dado ao balanço. Isto é, produz a contradição que por um lado se anuncia o seu fim e por outro se alude a um balanço substancialmente positivo.

Os motivos para esse final são assim reduzidos a uma crise geral que atingiu toda a Europa e “as forças da esquerda anticapitalista”. Segundo a declaração da EC é necessário entender que ainda em um “terreno privilegiado com forças orientadas para a transformação social”, determinada pelo ascenso da luta de classe em várias partes do mundo, inclusive da Europa, em âmbito político isto não se refletiu em um fortalecimento das organizações de esquerda.  E nenhuma tentativa aconteceu (ao menos nesse texto) para compreender o porquê desse descompasso entre o plano social e aquele político, acreditando que fora os autores do texto, como se compreende da leitura do resto da declaração, que possa estar procurando a causa da inadequação do projeto político e programático de forças como aquelas que, acrescentamos nós, talvez por isso mesmo tenham se dissolvido. A conclusão paradoxal desse balanço pouco desenvolvido é esta: “Permanecemos convictos que a experiência desses anos, ou décadas, transcorridos sobre nossas costas, tenha sido correta”.

O resultado de uma longa história

Nós pensamos de modo completamente diferente, deveria ser o balanço da EC se, ao contrário de algumas frases rituais para compor um texto, os seus dirigentes deveriam realmente olhar para trás, para um percurso que, durou décadas (a data di início é 1949, ano de fundação do GCR) produziu uma longa cadeia de desastres. Em outros textos fizemos referências mais discutidas sobre as posições daquela corrente: mesmo a nossa corrente internacional (LIT – Quarta Internacional) nasce de um percurso de décadas de batalhas contra as posições do Secretariado Unificado (SU, organização internacional à qual GRC, LCR e depois, embora com adesões individuais dos militantes, EC tinha como referência) e de uma ruptura definitiva, também em termos organizativos com o SU, em 1979, seguida, em 1982, pelo nascimento da LIT – Quarta Internacional.

Não temos a pretensão de resumir aqui em algumas linhas meio século de debate histórico: quem estiver interessado a aprofundar o tema pode encontrar em nosso site vários textos de reconstituição histórica e, no site da LIT-QI, uma breve síntese em espanhol http://www.litci.org/inicio/quien-somos/historia-de-la-lit .

Aqui nos limitamos simplesmente a indicar um fio condutor de toda a história da corrente que resultou na EC até a sua dissolução: uma constante revisão centrista do marxismo revolucionário (isto é, do trotskismo) que a conduziu progressivamente a abandonar os pilares programáticos e considerar o trotskismo como, na melhor das hipóteses, uma “contribuição” a levar para outros projetos, uma espécie de complemento alimentar (a vitamina T…). Foi precisamente, portanto à lógica consequente desta concepção que em 1968 – isto é no momento em que poderia ter dado um salto na construção – os GCR foram destruídos, enquanto vários dirigentes de primeira linha criaram organizações concorrentes (Vinci e Gorla fundaram Avanguardia Operaia, Brandirali Servire il popolo, e depois ainda Mineo, Russo, Illuminati, Savelli, etc.).

E é sempre seguindo esta concepção (a renúncia de construir um partido baseado no programa marxista, portanto trotskista) que – fazendo agora um salto de várias décadas – em toda a vida da Refundação a corrente de Turigliatto, Maitan e Cannavò procurou primeiro agir como “conselheiro do rei” (e o rei era Bertinotti[1]…), depois criou uma tendência interna que permanentemente oscilava entre o apoio crítico e uma moderada oposição ao bertinottismo. E desta posição oscilante (quinta-essência do centrismo, como dizia Trotski) que os parlamentares da EC eleitos na cota da Refundação votaram mais vezes na confiança ao governo imperialista de Prodi (acobertando essa prática com virtuosismo linguístico: “uma confiança distante”, “somos tendencialmente oposição ao governo”), votando no primeiro pacote de reformas conhecido como “lagrimas e sangue”, na missão militar no Afeganistão (19 de julho de 2006) etc. Chegando mesmo ao ponto de depois da expulsão de Turigliatto da Refundação a votar os “doze pontos” com os quais Prodi relançava o seu governo (entre estes pontos recordemos: a restauração das missões militares, a TAV[2], etc.) e o “não ao voto” (que equivale no Senado a um voto a favor, enquanto faz diminuir o quórum) sobre o pacote de 2007.

Turigliatto traz ainda o rótulo, atribuído a ele injustamente pela imprensa burguesa (que procede sempre por clichês), de coveiro de Prodi no parlamento: mas na realidade sempre fez todo o possível para não perturbar o governo. (1)

Esta atitude não deriva de erros tão graves ou de uma simples subalternidade a Refundação e assim à centroesquerda. Esquerda Crítica, removendo (junto com muitas outras partes do programa marxista, revisado) o princípio fundamental do marxismo da independência de classe dos comunistas em relação à burguesia e de seus governos, substituído com um possibilismo (respeito aos governos burgueses avaliados periodicamente), joga com a intenção de dar uma contribuição marxista ao reformismo, terminou aqueles anos recebendo do bertinottismo… a sua contribuição reformista baseada sobre a colaboração de classe.

A falência do “partido anticapitalista”

A Esquerda Crítica fora da Refundação, organização independente, prosseguiu ao longo daquelas antigas trilhas, fazendo a experiência de um projeto “novo”: o chamado partido anticapitalista. Nos atos de fundação da EC se podia ler a claras letras uma nostalgia por um alegado “bertinottismo das origens”, época na qual o PRC flertava  com os movimentos para em seguida (podemos acrescentar) usá-los como trampolim para entrar no governo. É sob esta perspectiva vaga e confusa que foi construída nestes últimos anos a Esquerda Crítica.

Na sequência do projeto do NPA[3], organização irmã da França (também essa ligada ao Secretariado Unificado), EC teorizou a possibilidade de construir partidos baseados na união entre reformistas e revolucionários, que abandonassem aquelas precisas delimitações programáticas que Lênin e Trotski colocaram na base da construção dos partidos revolucionários de vanguarda da Terceira e da Quarta Internacionais; removendo por consequência o objetivo da “ditadura do proletariado”, isto é, do poder dos trabalhadores para avançar na abolição da sociedade dividida em classes, único objetivo justificado para o uso do termo comunista.

Os resultados deste revisionismo programático e político não exigem muitas palavras. Este projeto faliu de modo estrondoso na França, onde a NPA explodiu, perdendo dois terços dos membros iniciais, e agora produziu os mesmos resultados na Itália, com a luta travada no último ano entre as duas tendências opostas no grupo dirigente da Esquerda Crítica (luta que nasceu da evidente falta de sucesso do projeto constituído) que enfim resultou na dissolução da organização.

Um novo início ou um novo fim?

O ato que comunica a conclusão da experiência da EC foi intitulado “Novos inícios”. A referência é a dois diferentes projetos nascidos dos dois grupos dirigentes da EC saídos da divisão produzida na última Conferência Nacional.  

Um setor (aquele ligado a Cannavò, Maestri, Malabarba) é, segundo a sua própria definição, “intencionado a realizar, em uma ótica de classe, a estrada da promiscuidade entre o “político” e o “social”, isto é, podemos tentar traduzir, a levar até o fim o profundo afastamento do marxismo, dissolvendo-se em uma dimensão indefinida “nova”, mais cultural que política (como tudo cultural é o principal projeto desenvolvido por Cannavò e pelos outros, a revista Letteraria. Revista de literatura e interessantes publicações a parte, em que praias vai aterrar este projeto é difícil dizer: mas ainda mais difícil é compreender como tudo isto poderá se desenvolver (como anunciam os promotores) “em uma ótica de classe”, dado que (salvo jogar ao mar toda a experiência revolucionária de Marx para a frente) a ótica de classe tem sentido apenas em função da construção de um partido que permita à classe tomar, pela via revolucionária, o poder). Este horizonte parece sinceramente um outro e é aquele com efeito bem sintetizado pelo nome do projeto: Solidariedade, que parece um regresso da revolução russa à francesa (e mais a 89 que a 93… [ou seja, à primeira fase, menos radical]).

O setor dirigido por Turigliatto, ao contrário, anuncia para setembro a constituição da Esquerda anticapitalista, que, se entendemos bem, deverá servir para construir uma tendência na recém-criada organização Rossa [Vermelha] na qual trabalha Giorgio Cremaschi, iniciada (esta última) nas últimas semanas com uma assembleia nacional (com pouca participação) e com uma série de reuniões locais (que por hora reuniram algumas dezenas de pessoas).

Rossa nascerá das cinzas da Refundação (na qual é provável uma explosão no próximo congresso, com uma parte do grupo dirigente que terminará no SEL – Esquerda Ecologia e Liberdade – de Vendola e uma parte se dirigirá à Rossa). Já a lista das figuras públicas e dos grupos que estão apoiando este novo projeto são úteis para definir as coordenadas: à parte Cremaschi (que em seu tempo lançou o Comitê Não à Dívida precisamente com o único propósito – como denunciamos em épocas não suspeitas – de usá-lo para construir o novo partido que deveria apresentar-se já nas eleições passadas, se não tivesse sido derrotado pela falência da Revolução Cívica do juiz Ingoia [Lista eleitoral que a Refundação apoiou), farão parte do grupo dirigente da nova (por assim dizer) iniciativa. Também os stalinistas da Rede dos Comunistas (Cararo, a Papi, Leonardi, etc., que dirigem a sua volta, de forma geral ignorada, aos mesmos ativistas sindicais, o sindicato USB). Não adianta muita fantasia para entender o que poderá sair do amalgama do cremaschismo (um neo-keynesianismo com ar revolucionário), do que permanece do ferrismo (isto é, do setor do ex ministro da Solidariedade Social no governo imperialista de Prodi), e sobretudo o forte componente de stalinismo inveterado (outras alas da Rede dos Comunistas, Rossa também vai atrair outros agrupamentos do mesmo setor cultural; no momento falta o chamado, mas não se surpreenda com a participação, completa ou parcialmente, também dos Carc, ala oficial do “clandestino” NPCI[4], dado que é a parte mais ativa do Não à Dívida de Cremashi).

Se trata enfim da enésima tentativa de refazer um partido reformista, com o agravante, nesse caso, de que a tentativa chega depois da derrota catastrófica da Refundação. Nessa trapalhada Turigliatto e a sua tendência (Esquerda anticapitalista) levarão uma sólida contribuição “marxista” (ou daquilo que eles se obstinam, contra todas as evidências, de chamar de “marxismo”), para retomar a partir de uma outra entrada aquela mesma estrada que, depois de várias décadas, trouxe a dissolução da Esquerda Crítica.

Mais do que um novo início, para nós parece o início de um novo fim. Por isso é uma oportunidade para aqueles companheiros da Esquerda Crítica, que até agora não se identificaram nem com o Solidariedade nem com a Esquerda anticapitalista, para que possam decidirem a voltarem-se para um outro caminho, diferente.

Existe outro caminho
 
Quem procura um caminho revolucionário e internacionalista poderá encontrar no PdAC um partido com o qual debater, e no qual militam companheiros de diversas origens, no qual não há sócios fundadores nem gurus, o único que hoje na Itália é parte de uma real organização internacional: a LIT – Quarta Internacional. Hoje ela é a principal força trotskista em nível internacional, presente na Europa e em crescimento em vários continentes, está na linha de frente em todas as lutas, tanto aqui na Itália (onde nos últimos meses frequentemente estamos descobrindo ser o único partido presente nas lutas mais radicais, especialmente naquelas onde não havia câmeras na frente das quais fazer tremular bandeiras) como nas praças da Espanha, Portugal, Turquia e sobretudo na nova onda de lutas do Brasil, no qual nosso partido, o PSTU, é reconhecido também por muitos adversários como o maior partido que se reivindica trotskista atualmente no mundo, adquiriu um papel de primeiro plano.

Como temos dito muitas vezes, com senso de realidade, com o PdAC (a diferença com o que fazem outros) nunca nos consideramos como o partido revolucionário que falta e que é o único a construir: mas com certeza pensamos que fortalecemos durante esses anos um instrumento importantíssimo nessa perspectiva. Por isso estamos interessados a debater fraternalmente com todos aqueles companheiros que, como nós, não acreditam que o capitalismo possa ser o fim da história, por isso queremos dialogar com aqueles (ao contrário do Rossa) que não acreditam que o capitalismo possa ser reformado ou governado de modo diferente do que é, com quem compreendeu que a colaboração de classe premia apenas a burguesia. É com quem pensa que o capitalismo deve ser destruído com a revolução, que para fazê-lo é necessário o crescimento das lutas, embora indispensável, não é suficiente, procuramos o debate e a colaboração, no respeito mútuo, independente das experiências individuais anteriores.
 
Por isso nos voltamos, também nesse artigo, tanto aos companheiros da Refundação que nos próximos meses se encontrarão sem partido, como aos companheiros da agora dissolvida Esquerda Crítica. A todos eles perguntamos: não pensam também vocês, depois de tantas derrotas, que chegou o momento de procurar encontrar juntos um outro caminho?

Notas
 
(1) Do lado oposto, Turigliatto e Esquerda Critica foram muitas vezes acusados pelo PCL de Ferrando por suas oscilações na relação com o governo Prodi. Todavia, deve ser lembrado, como admitiu Ferrando em um texto de 18 de junho de 2006, publicado no seu manifesto (e não se trata de uma entrevista, assim não foi nenhuma manipulação jornalística) no caso de ser eleito ao parlamento (como Bertinotti lhe prometeu inicialmente, e depois mudou de ideia sobre pressão do Corriere della Sera) Ferrando também avaliou cada expediente para não perturbar o governo de centroesquerda: nunca deu um voto de confiança a tal governo, mas acrescenta, “outras soluções de caráter excepcionais – inclusive as minhas renúncias ao parlamento – seriam possíveis apenas no caso de um caráter determinante no meu único voto”. Em outras palavras, enquanto Turiglitto alternava votos favoráveis com saídas do plenário e abstenções, Ferrando, mais generosamente, renunciaria do parlamento para não desagradar ao governo imperialista com a sua presença… 
A ideia de que se poderia no parlamento votar (mesmo sozinho) contra a burguesia, como fazia Karl Liebnecht, é uma ideia da qual nunca chegou perto nem um nem o outro.

Tradução: Nívia Leão.



[1] Principal líder da Refundação.

[2] Trem de alta velocidade, que tem oposição dos movimentos sociais.

[3] NPA – Novo partido Anti-capitralista.

[4] NPCI – Novo Partido Comunista Italiano.

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