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quinta-feira, março 28, 2024

Colombo inaugurou o mercado mundial

Os fatos são tão conhecidos que não precisam ser detalhados. E não é para menos, pois a chegada de Colombo à América foi um dos acontecimentos mais importantes de toda a História. Por isso, apesar dos 523 anos que se passaram, ainda vale se perguntar: quais foram as causas e as consequências do dia 12 de outubro de 1492?

Por: Nepo

Caravelas em busca de riqueza

Longe de “civilizar” ou “evangelizar”, o objetivo das viagens de Colombo é sempre mencionado como algo secundário: a busca de ouro e especiarias. O que não se diz é que o ouro e as especiarias eram as commodities daquela época, como hoje são a soja e o petróleo: mercadorias cujo valor se converte no eixo da economia. De fato, foi a escassez dessas mercadorias o que levou alguns países a se lançarem ao mar buscando alternativas. Assim, enquanto Portugal usou a rota ao redor da África para chegar à Ásia, a Espanha optou por cruzar o oceano, encontrando um continente desconhecido.

Essa descoberta transformou tudo. Os recursos naturais descobertos expandiram a economia da Europa a níveis inimagináveis, acelerando o desenvolvimento dos meios de produção e da ciência e levando ao envolvimento não só da América, mas também da África e inclusive do Oriente Médio nessa cadeia produtiva. Havia nascido o mercado mundial, que conectou e conecta a vida de cada país à situação do mundo inteiro. De certo modo, mais que “vir” em caravelas, a civilização moderna nasceu dessas viagens.

Na maior parte da América, as potências européias estabeleceram explorações baseadas na extração imediata de recursos naturais, geralmente empregando mão de obra escrava: um tipo de indústria muito rentável para a Europa, mas que travava o desenvolvimento na América: uma realidade econômica que se manteve quase imperturbável ao longo dos séculos, e que ainda hoje temos que reverter com uma segunda e definitiva independência.

A “raça” americana, cujo nascimento muitos países festejam a cada 12 de outubro, desenvolveu-se como subproduto dessa forma de fazer negócios, e nunca deixou de refletir a “ordem étnica” impulsionada pelos conquistadores: sociedades nas quais os “brancos” eurodescendentes têm o poder, enquanto negros e indígenas são marginalizados e pauperizados.

O paraíso dos povos originários: mito e realidade

Baseando-se nisso, muitos afirmam que a colonização teve principalmente um caráter nocivo. Quem compartilha essa visão – que não leva em conta que o isolamento dos povos nativos em relação ao resto do mundo constituía uma trava para seu desenvolvimento – descreve as culturas originárias quase como utopias. Inclusive há quem chega a menosprezar a resistência aborígene sobre a base dessa crença.

Pelo contrário, não somente quase todos os povos originários tinham ou tiveram conflitos entre si e com outros povos como também, em certas regiões, existiam Estados fortes, bem organizados e governados por castas, que oprimiam nações inteiras. É o caso dos astecas de Tenochtitlán (hoje Cidade do México), que foram vencidos pelos espanhóis com a ajuda dos tlaxcaltecas, frequentemente oprimidos pelos astecas.

Quanto à resistência dos povoa originários, no afã de denunciar o genocídio dos conquistadores, menospreza-se as lutas contra os invasores europeus, que em muitos casos tiveram êxito por longo tempo. De fato, é somente com a segunda revolução industrial que se conseguiu acabar com as últimas zonas nas mãos dos nativos, ou seja, no final do século XIX. Além disso, os partidários das idealizações da América originária também passam por cima, ou tratam como “exceções”, os não poucos casos de líderes e nobres aborígenes que foram absorvidos pela sociedade colonial e pelos posteriores países americanos como parte das classes dirigentes.

O certo é que a luta dos povos originários, mais que contra os invasores europeus, era contra a própria história. Seu isolamento – e os consequentes erros políticos e organizativos – pouco podia fazer contra o mercado mundial que se criava a partir da colonização. Isso deu um tom ainda mais trágico à sua resistência.

O capitalismo nasceu selvagem

Por outro lado, ao centrar-se no repúdio em geral de todos os crimes, destruição e pilhagens cometidos pelos conquistadores, os partidários da visão idílica do passado nativo dissolvem a causa de tais ações, como se fosse uma simples maldade pessoal ou o “espírito da época” o que levou os europeus a atuarem assim. Na realidade, foi a mesma razão que os levou a cruzarem o mar que os fez derramarem rios de sangue: buscar riquezas, abastecer o mercado. Os “conquistadores” costumavam provir da baixa nobreza, o setor menos favorecido pela repartição da riqueza no velho continente, e a colonização lhes oferecia um atalho. Essa é a causa tanto da avidez como da sua falta de escrúpulos. Mas eles só cumpriam sua função social: não existia naquele momento, nem agora, uma forma “civilizada” ou “humanitária” de saciar a voracidade do capital. O capitalismo nasceu brutal e nunca deixou de sê-lo. Nesse sentido, os crimes dos conquistadores foram somente um adiantamento do que viria depois.

O “novo mundo” está por ser construído

Ainda assim, a entrada da América no mercado mundial foi o que permitiu o salto no desenvolvimento e em todos os níveis de vida nesses cinco séculos. Isso faz com que, apesar de tudo, a colonização tenha sido um passo adiante para a humanidade.

É verdade que as injustiças e desigualdades criadas com a conquista da América geraram contradições que ajudaram a acabar com a capacidade do capitalismo de criar progresso. E que, se houvesse incorporado os povos originários, integrando-os em vez de escravizá-los ou exterminá-los, talvez o próprio desenvolvimento da ciência, da indústria e da agricultura tivessem sido mais rápidos: basta imaginar os astrônomos maias pesquisando com Galileu.

Mas a história não pode voltar atrás, só resta lutar pelo futuro. Por isso, diante da decadência do capitalismo, é hora de substituir esse sistema que nasceu destruindo culturas inteiras, escravizando e saqueando; com uma sociedade mais justa, que integre os conhecimentos e capacidades de cada indivíduo e grupo humano para satisfazer as necessidades de cada pessoa: um mundo socialista. E ainda que pareça um paradoxo, foi a violenta colonização da América, ao unificar o mundo em um só mercado, o que assentou as bases para permitir a construção de uma sociedade assim.

Tradução: Valéria Lezziane

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