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segunda-feira, março 18, 2024

1914: a falência da Segunda Internacional


A organização operária internacional não passou pela prova da Primeira Guerra Mundial, uma vez que seus principais partidos apoiaram seus respectivos governos imperialistas. 


Isso significou o desmoronamento dessa organização como ferramenta dos trabalhadores. No entanto, ela não viveu em vão.


A Guerra Franco-Prussiana de 1871 foi a parteira da primeira revolução operária da história: A Comuna de Paris. A derrota da Comuna, por sua vez, deu origem ao declínio da Primeira Internacional, que foi posteriormente dissolvida em 1872 a partir das intrigas desleais de Bakunin, o pai do anarquismo. Assim terminou a primeira grande experiência de organização da classe operária internacional.

Mas, ao mesmo tempo, a vitória da Alemanha nessa mesma guerra criou as condições que, quase 20 anos depois, deram origem à segunda grande experiência: a Internacional Socialista, a Segunda Internacional.

Após essa vitória, a Alemanha entrou em uma grande expansão industrial, semelhante à que a Inglaterra havia vivido 20 anos atrás. Essa expansão revigorou o movimento operário industrial. Engels, em uma carta ao líder social-democrata Bebel, de 11 de dezembro de 1884, dizia:

“Nossa grande vantagem é que a Revolução Industrial está em pleno apogeu, enquanto na França e na Inglaterra, em relação ao seu principal aspecto, está parada. (…) para nós, tudo está se desenvolvendo. Assim, tivemos uma revolução industrial muito mais profunda e completa, e especialmente mais ampla do que a de outros países; e isso com um proletariado perfeitamente fresco e intacto, não desmoralizado por derrotas e, finalmente —graças a Marx—, com um conhecimento das causas do desenvolvimento econômico e político, bem como das condições da uma revolução iminente, como não tinham tido nenhum de nossos predecessores”.

A vantagem de que falava Engels se expressou não só em um grande desenvolvimento e fortalecimento dos sindicatos, mas também no crescimento e fortalecimento do partido social-democrata, que reivindicava as teses do marxismo. Nas eleições para a Câmara dos Deputados, o SPD passou de 102 mil votos em 1871, para 493 mil em 1877; 550 mil em 1884; e em 1890 ultrapassou um milhão de votos.

No final dos anos 1880, essa situação começa a se estender para o resto da Europa.

Na França, Jules Guesde, que havia sido anistiado após ter participado da Comuna de Paris, ganhou politicamente importantes setores da juventude do movimento sindical e fundou, em 1879, junto com Paul Lafargue, o Partido Operário Francês, cujo programa foi escrito com a ajuda de Marx. Na década de 1880 foram lançadas as bases e organizados os partidos operários e socialistas na Dinamarca, Suécia, Bélgica, Áustria, Suíça e Itália. Os primeiros grupos marxistas começavam a trabalhar na Finlândia e na Rússia. Em 1877, o Partido Socialista do Trabalho foi organizado nos Estados Unidos. Na Inglaterra, a perda do monopólio industrial no mercado mundial causou desemprego em massa e miséria. O resultado foi um grande processo de mobilização e o surgimento de um novo sindicalismo dos trabalhadores não qualificados. Além disso, uma série de organizações são fundadas para propagandear as ideias socialistas e marxistas. O sindicalismo anterior era formado principalmente por operários especializados. De acordo com Engels:

“Os novos sindicatos foram fundados num momento em que a confiança na eternidade do sistema de assalariamento estava seriamente prejudicada; seus fundadores e organizadores são socialistas, seja por consciência ou sentimento; as massas, cuja adesão os fortaleceu, são consideradas grosseiras e são desprezadas pela aristocracia operária; mas têm a grande vantagem de que suas mentes são terreno virgem, completamente livre da herança dos preconceitos burgueses “respeitáveis” que enchem o cérebro dos “velhos” sindicalistas mais bem colocados”.

A fundação da Segunda Internacional

Em 1889 foi celebrado na França o centenário da Revolução Francesa. Sessenta e nove congressos internacionais foram realizados simultaneamente com a Exposição Mundial, organizada em Paris pelo governo francês. Um deles foi divulgado por socialistas alemães e organizado pelos guesdistas da França. Esse foi o primeiro congresso da Segunda Internacional.

Refletindo a situação da classe operária, que motivou a realização do congresso, aprovou-se um chamado para que os trabalhadores apoiassem um programa por uma legislação internacional do trabalho. Essa resolução foi objeto de polêmica contra aqueles que defendiam que “a legislação trabalhista era incompatível com os princípios socialistas” e, no fim, se decidiu apoiar a luta pelos oito horas de trabalho que estava sendo realizada pela Federação Norte-americana do Trabalho (AFL). A AFL tinha enviado uma saudação ao congresso, solicitando apoio para a campanha, que seria lançada no 1° de maio de 1890. O Congresso decidiu organizar neste dia uma manifestação internacional em defesa da jornada de oito horas.

A Segunda Internacional: grande avanço na organização operária internacional

A Segunda Internacional, ao contrário da Primeira, não era uma frente única entre organizações operárias, e sim uma federação dos Partidos Social-Democratas, que se reivindicavam marxistas e, dentre os quais, havia alguns que haviam adquirido influência de massas. Engels desempenhou um papel importante na sua formação.

Nos dez anos seguintes, a Segunda Internacional foi aumentando sua influência e prestígio. Estava realizando um papel importante na educação marxista do movimento operário. Nos congressos, eram debatidas e votadas resoluções sobre os principais problemas com que se defrontavam os trabalhadores. Nos partidos nacionais, antes e depois desses congressos, as resoluções eram debatidas e votadas. O caráter internacional dessas discussões foi um grande avanço para o movimento operário europeu, que estava elevando permanentemente o seu nível político e teórico.

A batalha contra o oportunismo e o sectarismo

Na medida em que o capitalismo vai entrando em sua fase imperialista, debates importantes são desenvolvidos e as diferentes alas do partido social-democrata alemão (o mais importante da Segunda Internacional), vão se diferenciando, dependendo de como se colocam em relação ao tema “reforma ou revolução”.

Rosa Luxemburgo, na sua brochura “Reforma ou revolução”, de 1889, explicava assim a posição marxista sobre essa relação:

“A luta diária pelas reformas, pela melhoria da situação dos operários no âmbito da ordem social existente e por instituições democráticas, oferece à social-democracia a única forma de participar da luta da classe trabalhadora e de se empenhar no sentido de um objetivo final: a conquista do poder político e a abolição do trabalho assalariado (…) entre a reforma e a revolução social existe, pois, para a social-democracia, um vínculo indissolúvel. A luta pelas reformas é o meio; revolução social, o fim.”

Mas em relação a este tema os marxistas tiveram que combater, dentro da Segunda, dois desvios igualmente prejudiciais: o oportunista e o sectário.

Os sectários, que, por princípio, negavam a luta por reformas, eram uma resposta errada ao oportunismo, que encontrava bases materiais cada vez mais amplas para o seu desenvolvimento, graças ao desenvolvimento e fortalecimento do imperialismo.

O imperialismo, como Lenin afirmava, dividiu o mundo entre um grupo de potências militaristas privilegiadas, exploradoras e opressoras (Grã-Bretanha, Alemanha, França, Rússia, Itália, Japão e Estados Unidos) e a maior parte da humanidade, que suportava o jugo colonial.

Os grandes lucros extraídos da exploração dos países coloniais e semicoloniais permitiram que as grandes potências dessem algumas migalhas para os trabalhadores de seus países. Esses trabalhadores privilegiados transformaram-se então na aristocracia operária, que foi a base social de fortes burocracias políticas e sindicais. Este fenômeno foi acompanhado pelo grande crescimento dos partidos ligados a esse setor social, que obtiveram significativas vitórias eleitorais, expressas na obtenção de um grande número de parlamentares. Isso acontecia em diferentes partidos da Europa, mas especialmente no alemão.

Os dirigentes dos partidos operários parlamentares, juntamente com os dirigentes sindicais, passaram a ter uma vida cada vez mais confortável. Na medida em que crescia o seu bem-estar, mais se afastavam dos sofrimentos, miséria e aspirações das massas arruinadas e empobrecidas dos povos coloniais e diminuia ainda mais sua vontade de lutar.

No calor dos debates teóricos e políticos desse período consolidam-se três alas no partido alemão: a ala direita, liderada por Bernstein e Vollmar; a esquerda, que tinha entre suas principais figuras Rosa Luxemburgo, Karl Liebknecht, Clara Zetkin, Leo Jogiches, Ernst Meyer, Hugo Eberlein e Franz Mehring; e o centro, que dirigia o partido, representado por Kautsky e Bebel.

Os oportunistas são derrotados nos congressos. O auge da II Internacional

As posições oportunistas foram se desenvolvendo na Internacional e não possuíam apenas componentes teóricas, mas se expressavam diretamente em políticas concretas. Na França, a luta atingiu o seu ponto crítico quando Alexandre Millerand, membro do Partido Socialista Independente, em 1889, aceitou o cargo de ministro da indústria no governo burguês. Era a primeira vez que um dirigente socialista entrava num governo burguês. Millerand justificou sua ação afirmando que era preciso defender a democracia contra a ameaça monárquica e bonapartista. A luta contra a traição de Millerand levou à divisão, entre a ala direita e a ala esquerda do Partido Socialista Francês.

No congresso da social-democracia alemã, realizado em Dresden, em 1903, foi aprovada uma resolução que dizia:

“O Congresso condena terminantemente os esforços revisionistas para mudar a linha tática que se mostrou bem sucedida no passado e que deriva da ideia de luta de classes, substituindo a política da tomada do poder ao derrotar nossos inimigos, por uma política de concessões para a ordem atual (…) Essas táticas revisionistas inevitavelmente mudariam o caráter do nosso partido (…) de um movimento que luta para suplantar a sociedade burguesa o mais rápido possível rumo a uma sociedade socialista, para se transformar num grupo satisfeito em reformar a sociedade burguesa.

O Congresso declara: (…) que o partido social-democrata não pode lutar por uma quota de poder dentro do governo da sociedade burguesa.

Além disso, o Congresso condena todos os esforços para reconciliar os antagonismos atuais e crescentes entre as classes, para facilitar a cooperação com os partidos burgueses”.

Essa resolução foi aprovada com os votos da esquerda e do centro, contra a ala liderada por Bernstein.

Em 1904, no Congresso de Amsterdan da Segunda Internacional, a resolução de Dresden é adotada. Este congresso, com 444 delegados presentes, mostrou que a II Internacional tornara-se um grande movimento mundial.

O peso da Segunda foi ampliado em 1905, quando a Revolução Russa eclodiu e a jovem classe operária desse país, dirigida majoritariamente pela social-democracia, mostrou ao mundo seu potencial revolucionário. Esse foi o ponto culminante da Segunda. Pouco depois começaria o seu declínio.

Decadência da Segunda Internacional

O poderoso movimento de 1905 na Rússia moveu correntes revolucionárias em toda a Europa. Trotsky dizia:

“A revolução russa foi o primeiro grande evento que trouxe uma lufada de ar fresco para a atmosfera rançosa da Europa nos 35 anos transcorridos desde a Comuna de Paris. O rápido desenvolvimento da classe operária russa e a força inesperada de sua atividade revolucionária impressionaram o mundo civilizado e deram impulso, por todos os lados, ao aprofundamento das diferenças políticas. Na Inglaterra, a revolução russa acelerou a formação de um partido trabalhista independente. Na Áustria, devido a circunstâncias especiais, levou ao sufrágio universal… E, na Alemanha, a influência da revolução russa foi evidente no fortalecimento da ala esquerda do partido, na aproximação do centro à ala esquerda e no isolamento do revisionismo. O problema dos direitos políticos prussianos, chave da posição política dos junkers, adquiriu tons agudos. E o partido adotou, em princípio, o método revolucionário da greve geral.”[1]

Mas esta grande revolução foi derrotada, e, posteriormente, abriu um período reacionário em toda a Europa, com consequências que Trotsky descreveria da seguinte forma:

“Na Rússia a contrarrevolução venceu e teve início um período de declínio para o proletariado russo, tanto na política como na força de suas organizações. A série de reivindicações formuladas pela classe operária na Áustria foi destruída, a legislação da seguridade social apodreceu nos escritórios do governo, os conflitos nacionalistas emergiram com renovado vigor, enfraquecendo e dividindo a social-democracia.

O Partido Trabalhista da Inglaterra, depois de se separar do Partido Liberal, voltou a manter a mais estreita colaboração com ela. Na França, os sindicalistas adotaram as posições reformistas (…), os líderes revisionistas da social-democracia alemã, encorajados pela revanche que a história lhes concedia, levantaram a cabeça. (…)

Os marxistas se viram obrigados a mudar suas táticas ofensivas para defensivas. Os esforços da ala esquerda do partido para empurrá-lo em direção a uma política mais ativa foram infrutíferos. O centro dirigente balançava mais e mais para a direita, isolando a esquerda. O conservadorismo, curado dos golpes que recebera em 1905, estava totalmente recuperado.”[2]

Entre 1906 e 1914, embora não houvesse uma clara formulação da linha política, a Segunda Internacional começou a atuar com pontos de vista diferentes dos anteriores. Essa mudança começou com o argumento de que como nos últimos cem anos o capitalismo continuava em expansão e continuava desenvolvendo as forças produtivas, isto tornava possível elevar o padrão de vida dos trabalhadores e alcançar maiores liberdades políticas. Esses objetivos podiam ser alcançados fortalecendo passo a passo o poder das organizações operárias, sindicatos, cooperativas, partidos políticos e conseguindo cada vez mais deputados. Essa visão justifica o que passou a se chamar de “programa mínimo”.

Este programa mínimo foi se transformando no programa real do partido e o “programa máximo”, baseado na luta revolucionária, passou a ser utilizado apenas nos discursos do Primeiro de Maio.

Ao mesmo tempo, essa revisão começou a justificar e a aceitar a existência do imperialismo. No congresso de Stuttgart (1907), os oportunistas, liderados por dirigentes sindicais alemães, recusaram-se a travar qualquer combate contra as políticas imperialistas. Bernstein, a expressão máxima da direita oportunista, argumentou que havia necessariamente dois tipos de povos: os dominadores e os dominados. Alguns povos, dizia ele, eram como crianças incapazes de se desenvolver. Portanto, a política colonial seria inevitável, mesmo sob o socialismo.

Essas posições foram derrotados, mas apenas por 127 votos a 108. Este congresso anunciava o que viria a ser a grande traição da Segunda Internacional: sua posição frente à Primeira Guerra Mundial.

Primeira Guerra Mundial. A grande traição e a morte da Segunda Internacional

Em outubro de 1912, Montenegro declarou guerra à Turquia. O bureau da Segunda Internacional organizou comícios contra a guerra mundial que se aproximava e convocou um congresso extraordinário para Basileia, em 24 e 25 de novembro de 1912. Os delegados aprovaram por unanimidade um manifesto conhecido como o “Manifesto da Basileia”, que declarava que a próxima guerra européia só poderia ter um caráter interimperialista. O manifesto reafirmava a posição de princípios da luta operária contra a guerra, adotada nos congressos anteriores. Recordando os exemplos da Comuna de Paris após a guerra franco-prussiana e da Revolução Russa de 1905, durante a guerra russo-japonesa, o manifesto declarava que, caso a guerra fosse deflagrada, seria preciso utilizar com todas as forças a crise econômica causada pela guerra para levantar as massas e, assim, precipitar a queda do domínio de classe capitalista”.

Em julho de 1914, o Império Austro-Húngaro emitiu um ultimato à Sérvia. Os partidos da II Internacional implementaram a primeira resolução do Manifesto da Basileia: Se houver ameaça de eclosão da guerra (…) desenvolver todos os esforços com o fim de evitá-la, por todos os meios considerados eficazes”. Em 29 de julho, quando as tropas austríacas entraram em Belgrado, imensas manifestações contra a guerra foram organizadas na Alemanha, Áustria, Itália, França, Bélgica. O partido alemão lançou um manifesto exigindo que seu governo não entrasse na guerra.

Em 1° de agosto, quando a Alemanha declarou guerra à Rússia, o dirigente alemão Herman Müller assegurou que seu partido não votaria a favor dos créditos de guerra[3].

Os dirigentes social-democratas acreditavam que essas iniciativas seriam suficientes para obrigar os governos de seus países a retroceder. Mas isso não aconteceu. Não foi possível impedir a guerra interimperialista. Com isso, a Segunda Internacional e seus partidos tinham que colocar em prática a segunda resolução do Manifesto da Basileia. Era necessário enfrentar o próprio imperialismo, através do derrotismo revolucionário, isto é, transformando a guerra imperialista em guerra revolucionária. A guerra se transformou, então, no divisor de águas entre os verdadeiros revolucionários e os capituladores.

As guerras e as revoluções sempre são a grande prova de fogo. A Segunda Internacional não passou nessa prova. A grande maioria dos líderes de todos os partidos acabaram votando a favor dos créditos de guerra em seus países e os revolucionários foram reduzidos à mínima expressão. Com relação aos partidos, houve apenas duas honrosas exceções, que não votaram a favor do seu próprio governo, os russos e os sérvios (estes últimos suportavam a pressão da invasão das tropas austríacas).

Na Alemanha, o único social-democrata que votou contra os créditos de guerra, e ainda convocou os trabalhadores e soldados a apontar suas armas contra seu próprio governo, foi Karl Liebknecht. Todo o resto da social-democracia, nas palavras de Rosa Luxemburgo, já era um “cadáver fedorento”.

Em janeiro de 1915, a direção do partido alemão, de acordo com o comando militar da burguesia, decide calar Liebknecht definitivamente, convocando-o para o Exército. Desse modo, ficou proibido de falar e não podia participar das assembleias de militantes. Em 18 de fevereiro de 1915, Rosa Luxemburgo foi detida e permaneceu na prisão até fevereiro de 1916, e, com exceção de alguns meses entre fevereiro e julho de 1916, permaneceria encarcerada até outubro de 1918. Em setembro de 1915, Ernst Meyer, Hugo Eberlein e, depois, Franz Mehring (com 70 anos) e muitos outros são também mandados para o cárcere.

Apesar de ser minoria, a direita do partido impôs sua linha. O centro, representado por Kautsky, que nos congressos anteriores havia reafirmado a posição revolucionária frente à guerra, capitulou totalmente ao social-patriotismo.

Lenin, em abril de 1917, definiu assim o papel do centrismo:

“A questão de fundo é que ‘o centro’ não está convencido da necessidade de uma revolução contra seu próprio governo, não prega a revolução, não impulsiona vigorosamente uma luta revolucionária, e, com o objetivo de de fugir dessa luta, recorre às mais triviais desculpas ‘ultramarxistas’.

O ‘centro’ é composto pelos adoradores da rotina, desgastados pela gangrena da legalidade, corrompidos pela atmosfera parlamentar; são burocratas acostumados a posições confortáveis e a trabalhos suaves. Historicamente e economicamente falando, não são uma camada diferente, mas representam uma forma de transição de uma fase anterior do movimento operário —a fase entre 1871 e 1914, que forneceu muitos elementos valiosos, particularmente a arte indispensável da realização de um trabalho de organização lento, sistemático e em larga escala— para uma nova fase, que se tornou objetivamente essencial com a eclosão da Primeira Guerra Mundial, fase que inaugura a era da revolução social.”(Obras Completas, tomo XXIV).

E Trotsky escreveu de forma brilhante o epitáfio para este grande e frustrado projeto de organização internacional dos trabalhadores:

“A Segunda Internacional não tinha vivido em vão. Ela conseguiu fazer um gigantesco trabalho educativo. Nunca antes na história havia existido algo semelhante. Havia educado e aglutinado ao seu redor as classes oprimidas. O proletariado, agora, não precisa recomeçar da estaca zero. Não adentra em seu novo caminho de mãos vazias”.

***

Resposta aos argumentos de traição

Rosa Luxemburgo: “O argumento da casa em chamas”

Os dirigentes da Segunda Internacional tentaram justificar a traição com argumento de que, uma vez que não fora possível parar a guerra, a tarefa central seria a de impedir a invasão dos distintos países por potências estrangeiras. Rosa Luxemburgo responde brilhantemente em um folheto de 1916, mostrando como essa abordagem é uma revisão dos princípios marxistas:

“Apesar de tudo, se não fomos capazes de evitar a eclosão da guerra, se a guerra já é um fato consumado, se a nação está enfrentando a ameaça de uma invasão estrangeira, como vamos deixar a pátria indefesa, como poderíamos entregá-la ao inimigo? Deveriam os alemães sair de seu país em benefício dos russos? Deveriam os franceses e belgas abandonar seus países aos alemães? Os sérvios devem deixar a Sérvia abandonada aos austríacos? Por acaso o princípio socialista do direito à autodeterminação das nações não afirma que cada povo tem o direito e o dever de proteger sua liberdade e independência? Quando nossa casa está em chamas, não seria melhor, em primeiro lugar, apagar o incêndio, em vez de procurar o culpado por ele?

Este argumento da “casa em chamas” desempenhou um papel importante na atitude dos socialistas, tanto de um lado como de outro, tanto na Alemanha como na França. Também nos países neutros ele fez escola: traduzido para o holandês, significa: “quando o barco está afundando, não seria melhor, primeiro, tentar tapar os buracos por onde a água está entrando?”.

Certamente, um povo que capitula frente ao inimigo estrangeiro é indigno, tão indigno como o partido que capitula ao inimigo interno. Os bombeiros da “casa em chamas” esqueceram-se de apenas uma coisa: para os socialistas, a ‘defesa da pátria’ significa algo bem diferente do que servir de bucha de canhão sob o comando da burguesia imperialista. Em primeiro lugar, no que diz respeito à ‘invasão estrangeira’, será que ela realmente é esse espantalho diante do qual a luta de classes interna deveria desaparecer, como se estivesse assombrada e paralisada por um poder sobrenatural? De acordo com a teoria política do patriotismo burguês e do estado de sítio, toda luta de classes é um crime contra os interesses da defesa do país, porque ameaça e enfraquece a força defensiva da nação. A social-democracia oficial se deixou enganar por esta gritaria. E, no entanto, a história moderna da sociedade burguesa mostra, a cada passo, que, para ela, a ‘invasão estrangeira’ não é o mais abominável dos horrores, como eles querem pintar hoje, mas um meio testado e utilizado preferencialmente contra o ‘inimigo interno’.

Por acaso os Bourbons e os aristocratas da França não pediram uma invasão estrangeira contra os jacobinos? Não teria a contrarrevolução austríaca e clérigo-estatal clamado pela invasão francesa de Roma, em 1849, ou pela invasão russa contra Budapeste? Por acaso o “partido da ordem”, em 1850, na França, não ameaçou silenciar a Assembleia Nacional com a invasão dos cossacos? E com o famoso tratado de 18 de maio de 1871 entre Jules Favre, Thiers e companhia, e Bismarck, não concordaram em libertar as tropas bonapartistas e convocar tropas da Prússia em seu apoio, a fim de acabar com a Comuna Paris?

Para Karl Marx essa experiência histórica, ocorrida há 45 anos, foi suficiente para desmascarar as “guerras nacionais” do Estado burguês moderno como uma farsa. Em seu conhecido manifesto do Conselho Geral da Internacional sobre a Comuna de Paris, ele diz:

“depois das mais terríveis guerras dos tempos modernos, os exércitos vitoriosos se juntam aos vencidos para esmagar conjuntamente o proletariado; este evento sem precedentes não demonstra, como Bismarck acreditava, a destruição definitiva da nova sociedade ascendente, mas a decomposição total da velha sociedade burguesa. O mais alto heroísmo de que a velha sociedade era ainda capaz era a guerra nacional, e esta aparece agora como um mero engano governamental: não tem outro propósito senão o de adiar a luta de classes, e que desaparece assim que a luta de classes se converte em guerra civil. A dominação de classe não pode mais ser ocultada sob um uniforme nacional; os governos nacionais estão unidos contra o proletariado!”

A invasão e a luta de classes não representam coisas contraditórias na história burguesa, como se diz na lenda oficial, mas, ao contrário, uma é o meio e a expressão da outra. E se para as classes dominantes a invasão é um meio eficaz contra a luta de classes, para as classes revolucionárias a luta de classes mais violenta tem provado ser o melhor meio contra a invasão.”[4]

Lenin: os “oportunistas honestos” são os mais perigosos para a classe trabalhadora

Também em 1916 aparece uma obra de Lenin em que ele desmascara os dirigentes traidores da II Internacional, explicando o conteúdo de classe do oportunismo e reafirmando que a guerra abre as condições para a vitória da revolução proletária.

“Qual é a essência econômica do defensismo na guerra de 1914-1915? A burguesia de todas as grandes potências trava a guerra para repartir e explorar o mundo, para oprimir os povos. Um grupo reduzido da burocracia operária, a aristocracia operária e os companheiros de viagem pequeno-burgueses, podem receber algumas migalhas dos grandes lucros da burguesia. O social-chauvinismo e o oportunismo têm a mesma origem de classe: a aliança de um pequeno setor de operários privilegiados com “sua” burguesia nacional, contra as massas da classe trabalhadora; a aliança dos lacaios da burguesia com ela contra a classe que a burguesia explora.

O conteúdo político do oportunismo e do social-chauvinismo é o mesmo: colaboração de classes, renúncia à ditadura do proletariado, renúncia às ações revolucionárias, aceitação incondicional da legalidade burguesa, falta de confiança no proletariado e confiança na burguesia. O social-chauvinismo é a continuação direta e o ponto culminante da política operária liberal inglesa, do millerandismo e bernsteinianismo. (…)

Os representantes inteligentes da burguesia compreenderam este fato muito bem. Por isso dedicam tantos elogios aos atuais partidos socialistas, liderados pelos ‘defensores da pátria’, isto é, os defensores da pilhagem imperialista. Por isso, os governos retribuem aos líderes socialistas com cargos ministeriais (na França e na Inglaterra) ou com o monopólio de uma existência legal sem obstáculos (na Alemanha e na Rússia). Por esta razão, na Alemanha, onde o Partido Social-Democrata foi o mais forte e onde a sua transformação em partido operário nacional-liberal contrarrevolucionário foi mais evidente, as coisas chegaram ao ponto em que o Ministério Fiscal descreve a luta entre a ‘maioria’ e a ‘minoria’ deste partido como uma ‘incitação ao ódio de classe’! É por tudo isso que os oportunistas inteligentes se preocupam antes de tudo com a manutenção da ‘unidade’ dos velhos partidos, que prestaram serviços tão relevantes à burguesia em 1914 e 1915. Um social-democrata alemão publicou em abril de 1915, sob o pseudônimo “Monitor”, na revista reacionária Preussische Jahrbücher, um artigo em que, com franqueza digna de louvor, expressava as opiniões desses oportunistas em todos os países do mundo. Monitor acredita que seria muito perigoso para a burguesia que a social-democracia se deslocasse ainda mais para a direita: ela deveria “conservar a natureza de um partido operário com ideais socialistas. Pois no dia em que renunciar a isso, surgirá um novo partido que adotará o programa abandonado pelo partido anterior, e formulará sua política em termos ainda mais radicais”. (Preussische Jahrbücher, 1915, n. 4, p. 50-51).

(…) Mas Monitor representa apenas uma variedade de oportunismo: a variedade franca, grosseira, cínica. Outros procedem secretamente, de maneira sutil e ‘honesta’. Engels disse uma vez: “Os oportunistas ‘honestos’ são os mais perigosos para a classe operária…” Um exemplo: Kautsky escreve em Neue Zeit (26 de novembro de 1915): “A oposição à maioria está aumentando, o estado de espírito das massas é de oposição.” E mais adiante: Depois da guerra [só depois da guerra? – Lenin], as contradições de classe vão apodrecer, ao ponto de que o radicalismo prevalecerá entre as massas. Depois da guerra, corremos o risco de que os elementos radicais do partido migrem para um partido de ação de massas antiparlamentar [entenda-se: extra-parlamentares – Lenin]. Assim, nosso partido está dividido em dois campos extremos que não têm nada em comum entre si”. Para preservar a unidade, Kautsky tenta convencer a maioria do Reichstag a permitir que a minoria faça alguns discursos parlamentares de tom radical. Isso significa que, com alguns discursos parlamentares radicais, Kautsky quer reconciliar as massas revolucionárias com os oportunistas que “não têm nada em comum” com a revolução, que dirigem há vários anos os sindicatos e que agora, apoiando-se em sua estreita aliança com a burguesia e o governo, assumiram a posse também da liderança do partido. Que diferença existe, a rigor, entre este “programa” e o de Monitor? Nenhuma, exceto as frases melosas que servem para prostituir o marxismo. (…)

Chega de fraseologia, chega de ‘marxismo’ prostituído à la Kautsky! Após 25 anos de existência da Segunda Internacional, após o Manifesto da Basileia, os operários deixarão de dar crédito para as frases. O oportunismo, já gangrenoso, passou definitivamente para o campo da burguesia, transformou-se em social-chauvinismo; rompeu espiritual e politicamente com a social-democracia. Também romperá com ela em matéria de organização. Os trabalhadores já exigem uma imprensa “sem censura” e reuniões “não autorizadas”, ou seja, organizações clandestinas para apoiar o movimento revolucionário das massas. Somente uma tal “guerra contra a guerra” pode ser obra digna da social-democracia, e não uma frase. E, apesar de todas as dificuldades, derrotas temporárias, erros, desvios e pausas, essa obra levará a humanidade à revolução proletária vitoriosa.”[5]




[1] Leon Trotsky: “A Guerra e a Internacional”.
[2] Idem.
[3] Recursos do orçamento público cedidos pelo parlamento para a indústria da guerra.
[4] Rosa Luxemburgo: “A crise da social-democracia”.
[5] Lenin: “O oportunismo e a falência da Segunda Internacional”.

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