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sexta-feira, abril 19, 2024

A CUP-Crida Constituent tem que se manter firme

A histórica participação (77,44%) e os resultados alcançados deram às eleições catalãs do dia 27 de Setembro (27-S) um caráter plebiscitário e definiram uma clara vitória independentista. Entre todas as candidaturas destaca-se o crescimento de Ciudadanos (461.357 votos a mais) pelo lado espanholista e da CUP-Crida Constituent1 (211.359 votos a mais do que na eleição anterior) pelo lado independentista, marcando claramente a polarização existente.

Por: Nuria Campanera, da Corriente Roja

Um mês depois das eleições, o debate da investidura marca o cenário político. Juntos pelo Sim (JxS), com 1.628.714 votos, conseguiu 62 deputados, 6 abaixo da maioria absoluta. Por isso, desde o minuto zero, todas as pressões recaem sobre a CUP-CC, que com extraordinários resultados (10 deputados e 337.794 votos) teria a “chave” da conformação do governo.

A CUP-CC, no calor das lutas e com o programa acordado pelas bases, foi a única força de ruptura com o regime espanhol e a UE que se apresentou no 27-S.

Canalizou os setores mais plebeus e radicalizados das classes médias catalãs e uma parte significativa da juventude precarizada, ao mesmo tempo que ganhou força eleitoral em cidades e bairros operários. Agora está no centro do cenário político catalão.

A vida lhe impôs uma grande responsabilidade e a colocou numa encruzilhada: ou seguir avançando para se tornar uma força verdadeiramente enraizada na classe trabalhadora e liderar a luta pela República Catalã e uma transformação social de raiz; ou acabar investindo num governo de JxS – seja quem for o seu presidente – e convertendo-se numa peça auxiliar do nacionalismo burguês catalão.

Para afrontar esta disjuntiva é necessária uma caracterização clara de JxS e, ao mesmo tempo, uma reflexão sobre o projeto estratégico da CUP-CC, indo além da investidura.

O que representa a candidatura de Juntos pelo Sim?

Para caracterizar JxS convém distinguir entre os seus eleitores e a sua direção, hegemonizada por CDC (Convergência Democrática da Catalunha), junto com uma ERC (Esquerda Republicana da Catalunha) subordinada. O voto independentista cheio de ilusão de um amplo setor das classes médias no JxS não pode esconder o projeto de Artur Mas de proteger-se atrás da candidatura para reconstruir o partido da burguesia catalã em torno da sua figura e tapar ao mesmo tempo os escândalos de corrupção do partido.

O independentismo de JxS é o de uma Catalunha dentro da UE e do Euro. Para eles isto é uma garantia para o capital e uma condição sine qua non do seu projeto, o qual excluiu medidas tão básicas com a derrogação da reforma trabalhista ou das aposentadorias, assim como um plano de emergência social digno desse nome.

A Zona do Euro e a UE demonstraram com a Grécia que são uma maquinaria de guerra contra a classe trabalhadora e os povos. E com a Catalunha não farão uma exceção. A UE só admite a submissão. E o povo trabalhador não está interessado em mudar a dependência de Madri pela de Bruxelas ou Berlim. Como diz o ditado: “para essa viagem não são necessários alforjes”.

No terreno nacional, Mas e Junqueras também não se arriscarão a romper com Merkel e nunca irão até o final na ruptura com o Estado. Quando o Estado intervir na Generalitat, JxS também não desobedecerá nem apelará à rebelião popular. Conformar-se-ão com protestos impotentes e aceitarão a derrota sem luta, como Tsipras na Grécia.

JxS não quer rupturas com o atual sistema social. Como diz o Conselho Assessor da Transição Nacional (CATN), tão reivindicado por eles: “apesar da mudança política da soberania, o funcionamento ordinário da vida social e econômica estará baseado no princípio da continuidade, sem mudanças repentinas de tipo rupturista ou revolucionário”. Ou seja, querem que as atuais leis econômicas e sociais se mantenham no essencial. E também não querem um processo constituinte de base popular.

De fato, o CATN reduz o papel do povo na elaboração da nova constituição a “fórmulas de participação cidadã através de meios de telecomunicação, audiências parlamentares (a organizações sociais, profissionais, econômicas, culturais) e outras que se possam desenhar”, e à sua posterior “ratificação mediante referendo”. Ou seja: o povo legitima mas quem decide são os parlamentares.

A caracterização das forças políticas é imprescindível para ter uma pauta de conduta acertada em relação a elas. Para conseguir a investidura, CDC e JxS são capazes de assinar generalidades e fazer promessas que depois não cumprirão alegando que o Estado não os deixa. Mas é justamente porque o Estado não o permite que faz falta a reivindicação nas ruas e a desobediência às leis que vão contra a liberdade e a justiça social.

CUP-CC: resistir às pressões

A CUP-CC não pode investir em um governo que não fará frente à acometida do Estado e que seguirá aplicando as políticas de austeridade ditadas por Bruxelas, com cortes, privatizações e repressão dos protestos sociais.

A investidura de um governo assim distanciaria definitivamente a CUP da classe trabalhadora catalã, que a veria como uma muleta de CDC e ERC e liquidaria o que tanto custou a conquistar. O grosso da votação que a CUP-CC recebeu eram votos conscientes por um programa e por uma ideologia anticapitalista. O nosso compromisso é com essas pessoas.

Todos sabem a enorme responsabilidade que recai sobre os deputados e deputadas da CUP-CC. As pressões para somar-se à “frente patriótica” de CDC e ERC e, em particular, para apoiar a investidura de Mas, são imensas. Mas a CUP-CC tem que resistir e não cair nesta armadilha fatal. Pelo contrário, tem de manter-se firme no programa aprovado pela assembleias abertas, que se comprometiam a impulsionar um “governo de ruptura nacional, social e democrático”.

Um governo de JxS nunca será tal governo. Por isso temos que recusar apoiar um governo de “concentração nacional” presidido por Mas, ou por extensão por outro candidato de JxS. É a partir de aqui que podemos avançar no caminho em direção às construção de uma força política que represente os interesses e anseios das classes trabalhadoras do nosso país.

As propostas tem de ser públicas e o seu conteúdo tem de corresponder às reivindicações básicas do sindicalismo combativo e dos movimentos sociais, com os quais temos que articular um poderoso movimento social e político. Não podemos cair no possibilismo legalista.  Não há outra maneira de ganhar apoio entre a classe trabalhadora e as classes populares e trabalhar para o futuro. Se é correto que não queremos escolher entre independência e justiça social, então temos de ser coerentes com o programa, com os eleitores e com as pessoas lutadoras e comprometidas que viram na CUP-CC uma força de ruptura pela soberania da Catalunha, contra a Europa da Troika e pela mudança social.

Notas:

1. Candidatura de Unidade Popular – Grito Constituinte

Artigo publicado em Página Roja n.° 34, novembro de 2015.

Tradução: André Catarino

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