qui mar 28, 2024
quinta-feira, março 28, 2024

Revolução e contrarrevolução no Quirguistão

É necessário derrotar os planos do imperialismo e dos patrões quirguiz.

Em junho os meios de comunicação em massa trouxeram à luz os acontecimentos no Quirguistão: um massacre inter étnico que deixou centenas de mortos entre os lados uzbeque e quirguiz, bairros inteiros queimados na cidade de Osh e milhares de desalojados e refugiados.

 
Muitos meios informativos mostraram os fatos como simples loucura, mas por trás desses terríveis acontecimentos esconde-se a tentativa de organizar uma ação contrarrevolucionária com o objetivo de, com esta carnificina, deter o mais profundo processo revolucionário, ainda em curso, que vive a região nas últimas décadas.

Um profundo processo revolucionário

Por trás do massacre no Quirguistão há a intenção de deter a revolução que tem levado a um avanço sem precedentes na vida política desta república, a qual desde a restauração do capitalismo sofre a imposição de planos colonizadores neoliberais no terreno econômico (sobretudo seguindo as recomendações do FMI que faz desta república a mais pobre da região), e no plano militar (no território do Quirguistão se encontram duas bases militares estrangeiras: uma russa e outra norte-americana, localizada diretamente no aeroporto da capital Bishkek, por onde se abastecem os exércitos de ocupação da OTAN que operam no Afeganistão).

Em 2005 deu-se uma revolução de massas, levada até as últimas conseqüências, que derrubou um governo que se encontrava no poder desde 1990.

No lugar do presidente Akaev tomou posse Bakiev (um antigo membro da oposição ao governo de Akaev).

Bakiev acelerou em rápida escala a política de privatizações e a transferência das empresas às corporações multinacionais e deu um salto no processo de recolonização da república.

A crise econômica agudizou a situação: fez cair à arrecadação orçamentária e aumentar a dívida. Reduziram-se os ingressos provenientes dos imigrantes quirguizes que trabalham na Rússia, muitos dos quais regressaram a pátria para fazer parte das fileiras de desempregados. Além disso, buscando recompor o orçamento, Bakiev aumentou brutalmente as tarifas da administração de serviços públicos, levando o povo pobre a pagar as conseqüências da crise.

O governo tratou de tapar o crescente descontentamento da população com um ataque aberto às liberdades democráticas. Esta nova revolução transformou-se na resposta de massas aos ataques econômicos do governo e às detenções políticas. Revolução que em abril de 2010 desafiou o governo de Bakiev.

As massas rebeldes nas ruas desarmaram a polícia que disparava contra o povo, venceram os franco-atiradores mercenários já desmoralizados e o exército que se negou a disparar contra a população. Os rebeldes capturaram armas e organizaram-se em Kurultay (assembléias populares), as mesmas que haviam surgido em 2005, porém bem mais fortes.

Após a derrubada de Bakiev, subiu ao poder o governo provisório de Otunbaeva (uma antiga integrante dos governos de Akayev, que depois junto com Bakiev passou à oposição; transformando-se numa pessoa chave do imperialismo, trabalhando no Ministério de Assuntos Exteriores da URSS, foi embaixadora de Quirguistão nos EUA e representante na ONU). Tratando de deter a revolução, o novo governo foi obrigado a cumprir com algumas exigências da população (baixar as tarifas da administração de serviços públicos) e abandonar uma série de promessas (deter os planos privatizantes de Bakiev assim como a venda dos recursos e das empresas ao capital estrangeiro). Entretanto, o governo da república semicolonial não dispõe de meios, para a realização da maioria das promessas econômicas, especialmente em condições de crise. O novo governo é extraordinariamente frágil, porém vê-se obrigado a resistir a esta potente revolução.
 
A magnitude da revolução assustou os regimes ditatoriais das repúblicas vizinhas. O presidente do Uzbequistão, Carimov (após a queda de Akayev em 2005 fuzilou manifestantes nos protestos, temendo a repetição do caso quirguiz no país), de todos os refugiados uzbeques, tem deixado passar somente mulheres e crianças através da fronteira para assim, ante a primeira possibilidade de transbordamento do movimento, mandá-los de volta ao Quirguistão, temendo que o Uzbequistão seja contagiado pela revolução.

A revolução desferiu um duro golpe nos interesses do imperialismo em uma região estratégica

Através dessa região atualmente passa a via de abastecimento mais estável para as tropas de ocupação no vizinho Afeganistão.

No aeroporto da capital em Bishkek está localizado o principal centro aéreo de transporte para o abastecimento do exército da OTAN.

O imperialismo não pode permitir a extensão da revolução, e ante a debilidade do governo vê-se obrigado a se intrometer, deixando, inclusive, aberta a possibilidade de uma invasão militar. Para frear a revolução, o imperialismo usa qualquer tática, neste caso faz com que as etnias combatam entre si.

Isto, por um lado aniquila a potente energia da classe operária multi étnica quirguiz e de seus vizinhos das outras repúblicas. Por outro, dá o pretexto para o desarmamento da população sob a alegação de garantir a paz. Finalmente dá um motivo para que as tropas intervenham e joguem um papel como "mediadores entre as partes", na realidade para reforçar a colonização e impor o controle militar direto sobre os países. Agora mesmo toda a burguesia discute amplamente a necessidade do envio de tropas estrangeiras ao Quirguistão.

Intervenção
estrangeira: todos de acordo
 
O imperialismo através da provocação de um massacre inter étnico prepara terreno para a possibilidade do envio de suas tropas. E apesar de todas as divergências que possam ter, todos estão de acordo com a intervenção militar. Logo após sua queda, Bakiev exigiu o envio de tropas da ONU, tratando assim de defender seus interesses econômicos ao preço da ocupação de seu próprio país por tropas estrangeiras.

Neste momento ele encontrou asilo político em Londres e proporciona ao imperialismo um grande serviço com a provocação do massacre inter étnico no sul do país. O novo governo de Otumbaeva, débil, fiel ao imperialismo e dependente dele, do mesmo modo chamou a intervenção estrangeira. O governo russo não nega a possibilidade de intervir, mas não quer arriscar ficar isolado e por isso não se apressa a adentrar no conflito sozinho, buscando desta maneira um lugar cômodo neste grande jogo do imperialismo, em particular do imperialismo ianque. Por trás do consenso que une a todos quanto à intervenção há uma idéia clara: deter a revolução.

Duas ameaças à revolução
 
Hoje em dia existem dois perigos para os trabalhadores do Quirguistão e sua revolução.

Em primeiro lugar, a intervenção de tropas estrangeiras do imperialismo e de seus aliados sob a máscara de “forças de paz". No marco deste plano o governo de Otumbaevoy tenta desarmar o povo, que possui grande quantidade de armas em suas mãos. Armas que podem ser dirigidas contra os ocupantes e contra o governo mas também, no sentido inverso pode levar à limpeza étnica dos uzbeques no marco da lógica dos provocadores.

Em segundo lugar, o massacre inter étnico que divide à população no lugar de unificar contra o governo entreguista já preparado para deixar o país à mercê de tropas estrangeiras somente para poder conservar seu poder e seus privilégios.

Derrotemos o plano do imperialismo e dos governos entreguistas!
 
Hoje é indispensável derrotar o plano contrarrevolucionário do imperialismo e das classes proprietárias!

Deter o suicídio inter étnico dos trabalhadores, provocado por Bakiev, pelos patrões, governos entreguistas e o imperialismo. Os uzbeques e quirguizes não têm nenhum motivo para se dividir. É necessário recusar categoricamente as provocações e a inimizade criada artificialmente por instigadores. É necessário combater à morte os mercenários e provocadores!

Formar milícias inter étnicas de operários e camponeses independentes do governo para se opor aos bandos de provocadores, às guarnições da policia estatal que desarmam o povo e para resistir à possível ocupação do país por tropas estrangeiras.

Impedir as tropas estrangeiras! Expulsar as bases militares estrangeiras
 
Não à armadilha do "desarmamento" sob a consigna de “paz"! O imperialismo, o governo de Otunbaeva e Bakiev querem desarmar a população para que seja mais fácil subordiná-los aos senhores locais e as tropas estrangeiras.

A repressão contra o povo sob a cúpula de Bakiev claramente demonstrou que a população deve possuir armas para sua autodefesa e proteção de seus interesses. É necessário obter armamento após cada ataque às fileiras da polícia, despojando-a de suas armas, capturando as mesmas dos depósitos e estabelecendo relações estreitas com os soldados recrutas, atraindo-os para seu lado.
 
Exigir da Grã-Bretanha a extradição de Bakiev, que ordenou os disparos contra a população em abril e tomou parte na organização dos massacres em Osh em junho de 2010.

Romper relações diplomáticas e econômicas com o Reino Unido da Grã-Bretanha uma vez que Bakiev foi abrigado por este, expropriar imediatamente todos os capitais ingleses e bloquear o abastecimento de soldados britânicos no Afeganistão através do Quirguistão. Proibir o transporte de carga para os exércitos da OTAN.
 
Os altos índices de miséria do povo não são resultado dos pobres operários de outras nacionalidades, mas da concentração da terra, recursos, empresas e finanças nas mãos das classes dominadoras e de capitais das multinacionais estrangeiras.

Para superar a pobreza é necessário cessar os pagamentos da dívida externa e a subtração dos meios de produção do país, nacionalizar sem indenização a terra, o capital estrangeiro, os recursos naturais, as grandes empresas da república e os bancos do país sob o controle das assembléias populares! Dar a terra a todos que desejem nela trabalhar! Nenhuma confiança no novo governo nem na “república parlamentar”!

Sob Otunbaeva o poder e a propriedade permanecem nas mãos da minoria e do capital estrangeiro, além disso, enquanto este governo se mantém no poder permite bases militares estrangeiras no território do país, cujos governantes clamam pela intervenção militar direta.
 
Unir os trabalhadores do país todo através do sistema de Kurultay (Assembléias populares) em todos os níveis: dos pequenos povoados à república inteira. Organizar urgentemente a Assembléia Kurultay suprema através de eleições de delegados de base que trabalhem para a discussão e a decisão dos problemas do povo. Os donos do país devem ser os trabalhadores quirguizes e não os proprietários das terras, a burguesia, os chefes dos clãs, as corporações estrangeiras, o exército ou os governos servis.

Com o governo de Otumbaeva a vida da população não melhorará porque este é um governo do imperialismo, dos latifundiários e dos patrões.

Para uma verdadeira mudança em favor dos trabalhadores será necessário derrotar o governo de Otunbaevoy, tomar o poder e estabelecer o poder operário, isto é, um governo dos trabalhadores!
 
Uma região com história em comum

A Ásia Central possui uma história antiga em comum, compreendida pelos territórios do atual Quirguistão, Uzbequistão, Turquemenistão, o sul de Cazaquistão, o noroeste da China (Uyguri), partes do Afeganistão e Irã. A combinação dos desertos com vales fluviais criou a base para a divisão dos povos nômades e agrícolas e para a diversidade étnica. O território sempre sofreu com os choques entre os povos nômades e as tentativas de formar estados de agricultores e com os choques entre estes últimos.

No território formaram-se e destruíram-se estados nas fronteiras que se diferenciavam por completo das atuais, contribuindo para o aparecimento de diferentes nacionalidades e ao mesmo tempo para o seu fracionamento. O desenvolvimento capitalista chegou ao território muito tarde e pelas mãos do capitalismo atrasado russo, que conservou as reminiscências feudais e a divisão entre clãs, etnias e nacionalidades.

Com a Revolução de Outubro na Rússia, os povos do antigo império czarista conquistaram a independência e na região surgiu uma série de repúblicas soviéticas no marco da URSS, com suas fronteiras inevitavelmente “cortando” os territórios onde viviam estes povos devido à variedade étnica e migrações internas.
 
Na região da Ásia Central vivem quirguizes, uzbeques, tadjiques, os uigures (hoje também os turcos-meshetintsy mandados por Stalin para este local, e os russos) etc. As fronteiras do Quirguistão, Uzbequistão, Tadjiquistão são muito confusas, situação agravada pelas populações de outros povos que vivem dentro da cada república vizinha. As fronteiras reais nacionais foram fortemente destruídas. Assim na cidade de Osh “quirguiz” a metade da população é uzbeque, nas cidades Bujará “uzbeque” e Samarkanda a maior parte da população é tadjique (também o grupo nacional importante no Afeganistão) etc.
 
Com o estabelecimento do poder soviético, o triunfo do internacionalismo revolucionário e o avanço no desenvolvimento social, tudo isto não representava um grande problema. Mesmo nas condições da política repressiva nacional de Stalin e da burocracia que se combinava harmoniosamente com os medievais clãs nacional-familiares (a forma de governo tradicional na região), os lucros socioeconômicos do estado operário asseguravam a paz na região, quando os operários de todas as nacionalidades viviam fraternalmente, sem conflitos. Até hoje a região recorda a época do estado operário como a idade de ouro, quando não existia inimizade entre os povos, quando todos viviam juntos. Mas tudo isto foi modificado com a restauração capitalista: a região entrou em um período de guerras e choques inter étnicos sangrentos.

Revolução e a contrarrevolução no Quirguistão
 
O sul do Quirguistão encontra-se na região do vale de Fergana, região mais alta no território da ex-URSS, com a maior densidade populacional, maior quantidade de latifundiários e variedade étnica. A situação complica-se com a existência dos clãs familiares. E o variado quadro nacional da região sempre foi utilizado pelos governos e a elite para dividir o povo trabalhador.

Acontecimentos similares aos atuais, já se sucederam nesta região do Quirguistão. Nessa época ainda, no final dos anos 80 a República Socialista Soviética do Quirguistão quando a burocracia estalinista dirigente do PCUS restaurou o capitalismo e, em toda a URSS começaram a surgir levantes revolucionários contra a ditadura restauracionista.

Nas repúblicas nacionais isto foi concretizado através da luta dos povos por sua autodeterminação, derrotada com o uso da força pelo governo restauracionista de Gorbachov. Para debilitar a luta dos trabalhadores e dos povos, o governo e a nova burguesia organizaram provocações que levaram os diferentes povos ao enfrentamento entre si. Como por exemplo, no lado quirguiz onde se espalharam rumores, que em algum lugar os uzbeques atacaram um jardim da infância e assassinaram as crianças.
 
Analogicamente tais rumores espalharam-se pelo lado uzbeque. Este esquema funcionou em todas as regiões das diferentes nacionalidades, onde as provocações encontraram solo fértil nos preconceitos que existiam historicamente, e alimentaram a desconfiança entre os povos.

No marco do processo revolucionário e da oposição contrarrevolucionária, em muitas repúblicas, especialmente na Ásia Central e no Cáucaso, onde o mapa nacional é bastante complexo, produziram-se sangrentos choques inter étnicos.

Desta maneira a luta dos operários e dos povos é desviada pela burocracia restauracionista e pela nova burguesia que faz com que os trabalhadores se posicionem do seu lado. Exatamente assim em 1990, na mesma cidade de Osh foi provocada uma guerra entre uzbeques e quirguizes, que passou à história como "o massacre de Osh".

As provocações nas condições específicas da região constituem-se em uma faísca num barril de pólvora. Desta vez os acontecimentos desenvolvem-se do mesmo modo, a partir das provocações análogas (neste caso «os uzbeques atacaram uma residência comunal feminina»).
 
Tradução: Érika Andreassy

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