sex mar 29, 2024
sexta-feira, março 29, 2024

Terceiro governo da Frente Ampla


No segundo turno, tal como era previsto, triunfou a Frente Ampla-FA com o 53,5% dos votos. Desta maneira ganha sua terceira eleição com maioria nas duas câmaras parlamentares. Como dizíamos depois do primeiro

turno (1), esta vitória eleitoral da FA se apoia principalmente em algumas concessões econômicas e democráticas ao movimento de massas, graças a uma década de crescimento da economia. Se bem que as ditas concessões não modificaram nenhum dos problemas de fundo, para “defender” essas conquistas e “não voltar atrás” é que a maioria dos trabalhadores e os mais pobres votaram na FA e recusaram mais uma vez à velha direita reacionária dos partidos Blanco e Colorado.



Este triunfo da FA, conjunturalmente, lhe dá um fortalecimento relativo, pois este se apoia nas ilusões de “continuar avançando”, mas sob o sistema capitalista. Isto choca frontalmente com a realidade: o baixo crescimento econômico mundial e regional se refletirá sem dúvidas, mais cedo ou mais tarde, em ataques aos salários, às condições de vida, e aos direitos dos trabalhadores. Os anúncios de Tabaré Vázquez, ainda durante a campanha eleitoral, de aumentar o salário em base à produtividade, de entregar “vouchers”[1] para ser usados no ensino privado e o aumento da idade para a aposentadoria, são uma amostra do que dizemos.



As bases frenteamplistas e o povo de modo geral, repudiaram à direita blanquicolorada nas urnas, ao ponto de levar à crise ao Partido Colorado que conseguiu um miserável 13% dos votos.



Mas Tabaré Vázquez e a presidente da FA, Mónica Xavier, mal se confirmou seu triunfo, convocaram os líderes da direita reacionária a “negociar” para discutir cargos no governo. Desta maneira a máxima direção da FA desde o início se coloca contra quem votaram neles e se preparam para resgatar a estes cadáveres políticos e inclusive premiá-los com cargos no governo, tudo em nome da “maturidade política” e o “diálogo”.



Esta contradição entre a direção da FA e suas bases, vai se aflorar com maior ou menor velocidade. A luta por defender as conquistas democráticas e econômicas, de “não voltar atrás”, vão se chocar inevitavelmente com o novo governo. O voto à FA desta eleição não é um voto sólido ou com grandes esperanças de mudança, senão que como dizíamos no artigo anterior, é considerado “o mal menor”, diante dos dinossauros colorados ou “a renovação” da dinastia neoliberal de Lacalle. A isto se soma à falta de uma verdadeira alternativa de esquerda, que seja consequente, com visibilidade e peso entre os trabalhadores e os setores oprimidos. Assim, muitos trabalhadores, estudantes e aposentados, apostaram com seu voto a impedir a volta da direita, e viram na Frente Ampla a “defensora das conquistas”.



Mas a FA revelou-se nestes dez anos de governo, como o que foi desde seu nascimento: um partido que tenta conciliar o irreconciliável, o operário com o patrão.



Por isso, chama aos dirigentes de direita ao governo, e nos quer convencer de que há “bons” patrões que nos permitirão desenvolver e melhorar a sociedade. Desta forma, personagens como Oscar Dourado (patronal do táxi), Juan Salgado (presidente da CUTCSA- CIA Uruguaia de Transportes Coletivos S.A), Gustavo Torena (o “Pato Celeste” da máfia Casal-Tenfield[2]) e empresas como Abitab (empresa líder do mercado de recebimentos e pagamentos) ou Fripur (empresa de pesca e industrialização de pescado), entre outras muitas personagens, apoiem ou façam parte deste partido.



A Frente Ampla é uma frente de conciliação de classes, e, portanto, uma trava que engessa a luta dos trabalhadores, tanto a nível sindical, mas, sobretudo político.



O papel da Frente Ampla é também evitar o surgimento de alternativas de esquerda com independência de classe. Seu papel consiste em semear ilusões em que o capitalismo pode humanizar-se, e que esta é a “única forma de poder governar”, pretendendo que nos conformemos com as migalhas que sobram dos grandes banquetes dos capitalistas nacionais e estrangeiros. “Em concreto: aspiram a corromper a classe trabalhadora com a tranquilidade, e assim adormecer seu espírito revolucionário com concessões e confortos passageiros.”, como já diria o lúcido Marx a respeito da burguesia “democrática”. (2)



Por isso, para “não voltar atrás”, para defender e avançar nas conquistas dos trabalhadores e o povo, para avançar para uma sociedade verdadeiramente justa, isto é, uma sociedade socialista, precisam romper com a camisa de força que nos impede de ir mais adiante. Sabemos que ainda muitos companheiros honestos, militantes de base e votantes, têm confiança na Frente Ampla. Respeitamos este sentimento, mas nós discordamos e devemos dizer com toda clareza, que a Frente Ampla, lamentavelmente, não é para nada o partido que precisamos os trabalhadores e o povo.



Nós da Esquerda Socialista dos Trabalhadores – LIT-QI estaremos como sempre o estivemos, junto a tuas lutas, nas ruas, as fábricas, com os jovens terceirizados e precarizados, na faculdade, liceus e escolas, para lutar por mais orçamento, por moradia e contra a privatização. Junto a estas luta operárias e estudantis, propomos construir uma verdadeira esquerda, organizar um partido sem patrões, sem burocratas sindicais nem generais patriotas.



Um partido que seja consequente com o anti-imperialismo e que não termine abraçado com Bush em Anchorena [3] e com os EUA com sua política criminosa, como o faz a direção da FA. Um partido que lute por uma educação para o povo e não uma educação mercantilista ao serviço dos capitalistas aplicando o Plano Bolonha[4], como o estão fazendo estes dirigentes da FA. Um partido que julgue e castigue a todos os assassinos, torturadores e golpistas, e não que se negue a julgá-los, mantendo-os em cárceres VIP, ou inclusive querendo libertar aos poucos os que estão presos, por “idade”, como o fazem os dirigentes da FA.



Todas estas lutas mais que pendentes que temos, são necessárias, mas devemos ter claro que são batalhas parciais, transicionais, que só conseguiremos manter e aprofundar em seus objetivos, se derrotarmos o sistema capitalista. Por isso, o partido que convidamos a construir juntos, é o partido para a luta pelo Socialismo em nosso país e no mundo, como única maneira de “não voltar atrás” e colocar todas nossas riquezas ao serviço de todo o povo trabalhador e oprimido.



 (1) O triunfo da Frente Ampla, segundo turno e perspectivas: (http://www.ist.uy/node/23)
(2) Carlos Marx: Circular da Liga Comunista – Londres, 1850 (http://www.marxists.org/espanol/m-e/1850s/50_circ.htm)



Tradução: Rosangela Botelho


[1] Bônus para que os alunos da educação pública passem as instituições privadas;

[2] A empresa Tenfield é propriedade de Francisco Casal, agente de jogadores de futebol, e possui direitos de televisionar o futebol uruguaio;

[3] Referência ao Encontro realizado, em março de 2007, entre os presidentes Tabaré Vasquez e George Bush em Anchorena, estância presidencial;

[4] Plano Bolonha – plano de privatização da educação implementado pelos governos da União Europeia;

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