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sexta-feira, abril 19, 2024

Nossa posição sobre a sentença da Corte de Haia


Independente do alcance da sentença ditada pelo Tribunal de Haia que uns e outros comemoram ou questionam, os trabalhadores do Peru e do Chile enfrentam dois governos, o de Humala e o de Piñeira, exploradores e servos do imperialismo, contra quem devemos hoje nos irmanar na luta.



Diante da próxima decisão do Tribunal Internacional de Haia, que definirá a delimitação marítima da fronteira entre Peru e Chile, os apelos “patrióticos” dos distintos atores políticos e empresariais soam nos meios de comunicação com o intuito de configurar um ambiente de “unidade nacional e de paz” entre peruanos.



Sem dúvida, trata-se de nos irmanarmos, nós que nos encontramos em franco conflito: o governo, com o povo vítima dos seus ataques, como a lei do serviço civil e a lei do professorado; os empresários, com operários superexplorados, demitidos e com demanda sem solução; as empresas mineiras, com comunidades cujas terras são invadidas; os estudantes, com autoridades universitárias corruptas e privatizadoras da Educação.



Tão comovedor é o palavrório “patriótico” que alguns já estão caindo na conversa, como os dirigentes da CGTP, que convocam suas bases, submersas em problemas trabalhistas, para a “unidade e paz” com os empresários.



É preciso dizer, com todas as letras: esses apelos são pura hipocrisia. Para o governo e os empresários, em primeiro lugar estão os negócios. E os negócios não têm bandeira nem pátria. Por isso, no seu atuar quotidiano, ambos pisoteiam a nossa soberania nacional.



Foram eles que entregaram o país às multinacionais da indústria mineira, do petróleo e do gás, os verdadeiros donos do Peru, multiplicando várias vezes o saque feito pela colonização espanhola. Foram eles que submeteram o país a vários tratados comerciais que fizeram do Peru o paraíso das “oportunidades”, e nos sujeitaram a organismos internacionais como o FMI e o Banco Mundial, e a governos imperialistas como os de Obama e Rajoy.



Aqueles que hoje dizem defender a “pátria” comportam-se como servos diante desses legítimos piratas. Tão servis que inclusive atuam como os seus mercenários. Ollanta Humala enfrentou a sangue e fogo os povos de Cajamarca e Espinar em defesa dos interesses da Newmont e da Xstrata. Alan García é responsável pela morte de dezenas de peruanos no “baguazo”, em defesa do TLC (Tratado de Livre Comércio) com os Estados Unidos e os interesses das petroleiras. Alejandro Toledo é o responsável pelas mortes em Arequipa e Puno, em defesa das privatizações.



Mas diante do Chile, um país da nossa mesma condição, o peito desses mesmos senhores se inflama de nacionalismo. Não estamos diante de um jogo de futebol. Estamos perante um fato político, onde esses autênticos traidores de pátrias procuram créditos com fins eleitorais.



No entanto, a sentença de Haia, com a qual se imagina que o Peru poderá se beneficiar, é uma espécie de reivindicação histórica diante da ferida não cicatrizada pelo conflito de 1879, a chamada “Guerra do Pacífico”. Se disso se trata, sucederá exatamente o contrário do que se espera, porque com a sentença, mesmo que se declare a soberania do Peru sobre o trecho de mar em disputa, se resolverá definitivamente o problema histórico com o Chile, e ao virar a página se dirá: “onde está o ‘nacionalista’ Ollanta Humala que já chegou a marchar com bandeiras peruanas pela fronteira?”



Quem ganha com a sentença?

 

Definitivamente, nós, trabalhadores, não ganhamos nada. A zona em litígio é particularmente rica em biomassa marinha, razão pela qual as grandes empresas dedicadas à pesca têm enormes interesses em que uma sentença favorável ao Estado peruano lhes permita ingressar na exploração de uma porção adicional de mar que valorizam em 200 milhões de dólares mensais, tal como hoje fazem as empresas pesqueiras chilenas.



Mas o problema não pára aqui. Não serão somente essas grandes empresas as que beneficiarão de uma possível delimitação favorável à demanda do Estado peruano: ademais a Sociedade Nacional de Pesca, assim como a Confiep (confederação das empresas privadas), vêm exigindo do governo que se permita a exploração dos recursos marítimos a partir da 1.ª milha, tal como ocorre no Chile, e não desde a 10.ª milha, como acontece no Peru atualmente.



Assim ocorre em tudo: somos peruanos, mas como trabalhadores temos apenas a nossa força de trabalho. Os donos das terras, das fábricas, dos bancos e do mar, tudo é propriedade dos capitalistas, e entre eles quem domina é o imperialismo.



Peru e Chile

 

No entanto, é evidente que não há nenhuma possibilidade de que a sentença leve os nossos povos a uma nova guerra. Ambos os países estão integrados comercialmente. Os empresários peruanos têm mais de 10 bilhões de dólares investidos no Chile, e os empresários chilenos, mais de 16 bilhões de dólares no Peru. O símbolo da culinária peruana, Gastón Acurio, é um dos maiores investidores no país sulista.



Além do mais, no Chile há mais de 70 mil peruanos trabalhando, que enviam remessas de dinheiro aos seus parentes no Peru, e na fronteira há uma intensa atividade comercial: Tacna recebe milhares de visitantes chilenos, que gastam 24 milhões de dólares por mês. E pelo caminho há mais negócios comuns, no marco da “Aliança do Pacífico”, bloco comercial que conta com a presença da Colômbia e do México e que se projeta até a Ásia-Pacífico.



Por isso mesmo, em ambos os países os governos e associações empresariais se empenham, na última hora, em baixar o tom dos seus discursos chauvinistas, para ressaltar que a sentença, ao resolver definitivamente a questão fronteiriça, dará início a uma nova etapa nas relações entre ambos os países.



A “unidade nacional”



Então, para que tanto barulho em torno da “unidade nacional”? A resposta foi dada pelo próprio Humala: a “unidade nacional” não é só para a sentença, mas também para depois dela, para apoiar o governo e as suas medidas.



Um governo que a cada dia cai mais nas pesquisas, que é vilipendiado por todos os setores, que enfrenta conflitos como o dos trabalhadores estatais contra a lei do serviço civil e dos povos de Cajamarca e Tia Maria em defesa das suas terras, necessita um respiro. E para isso utiliza o tema nacional de Haia. Necessita dessa respiro para continuar atacando, porque Humala e a patronal têm ainda pendente um pacote de medidas, como a recente privatização da Petroperu ou a tentativa de modificar o Código Penal que torna inimputáveis os policiais e membros do Exército que matem alguém “no exercício das suas funções”, ou seja, uma verdadeira carta branca para matar aqueles que protestam diariamente.



Uma posição de classe



As organizações dos trabalhadores e o povo que vêm lutando não podem fazer parte desse coro sem entrar em flagrante contradição com seus próprios interesses. Em defesa da soberania nacional, antes de tudo, nós, trabalhadores, estamos contra a entrega do país às multinacionais e lutamos por nossa independência do domínio imperialista, pois somente no marco de nossa soberania e independência como nação podemos aspirar a um salário justo e a um trabalho digno. E perante o diferendo marítimo em mãos da Corte de Haia, deixamos cada qual com o seu critério, porque os trabalhadores lutam historicamente pela unidade da pátria latino-americana pela qual sonhou e lutou Bolívar, o que só será possível quando acabarmos com o poder dos capitalistas e governarem os trabalhadores.



Assim como se unem os nossos exploradores para fazer negócios e entregar juntos os nossos recursos naturais ao imperialismo, nós, trabalhadores, também precisamos nos unir mais do que nunca com os trabalhadores e o povo pobre do Chile, para defender a soberania das nossas nações e unir as nossas lutas contra os capitalistas e governos que nos exploram e oprimem, na perspectiva de construir um mundo melhor para nossos povos.



O papel rasteiro da “esquerda”

 

No entanto, fazendo uso da sua já comum pouca vergonha, a “esquerda” agrupada na recém-formada Frente Ampla, em conjunto com os burocratas da CGTP, uniu-se ao coro nacional junto com o APRA (Ação Popular Revolucionária Americana), o PPC (Partido Popular Cristão), o Peru Possível, a Confiep e o governo de Humala, inclusive com invocações pela “paz e unidade”.



A “paz e unidade” é a que praticam estes senhores todos os dias com o governo e a patronal, enquanto nós, trabalhadores, temos de lidar sozinhos com os nossos problemas e lutas. O que a Frente Ampla e a CGTP procuram na realidade é fazer boa figura de modo a serem aceitos pela patronal como opção eleitoral, ainda que ao preço de pretenderem que os trabalhadores e os povos deixem de lutar por seus próprios interesses, e tentando diluir as profundas e verdadeiras fronteiras de classe que nos separam dos exploradores e seus serventes.



Lima, 25 de janeiro de 2014



Tradução: Miguel Almeida

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