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sexta-feira, março 29, 2024

Congresso sanciona proibição do aborto

Daniel Ortega, da Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) acaba de ser eleito na Nicarágua e uma de suas primeiras medidas foi um ataque brutal aos direitos das mulheres. O governo acaba de tornar ilegais todos os tipos de aborto no país. A medida foi aprovada por 52 votos a favor, nenhum voto em contra e 9 abstenções. Representantes dos dois maiores partidos do país, a Aliança Liberal e a Frente Sandinista de Liberação Nacional garantiram a votação. A lei aprovada inclui sentenças de prisão para mulheres que façam aborto e todos aqueles que as ajudem nesse procedimento. Os autores da lei queriam que a pena fosse de 30 anos de prisão, mas essa cláusula não foi aprovada. Atualmente, a mulheres que fazem aborto e todos os que as ajudam são sentenciados a uma pena máxima de seis anos de prisão.

 

Os opositores ao direito da mulher de decidir sobre seu próprio corpo, entre eles os líderes da igreja Católica (que é muito influente na Nicarágua) fizeram um lobby para pressionar o Congresso antes das eleições presidenciais, que ocorreram no último dia 7. De acordo com a agência de notícias Reuters, “Centenas de pessoas protestaram do lado de fora da Assembléia Nacional, na capital” contra a ilegalização do aborto no dia anterior. Entre os manifestantes estava a ativista Xiomara Luna, que disse que “Eles estão forçando as mulheres e jovens a morrer. Eles não são pro-vida, mas pro-morte.” Um mês antes, em outubro, milhares  de pessoas participaram de uma marca contra o aborto em Manágua, organizada pela igreja e outros grupos.

 

Ortega manteve a lei de Somoza e agora nem isso

 

Até a legislação da época da ditadura Somoza era mais branda. Na Nicarágua, o aborto era legal se três médicos diagnosticassem que a vida da gestante corria perigo, ou se a gravidez fosse resultado de um estupro ou incesto, e somente se a mulher tivesse o consentimento do marido e outros familiares. Agora, até essa permissão, bem rebaixada e que pouco resolvia o problema das mulheres, foi derrubada pela nova lei, com o aval de três dos quatro principais candidatos a presidente, inclusive Daniel Ortega, da FSLN. Segundo o jornal Los Angeles Times, “Em setembro, Ortega assinou uma declaração escrita pelos líderes evangélicos declarando que as leis do aborto existentes na Nicarágua são um ‘pretexto para legalizar todos os tipos de aborto.”

 

A posição do líder da FSLN sobre o aborto é coerente com sua declaração sobre a questão tomada em meados dos anos 80, quando ocorreu um debate público na Nicarágua sobre a necessidade de rediscutir a legislação que data da época da ditadura de Somoza proibindo praticamente todos os casos de aborto. A lei foi mantida intacta pelo governo da FSLN, que chegou ao poder em 1979 por meio de uma insurreição popular que derrubou Somoza. O governo da FSLN manteve a legislação apesar de que milhões de mulheres morrem todos os anos ou ficam com graves seqüelas devido a abortos induzidos.

 

No dia 26 de setembro de 1987, num ato organizado pela Associação Nicaragüense de Mulheres, Ortega expressou seu ponto de vista. Disse que devido à pequena população da Nicarágua em relação ao seu território, e a “política genocida” da qual o país era vítima por parte dos EUA, “os que estavam no front lutando contra essa agressão eram homens jovens. Uma forma de destruir nossa juventude é promover a  esterilização das mulheres na Nicarágua ou levar adiante uma política de aborto.” Para Ortega, “o problema é que a mulher é quem reproduz. O homem não pode cumprir esse papel.” Algumas mulheres, disse, “aspiram ser liberadas,” decidem não ter filhos. “Uma mulher que faz isso, nega sua própria continuidade, a continuidade da espécie humana.” O ato foi coberto pelo jornal The Militant, que informou que as declarações de Ortega causaram grande revolta entre as mulheres, e que no final ele foi cercado por muitas delas, que expressaram seu repúdio.

 

O jornal The Militant informa também que em 1989 a Associação Nicaragüense de Mulheres planejava apresentar um projeto de lei na Assembléia Nacional para legalizar o aborto e penalizar a violência contra a mulher e o estupro. No entanto, as líderes da Associação foram pressionadas pela FSLN a não fazer isso, argumentando que levantar temas como direito ao aborto, contra a violência à mulher e contra o estupro poderiam criar confusão e prejudicar os candidatos da FSLN no período eleitoral. Uma breve declaração da delegação da FSLN na Assembléia Nacional, em agosto de 2006, confirma essa posição: “Nós somos um partido a favor da vida. Por isso nós reafirmamos o nosso respeito, promoção, desenvolvimento e proteção das vidas dos homens e mulheres. e, conseqüentemente, nós somos contrários ao aborto.”

 

De acordo com o Ipas, grupo norte-americano de direitos reprodutivos, apenas 24 abortos autorizados foram feitos na Nicarágua nos últimos três anos, enquanto 32.000 abortos ilegais são feitos no país a cada ano. As taxas de mortalidade materna e infantil na Nicarágua estão entre as mais altas da região, com os abortos clandestinos contribuindo com 16 por cento do total de mortes maternas.

 

As mulheres da Nicarágua, que lutaram de armas nas mãos em 79 na luta contra o ditador Somoza, e que depositaram sua confiança na Frente Sandinista, agora têm aí mais uma prova de como essa direção passou de armas e bagagens para o lado da burguesia e das multinacionais. “Quero dar segurança ao setor privado, aos investidores nacionais e estrangeiros”, declarou Ortega ao vencer as eleições. É mais uma demonstração de que o seu governo não terá qualquer compromisso com os trabalhadores e o povo da Nicarágua. Por isso, às mulheres nicaragüenses só resta retomar o caminho da luta pelos seus direitos e de todos os trabalhadores, exigindo que essa lei infame, que coloca a Nicarágua na retaguarda de todo o continente, seja derrubada. Em todos os outros países latino-americanos, inclusive no Brasil, o aborto só é permitido em casos de risco de vida para a mãe e quando a gravidez resulta de estupro. Em toda a América Latina, o aborto é legal apenas em Cuba e Porto Rico. É preciso lutar pela legalização em todos os outros países, para que as mulheres que assim o desejarem, possam fazer o aborto em hospitais públicos, com toda segurança, única forma de acabar com a mortandade materna que cresce a cada dia em nossos países.

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