sex mar 29, 2024
sexta-feira, março 29, 2024

Os verdadeiros objetivos do governo com a consulta

A classe trabalhadora e a esquerda revolucionária enfrentam um novo desafio político diante da consulta–referendo proposta pelo governo de Rafael Correa.

Mas além do alcance e do conteúdo das 10 perguntas é necessário que os equatorianos tenham uma visão global sobre os verdadeiros objetivos do regime com este suposto ato democrático.
 
Não somos contra que se consulte o povo, mas que se utilize este mecanismo para legitimar políticas antipopulares. É necessário ter claro que nem toda consulta é benéfica para as classes populares. Governos fascistas como os de Hitler, Mussolini e Pinochet a nível internacional, e Febres Cordero ou Sixto Duran no país, realizaram consultas à população para se legitimarem no poder. Seu caráter democrático depende dos conteúdos, do alcance e das perspectivas que se busca com a consulta.
 
Temas de importância para o país e de forte impacto na situação social, econômica e política dos equatorianos, como a continuidade do modelo extrativista, a exploração mineira em grande escala, o futuro do projeto ITT [1], a política petrolífera, o endividamento externo e interno, os novos impostos anunciados sobre os medicamentos e sobre as ligações telefônicas, a eliminação dos subsídios, a universalização da previdência social, a utilização das Forças Armadas para a repressão interna, não foram levados em conta nas perguntas que realiza o governo na consulta.
 
A consulta não resolve o problema do judiciário
 
A consulta do governo tem como eixo central os problemas vinculados a administração do poder judiciário, como a ineficácia do mesmo, a corrupção dos juízes, e o tema da insegurança: o aumento do número de crimes e a impunidade de muitos criminosos. No entanto, o governo não ataca as causas de fundo deste problema, e tampouco propõe as soluções para acabar com eles definitivamente. Não se disse aos cidadãos que estes são problemas estruturais, arraigados em um sistema socioeconômico e político como é o capitalismo, construído em cima da desigualdade social, da exclusão das maiorias e da discriminação de todo tipo (racial, regional, de gênero, social, política, cultural, etc.). Portanto, é uma mentira dizer que através da consulta se solucionarão estes temas.
 
Para enfrentar a crise do poder judiciário, (pergunta 4), o governo planeja mudar o sistema de nomeação estabelecido na Constituição e na Lei, substituindo o Conselho do Judiciário[2] por uma “Comissão Técnica” composta de três membros designados pelo Presidente da República, pela Assembléia Nacional e pelo Conselho de Participação Cidadã, nos quais há controle por parte do Estado.É claro que a intenção do governo é controlar o judiciário para neutralizar a oposição e principalmente, para deter as lutas dos trabalhadores e dos movimentos sociais, criminalizando os dirigentes e os ativistas sociais que se oponham as suas políticas. Não esqueçamos que atualmente existem mais de uma centena de dirigentes indígenas, camponeses, ecologistas, estudantes e professores que estão sendo julgados e encarcerados por participarem de protestos em defesa de seus legítimos direitos.
 
A pergunta 5 coloca que modificando a composição do Conselho do Judiciário se conseguirá uma administração eficiente do judiciário. Não é cair num simplismo considerar que o problema se resolverá trocando algumas pessoas por outras?
 
O tema da justiça é muito complexo e tem implicações sociais e políticas de fundo: tenhamos em conta a realidade, ou seja, “a acumulação de mais de um milhão de causas represadas ou sem solução, a existência de 160 populações com um pobre ou inexistente acesso à justiça, centros de detenção onde 93% estão abarrotados, com um sistema ultrapassado, corrupto e inseguro”, segundo declarações do próprio Ministro da Justiça
 
A consulta não resolverá o problema da insegurança
 
Com o problema da insegurança, tema de grande preocupação da população, ocorre uma situação similar, já que a suposta solução proposta pelo governo na pergunta 1: mudar os prazos para prescrição da prisão preventiva, não somente é inconstitucional e atenta contra os direitos básicos das pessoas, assim como poderá agravar a falta de segurança, já que eliminará o limite que têm os juízes para julgar oportunamente e sentenciar as pessoas à prisão.
 
Por trás destas idéias estão as velhas concepções da direita que considera que ao aumentar as penas se reduzem os delitos. Além disso, esta pergunta vai contra uma garantia fundamental estabelecida na Constituição, que é a prescrição da prisão preventiva quando não há sentença no prazo de um ano. Será que o governo não percebe que abarrotar as cadeias é o melhor mecanismo para que os detentos não se reabilitem, e acabem se afundando mais nas garras da delinquência, e como resultado, aumente a insegurança?
 
O controle dos meios de comunicação
 
Outro tema delicado na consulta está relacionado com a criação de um Conselho de Regulação que normatize a transmissão e os conteúdos dos meios de comunicação (Pergunta 4 – sobre temas gerais). Neste ponto o problema central não é a criação do Conselho, mas sim a sua conformação, ou seja, quem vai determinar se os conteúdos difundidos nos meios de comunicação são adequados? Pretende o governo controlar o Conselho e por consequência determinar os conteúdos que podem ou devem ser difundidos? Se assim for, estamos diante de um claro atentado ao princípio da liberdade de expressão.
 
É certo que a grande mídia tem cometido excessos e está a serviço dos grandes grupos de poder econômico, o que converte em uma falácia o princípio da livre expressão, mas a solução não deve ser o controle dos grandes meios de comunicação pelo governo, mas sim uma distribuição mais democrática dos mesmos.
 
Perguntas para ganhar popularidade
 
Outras perguntas como a proibição para que instituições privadas sejam donas de meios de comunicação, que se considere delito a não contribuição dos trabalhadores ao IESS [3] e o enriquecimento privado não justificado, são aspectos positivos em que podemos concordar, mas já têm precedentes legais e não necessitam de uma consulta para aplicá-los. O objetivo destas perguntas, assim como da proibição dos jogos de azar e dos espetáculos onde se sacrifique animais, é ganhar popularidade em certos setores como os trabalhadores e os jovens, a fim de assegurar o resultado da consulta.
 
Conclusões
 
Portanto, os objetivos do governo ao realizar a consulta-referendo, não é dar soluções aos problemas bastante complexos como a falta de justiça e de segurança. O que pretende é uma maior concentração de poder através do controle do poder judiciário e dos meios de comunicação, ou seja, um projeto autoritário, muito perigoso para as organizações sociais e populares que não estão de acordo com o modelo extrativista e com as políticas antipopulares do governo de Correa.
 
O MAS (Movimento ao Socialismo) faz um chamado a fortalecer a Frente Ampla das Organizações Populares, Sociais e Políticas que surgiu para dizer NÃO ao projeto autoritário e de concentração de poder que o governo quer implementar através da consulta. A tarefa fundamental do momento é conquistar a mais ampla unidade com indígenas, camponeses, professores, estudantes, defensores do meio ambiente e das mulheres e homens que estão dispostos a lutar por seus direitos e liberdades básicas.
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NdT:
[1] Projeto ITT – sigla tomada do nome dos três poços de exploração de petróleo na Zona: Ishpingo-Tambococha-Tiputini. Discute a política petrolífera equatoriana nesta região da Amazônia.
[2] Órgão máximo de coordenação de políticas entre as instituições do Poder Judiciário
[3] Instituto Equatoriano de Previdência Social
 
Fonte: Tribuna Socialista n. 31, Março 2011
 
Tradução: Thaís Rossi

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