sex mar 29, 2024
sexta-feira, março 29, 2024

A Lei de Educação Superior não resolve os problemas fundamentais da universidade

A nova Lei de Educação Superior (LOES) entrou em vigência no dia 12 de Outubro, depois do veto do poder executivo. O presidente Correa deixou de lado uma série de acordos e sugestões realizadas por diferentes universidades e setores da academia, depois de um ano de reuniões e discussões com os integrantes da Assembléia Nacional.

Apesar de a lei apresentar alguns aspectos positivos, sobretudo na parte declarativa, afeta alguns princípios da educação superior como a autonomia, o co-governo universitário e os direitos de professores, estudantes e trabalhadores.

Aspectos positivos:

• O mais destacado aspecto positivo é que se garante a gratuidade da educação pública até o terceiro nível (Arts. 11 e 80) com a condição da resp0nsabilidade acadêmica, ou seja, não se aplica para as perdas de disciplinas. Além disso, limita-se a cobrança de matrículas e não leva em consideração o conjunto dos gastos para graduar-se.

• Declara que a educação superior constitui um direito das pessoas e um bem público e social e não estará a serviço dos interesses individuais e corporativos (Art. 3).

• Mantém o FOPEDEUPO – Fundo Permanente de Desenvolvimento Universitário e Politécnico (Art. 20), mas não deixa explícito que seja destinado ao menos 5% do orçamento geral do Estado ao fundo, que era a aspiração das universidades.

• Fica estabelecida a oferta de recursos para publicações, subsídios para professores e para a pesquisa no marco do desenvolvimento nacional (Art 36).

• Proíbe-se a cobrança de taxas para a utilização de laboratórios, bibliotecas, acesso a serviços de informática, cursos de informática e utilização dos bens universitários como um tudo (Art. 80, f).

• Estabelece critérios mais estritos para o funcionamento das universidades (Arts. 95 e 96) e para a criação de novas universidades e escolas politécnicas como, por exemplo, ter um corpo docente com pelo menos 60% dos professores com dedicação exclusiva, infra-estrutura tecnológica própria, laboratórios especializados, contar com bibliotecas, videotecas e mais recursos técnicos e pedagógicos (Arts. 108 y 11).

• Proibição para criação de Instituições de Educação Superior particulares com financiamento fiscal (Art. 110) e fins de lucrativos (Art 161.). No entanto, fica mantido o apoio econômico do Estado para as instituições que já o vinham recebendo.

O mais negativo:

• Cria-se uma Secretaria de Educação Superior, Ciência e Tecnologia como responsável da função executiva (o Secretário é nomeado pelo Presidente da República) com amplas atribuições que excedem as de um organismo de coordenação. Essa Secretaria atuará como uma “reitoria da política pública de educação superior” (Art. 182), atribuição que antes tinha o CONESUP. Esta decisão praticamente coloca em xeque a autonomia auniversitária.

• Reduz em 50% de proporção a representação estudantil e dos trabalhadores no conselho universitário com o argumento que os estudantes são manipulados politicamente.

• Na constituição do Conselho de Educação Superior, organismo máximo de planificação, regulamentação e coordenação do sistema universitário, não estão presentes as universidades; o mesmo é formado agora por 10 pessoas: quatro delegados do executivo e seis eleitos por concursos baseados na meritocracia. (Art. 167).

• O Conselho Nacional de Certificação e Asseguramento da Qualidade tem um diretório, onde três dos seus seis membros são designados pelo Presidente da República e um deles simplesmente é o presidente do dito organismo, de modo que o conselho será controlado diretamente pelo poder executivo, ficando comprometida sua função de órgão técnico (Art. 175).

• Elimina a atribuição que tem as universidades de entregar títulos de nível técnico ou tecnológico, os quais só poderão ser emitidos por institutos superiores técnicos ou tecnológicos (Art.118). Desconhece-se, desta maneira, a capacitação de universidades como a Escola Politécnica Nacional para assegurar este tipo de formação com um adequado nível acadêmico.

• Impõe-se aos professores titulares principais que, no lapso de 7 anos, obtenham um título de doutorado (PHD). Caso contrário, os mesmos perdem automaticamente essa condição. Evidentemente, é necessário promover a capacitação dos docentes universitários ao mais alto nível. No entanto, rebaixar de nível um professor que adquiriu por meio do cumprimento dos requisitos legais é um atentado contra os direitos humanos.

A LOES não enfrenta os problemas fundamentais da universidade.
 
Para além dos aspectos positivos e negativos da LOES, o debate central é que a lei não apresenta saídas para os problemas de fundo que as universidades enfrentam há décadas e que configuram um quadro de uma verdadeira crise estrutural no ensino superior do país.

O governo qualificou a universidade equatoriana de medíocre e ineficiente, dando ênfase a certos aspectos da crise, como a massificação do ensino, o excesso de oferta profissional em certas áreas, a politicagem de certos grupos, mas, em nenhum momento, se referiu às verdadeiras causas da crise pela qual passa o ensino superior. Por exemplo, a que o estado não cumpriu com suas responsabilidades para com a universidade pública, não lhe dotou dos recursos suficientes e, sobretudo, implementou políticas neoliberais desenhadas por organismos internacionais como o Banco Mundial com a finalidade de privatizar a educação a educação superior. Estas políticas se refletiram na mercantilização da educação e na proliferação de universidades e institutos que se formaram com o único fim de obter vantagens econômicas (universidades de fundo de quintal), entregando diplomas fáceis e competindo deslealmente com a educação pública.

Alguns temas fundamentais que a LOES não resolve são:

A vinculação da Universidade com a sociedade, o descompasso entre a oferta e a demanda de carreiras profissionais, que vem ocasionando o desemprego profissional, e o pequeno aporte que a universidade dá à investigação científica e tecnológica.

Vinculação da Universidade com a Sociedade
 
Uma das tarefas da universidade é contribuir para a solução dos problemas do país, especialmente dos setores mais empobrecidos (a universidade a serviço do povo). O governo vem colocando que a universidade deve se vincular aos grandes objetivos nacionais através do cumprimento do Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) elaborado pela SENPLADES. Mas, na prática, o modelo de desenvolvimento que o governo privilegia é o modelo extrativista baseado na exploração dos recursos naturais. O PND coloca que, em médio e longo prazo, o país deve encaminhar-se para um modelo terciário exportador de serviços como o turismo e a biotecnologia. Isto significa, na prática, a renúncia, pela construção de um modelo nacional de desenvolvimento fundamentado num Sistema Nacional e Tecnologia que sirva de sustento para a autodeterminação e a soberania do país. 

O desemprego profissional causado pelo descompasso entre a oferta e a demanda

O governo deu a entender que este problema é responsabilidade das universidades por seguir insistindo em carreiras que já estão saturadas, como Direito, Administração, Arquitetura, etc. Mas aqui, novamente, é necessário diagnosticar as causas de fundo deste problema que é consequência do modelo primário exportador que rege a economia do país, do nosso baixo nível de industrialização e da crônica dependência da tecnologia importada.

No entanto, se produziu um falso e ilusório discurso modernizador que prega a seguinte idéia: se nos integramos à globalização e abrimos o país para o investimento estrangeiro, o país crescerá e aumentarão as oportunidades para empresários e empreendedores. Na realidade, o que vem ocorrendo é exatamente o oposto. Com a globalização e a abertura comercial, as grandes beneficiadas são as empresas multinacionais e os monopólios nacionais associadas a elas, enquanto que as mais prejudicadas são as pequenas e microempresas nacionais que não podem competir em mercados tão desiguais.

Além disso, sabemos que, na economia capitalista, o desajuste entre a o oferta e a demanda é permanente e depende das diferentes condições do mercado. Ainda sobre o tema do mercado de trabalho, é válido dizer que ajustar a oferta à demanda de maneira imediata não é possível. A única possibilidade de conseguir esse equilíbrio seria através de uma economia centralmente planificada.

Pequena contribuição universitária à investigação científica e tecnológica

Segundo o governo, este problema se deve à ineficiente gestão das universidades e sua orientação profissionalizante. É preciso reconhecer as deficiências que tem a universidade para contribuir para o desenvolvimento da investigação científica e tecnológica. Mas a raiz do problema está no fato do país não possuir um sistema de ciência e tecnologia que integre o esforço universitário às necessidades do Estado e às demandas dos diversos setores sociais. E esta carência responde à dependência estrutural da economia equatoriana e nosso papel de produtor de matérias primas na divisão internacional do trabalho.

Se continuarmos adotando o modelo exportador de produtos primários e extrativista dos recursos naturais, não há necessidade de construir um sistema de ciência e tecnologia que nos permita substituir as empresas transnacionais privadas e públicas por empresas próprias. Caso optemos pela segunda perspectiva, o papel da educação, especialmente da educação superior, é chave. O que necessitamos é formar profissionais e cientistas capazes de realizar inovações tecnológicas de acordo com a nossa realidade e são somente técnicos que, no melhor dos casos, sabem utilizar a tecnologia estrangeira. Necessitamos de pessoas críticas e comprometidas com um projeto de transformação e não força de trabalho submissa aos interesses do grande capital.

Tradução: George Bezerra

Confira nossos outros conteúdos

Artigos mais populares