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sexta-feira, março 29, 2024

Não foi um acidente, foi uma tragédia anunciada

Rompimento da barragem em Bento Rodrigues, distrito de Mariana (MG), está ligado à política das empresas mineradoras que buscam aumentar a produção, cortar custos e diminuir a mão de obra.

Por: Jerônimo Castro (PSTU Mariana)

Pouco antes das 15 horas do dia 5 de novembro, o telefone do Sindicato Me­tabase Inconfidentes, filiado à CSP-Conlutas, tocou. Um tra­balhador da Samarco diz que a barragem de rejeito havia es­tourado em Mariana (MG). O sindicato tem uma subsede na cidade. Perguntamos se era gra­ve e se haviam vítimas. A res­posta dele deixou claro o que estava por vir. Disse que a bar­ragem não existia mais e que tinha muita gente lá.

Nas primeiras horas após o rompimento da barragem, vá­rios trabalhadores nos ligam. Perguntavam se tínhamos no­tícias, passavam números de­sencontrados, na maioria dos casos estavam atordoados com a tragédia que estavam vivendo. As palavras fortes iam sur­gindo entre os próprios traba­lhadores para descrever os fatos: tragédia, devastação, catástrofe.

Ao ligarmos para a empresa, silêncio, informações dúbias, diante de um dos piores acon­tecimentos da história da mine­ração brasileira que, diga-se de passagem, lucrou bilhões de dó­lares nos últimos anos. A ação da empresa nas primeiras horas foi uma atitude fria, que busca­va esconder a incapacidade e a falta de preparo para enfrentar os acontecimentos.

Solidariedade do povo: A população reagiu diferente

No início da noite do dia 5, quando as proporções da tragé­dia começavam a se desenhar claramente, foi a população que reagiu primeiro. Em um debate de estudan­tes da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), realizado para recepcionar os calouros, prestou-se a primeira homenagem às vítimas da ganância da em­presa. Também aí se gestou um primeiro ato de denúncia contra a Vale: paralisar uma de suas minas, a de Timbopeba, na madrugada do dia seguinte.

Às 22 horas, o centro de convenções de Mariana já es­tava sendo tomado por popu­lares que levavam roupas e alimentos para os atingidos. A reação foi tão forte que três dias depois, em 8 de novem­bro, já se anunciava que não era mais necessário levar do­ações para os atingidos.

Ao mesmo tempo, na Are­na Mariana, um estádio po­liesportivo próximo à úni­ca Unidade de Pronto Aten­dimento (UPA) da cidade, montou-se um centro de recep­ção aos atingidos. A reação foi instantaneamente a mesma, centenas de voluntários, na sua maioria jovens, apre­sentaram-se para ajudar a socor­rer os desabrigados.

Com a chegada dos primeiros moradores de Bento Rodrigues, a tragédia toma sua proporção mais humana, mais real, concre­ta. Na maioria dos casos, pessoas extremamente simples e que perderam tudo buscavam reen­contrar seus parentes.

Um pão para meu filho

De todas as narrativas que ouvi nestes dias, foi a de uma mãe que estava neste abrigo a que mais me tocou. Na distribuição de pães, fei­ta pela manhã do dia seguinte à ruptura da barragem, uma mulher pede dois pães, um para ela e outro para seu fi­lho. Quando foi perguntada so­bre onde estava a criança, ela respondeu: “ainda não chegou, mas vai chegar”. Ela esperou o filho por todo o dia, e era pos­sível vê-la no início da noite, com o pão na mão esperando pela sua chegada.

A culpa é da empresa e dos governos

O que aconteceu foi, sem sombra de dúvida, trágico e devastador, mas não foi aci­dental. Foi o resultado de uma po­lítica da empresa, do estado de Minas Gerais e do Estado brasileiro, que poderiam ter evitado a catástrofe. Um simples posto de comu­nicação no distrito de Bento Rodrigues, com um funcioná­rio e um sistema de comunica­ção eficiente, teria permitido a retirada de todos os moradores da localidade.

Os trabalhadores e o sindi­cato têm constantemente de­nunciado a política das empre­sas mineradoras, que buscam ao mesmo tempo aumentar a produção, cortar custos e di­minuir a mão de obra. A resultante desta equação é que menos trabalhadores tra­balham mais e recebem me­nos. Em uma atividade como a da mineração, considerada de risco, aumentar a jornada, de forma direta ou indireta, significa ter um trabalhador em piores condições quando ele precisa de um máximo de atenção.

A Samarco é uma mineradora de capital fechado, com uma composição acionária de 50% para a Vale e 50% para a anglo-australiana BHP Billiton. Essas duas empresas são as maiores mineradoras do mundo e a Samarco é a décima maior exportadora do país.

Governo de Minas diz que empresa é vítima

O rompimento da barragem da Samarco/Vale revelou cla­ramente que não existe uma fiscalização das empresas mi­neradoras. Até aí, algo que to­dos os trabalhadores já sabem.

No entanto, revelou algo menos conhecido: a absurda posição do governo de Minas sobre a tragédia: “Neste pri­meiro momento temos que ser solidários, tanto com a empre­sa, que também é uma vítima, como com a população e os tra­balhadores”, disse o secretário de Estado de Desenvolvimen­to Econômico, Altamir Rôso, em um Fórum de mineração realizado na sede da Federa­ção das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg). Ou seja, na opinião do secretário há três vítimas: a população das comunidades atingidas, os trabalhadores mortos e a empresa que causou todo este caos. Pior ainda, diante da si­tuação, o mesmo secretário declarou: “discordo que não haja rigidez no licenciamento ambiental, pelo contrário. Afir­mo com toda tranquilidade que existe excesso de rigidez no li­cenciamento e um excesso de órgãos envolvidos”. Ele ainda completou: “Alguém precisa fis­calizar, não precisa ser o Esta­do, que pode delegar a outros. Uma empresa pode ser contra­tada para fazer isso”.

Ou seja, diante da maior tragédia da mineração brasi­leira, o secretário do estado diz que o problema é o excesso de fiscalização e que a solução do problema é privatizar essa fiscalização. Como diz um di­tado popular, o que secretário propõe é colocar o bode para cuidar da horta.

Queremos a verdade

A empresa e o Estado estão mancomunados com o obje­tivo de esconder as verdadei­ras proporções da tragédia provocada pela ruptura das barragens de rejeito da Sa­marco. Queremos saber exa­tamente quantos trabalhado­res entraram nas instalações da empresa naquele dia e quantos saíram. A empre­sa tem cartão eletrônico que gera um documento, portan­to de fácil averiguação.

Do mesmo modo, queremos que a prefeitura de Mariana divulgue quantas pessoas viviam em Bento Rodrigues, quantas foram resgatadas e onde elas estão.

Exigimos que a empresa apresente já a composi­ção exata da barragem de rejeito. Não se sabe que produtos químicos exis­tem na lama que conta­minou pessoas, animais, rios e águas.

O que propomos

1. Em primeiro lugar, é necessário socorrer as víti­mas da tragédia. Os moradores de Bento Rodri­gues precisam ter suas vidas totalmente recons­truídas. A responsabilidade por isso é, em primeiro lu­gar, da Samarco/Vale. Os danos causados aos moradores devem ser inteiramente ressarcidos, casas, plantações, hortas, animais domésticos ou de criação.

2. Não foi um acidente! Os responsáveis por esta tra­gédia têm que ser responsabilizados. Não apenas queremos que as perdas sejam ressarcidas. Os en­volvidos na tragédia, os responsáveis pela fiscalização, aqueles que dentro da empresa “garantiam” que se podia seguir trabalhando normalmente, devem ser punidos.

3. Exigimos que os danos provocados ao meio am­biente sejam revertidos. E os irreversíveis sejam ressarcidos.

4. A Samarco não pode jogar nas costas dos traba­lhadores, diretos ou terceirizados, o ônus pelos erros que ela cometeu. Ela tem que garantir sa­lário e emprego a todos os seus funcionários, primários e terceiros, até que a empresa volte a funcionar.

5. Os grandes acionistas da Samarco/Vale deixaram claro que não conseguem administrar uma gran­de empresa mineradora. É necessário estatizar a Samarco imediatamente, sem indenizações e sob controle dos trabalhadores, garantindo às comunidades o direito de opinar sobre seu funcionamento.

6. A tragédia da barragem da Samarco deixa cla­ro que é necessária mais fiscalização e controle sobre a mineração. Os trabalhadores têm que ter condição de fiscalizar as obras e operações das grandes mineradoras. É necessário que os trabalhadores possam eleger agentes de saúde e segurança, no número de um para cada cinquenta trabalhadores. Uma comissão des­te tipo se somaria à Comissão Interna de Prevenção de Acidentes na Mineração (CIPAMIN) com o objetivo de proteger a vida e a segurança dos trabalhadores.

7. As comunidades afetadas pelas grandes minera­doras têm que ser consultadas e envolvidas no processo de concessão, manutenção e operação dos grandes projetos minerários. Precisam ter o direito de opinar, ter garantias sobre a própria segurança e a de seus meios de vida.

8. A preservação do meio ambiente, dos parques na­cionais, do solo, dos grandes mananciais e reser­vas d’água, num momento em que muitos destes recursos estão sendo degradados, deve ser um elemento de equilíbrio entre a necessidade real de minerar e os danos que este empreendimento causa ou pode causar.

9. A privatização das mineradoras no Brasil, em es­pecial da Vale e da Companhia Siderúrgica Na­cional (CSN), foi um roubo. A privatização signi­ficou um aumento de doenças, demissões, diminuição de salário, desrespeito às comunidades atingidas, destruição do meio ambiente, acidentes e mortes. Tudo isso para ga­rantir o lucro de meia dúzia de acionistas. Só a reestati­zação das empresas mineradoras, sob o controle dos tra­balhadores e com a garantia das comunidades opinar ­sobre seu funcionamento, poderá reverter este processo.

 Jornal Opinião Socialista nº 508, 12 a 25 de novembro de 2015.

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