sex mar 29, 2024
sexta-feira, março 29, 2024

A revolução continua

Depois de atrair o grosso da atenção mundial entre 2012 e 2013, o curso da guerra civil síria passou de certa forma a um “segundo plano”. 

O prolongamento do conflito, que em 41 meses aumentou sua complexidade política e está praticamente “em um atoleiro” no plano militar, certamente contribui a toda uma campanha de desprestígio e isolamento da revolução síria, impulsionada pela direita e pela “esquerda”.

Isto sem contar com a aparição de outros conflitos que ocupam o debate internacional, como o ucraniano, o avanço do Estado Islâmico (antes denominado Estado Islâmico do Iraque e o Levante) e a proclamação de um “Califado” no noroeste do Iraque, ou a recente agressão militar sionista ao povo palestino.

No entanto, a importância política da guerra civil na Síria não diminuiu. A luta encarniçada entre revolução e contrarrevolução no país árabe desordena todos os demais conflitos circundantes e segue sendo determinante para a dinâmica de todo o processo revolucionário que se desenvolve no Oriente Médio.

No terreno especificamente militar, os combates continuam com intensidade. A devastação do país, também. Segundo o Observatório Sírio para os Direitos Humanos (OSDH), seis milhões de sírios são desalojados internos e três milhões se transformaram em refugiados que sobrevivem dispersos em outros países.

A mesma fonte mostra que a quantidade de mortos está em 190.000 pessoas, dos quais um terço é civil (sendo que  9.000 deles são crianças). A ONU, por sua parte, em maio contava em 520.000 as vítimas entre falecidos e feridos durante a contenda. A medida que a guerra se estende, a política genocida da ditadura síria se faz mais evidente. O uso de agentes químicos[1] como o gás mostarda, bombas de cloro e barris carregados com explosivos contra a população civil, são apenas algumas mostras de que Al Assad está disposto a tudo para manter-se no poder.

Quanto às baixas militares, estas se dividem ao redor de 65.000 soldados do exército de Al Assad e 46.000 rebeldes sírios. O Hezbolah, que combate ao lado da ditadura, perdeu pelo menos 500 homens desde que começou sua incursão na Síria[2]. Especialistas estimam que o custo da guerra poderá chegar a 170 bilhões de dólares.

A ofensiva da ditadura

No último ano, o regime de Al Assad lançou uma ofensiva sobre as zonas que antes haviam sido libertadas pelas milícias rebeldes, que basicamente estão compostas pelo Exército Livre Sírio (ELS), a Frente Islâmica, a principal força insurgente sobre o terreno com cerca de 45.000 soldados, além de uma extensa rede de comitês locais que, em alguns casos, administram as cidades que foram tomadas da ditadura.

Nesta ofensiva, como se sabe, o tirano conta com a colaboração direta sobre o território, da milícia libanesa Hezbolah.

É assim que, nos últimos meses, o regime retomou todo o corredor oeste desde Kasab (localidade síria situada no norte com a fronteira turca) até o sul da fronteira com o Líbano, a partir de seguidas vitórias parciais que tiveram início em junho de 2013, com a tomada de Qusair, à qual seguiram Yabrud, Malula e Zabadani. Estas conquistas garantiram ao déspota o controle da rota terrestre Damasco-Alepo-costa do Mediterrâneo, além de uma passagem segura ao Líbano, assegurando o abastecimento de armamento e de milicianos do Hezbolah.

Sem dúvida, a principal vitória do regime até o momento se deu em Homs, a terceira cidade da Síria, anteriormente considerada “capital da revolução”. Em 7 de maio, depois de um cerco terrível que durou quase dois anos e depois de uma resistência heroica, cerca de dois mil soldados rebeldes se retiraram  daquela simbólica cidade, após conseguir um acordo com o regime[3]. O cerco e os bombardeios governamentais em Homs começaram em março de 2011, e os ataques por terra também contaram com o apoio de soldados do Hezbolah.

O acordo pelo qual os rebeldes saíram de Homs contemplou que cada combatente, durante a retirada, podia levar seus bens pessoais e uma arma. Em cada veículo, além disso, se podia conseguir um lança granadas e uma metralhadora. Também se estabeleceu a liberação de 70 prisioneiros em mãos dos rebeldes, retidos na cidade de Alepo.

Falando claro, a reconquista de Homs foi uma vitória militar muito importante do regime, sobretudo pelo impacto moral que tem, ter vencido um simbólico bastião rebelde. No entanto, é necessário dar a este fato sua verdadeira dimensão. Por exemplo, os rebeldes que se renderam foram transportados em ônibus até outras zonas dominadas pelos próprios rebeldes, a 20 kilômetros ao norte de Homs. Outros meios de comunicação dizem que os rebeldes retomaram posições a 10 kilômetros dessa cidade[4]. Este fato indica que os insurgentes, ainda que tenham abandonado um espaço importante, não foram “destruídos” pela ditadura. Ainda controlam amplos territórios nos arredores desta cidade estratégica, que é um nó de carreteiras entre Damasco e Alepo no norte, e entre Damasco e Latakia no Mediterrâneo[5].

“Em dois anos avançamos 300 metros”

Os êxitos militares da ofensiva de Al Assad significam que a revolução foi derrotada, como afirmam Al Assad, parte da imprensa internacional e até da própria “esquerda”? Não pensamos que seja assim.

É categórico que a revolução atravessa um de seus momentos mais difíceis. As forças rebeldes, mal armadas e sem uma direção revolucionária, no último ano e meio se viram combatendo em duas frentes: contra a coalizão Al Assad-Hezbolah-Irã-Rússia e contra as tropas do Estado Islâmico e da Frente Al Nusra (ramificação da Al Qaeda na Síria).

Existe, para piorar esta situação, uma falta de coordenação enorme sobre o território, como produto de uma direção burguesa “democrática”, bastante fragmentada, que foi perdendo autoridade entre os insurgentes devido a suas posições vacilantes e, sobretudo, porque seu programa não contempla, na hipótese de derrotar Al Assad, satisfazer as demandas econômicas e inclusive democráticas do povo sírio. Por outro lado, a posição abertamente pró imperialista destas direções, que há um ano estavam clamando aos Estados Unidos para que bombardeassem a Síria – ameaça que não se concretizou devido ao escandaloso retrocesso de último momento de Obama, produto do escasso apoio político –, certamente contribuiu ao desprestígio dos “opositores de fora do exterior”.

 Neste marco, a chamada Coalizão Nacional para as Forças da Oposição e a Revolução Síria (CNFORS) e a cúpula do Exército Livre Sírio (ELS) se mostraram incapazes de centralizar as milícias para encarar uma luta unificada contra a tirania: “Faz mais de um ano que não temos contato com as brigadas do norte. Centramo-nos em nossa zona e [nos relacionamos] com outras brigadas daqui”[6], tal é a situação segundo explica Abu Husein, líder rebelde do oeste do país.

Não obstante, apesar de sua abrumadora superioridade militar, o regime não conseguiu destruir a revolução. A realidade é que, a custa de sacrifícios cada vez maiores e de penúrias sem fim, as forças antiditatoriais seguem controlando áreas importantes, como partes de Alepo e Idlib, além de “bolsões” nas periferias de Damasco e nas imediações de Homs.

As tropas conjuntas de Al Assad e Hezbolah, sem condições para tomar as posições rebeldes simplesmente com “assaltos” da infantaria, adotam a tática de cercar os insurgentes nas cidades mais importantes, cortando suas linhas de comunicação e abastecimento. É a aposta ao “desgaste”.

Atualmente, depois de controlar toda a zona fronteiriça com o Líbano, Al Assad se concentra em fortalecer seu controle sobre as metrópoles e as principais artérias de conexão com Damasco, tentando expulsar os rebeldes para as periferias das grandes cidades. A contrarrevolução concentra seus esforços em retomar Alepo e em atacar, preferencialmente por ar, os bolsões insurgentes na periferia da capital e outras cidades, como Hama e Homs.

Quando tropas regulares sírias se aventuram a penetrar em zonas libertadas, enfrentam as táticas de guerrilha urbana, nas quais os rebeldes se tornaram notavelmente sagazes. Criaram um complexo sistema de túneis para perpetrar ataques surpresas ou manter o abastecimento. É uma forma de “burlar” a hegemonia aérea do regime. Além disso, em cidades como Alepo, existem “zonas cinzas” nos mapas militares, que não estão controladas por ninguém, devido ao enxame de atiradores de ambos lados, entrincheiradosnos esqueletos de edifícios,contribuem ao “imobilismo” da guerra nas grandes cidades.

O sistema de túneis construído pelos rebeldes tem mostrado bons resultados. Por exemplo, no dia 8 de maio, um dia depois da retirada de Homs, uma brigada da Frente Islâmica em Alepo, que apesar de seu programa islâmico, tem como centro o combate à ditadura e luta ao lado de rebeldes laicos, fez saltar pelos ares o hotel Carlton Citadel e outros edifícios vizinhos que o governo sírio usava como “base militar”, matando ao menos 40 soldados de Al Assad[7][8]. Os insurgentes detonaram um artefato colocado em um túnel de 75 metros[9], escavado nos fundamentos do edifício, configurando uma das proezas mais espetaculares acontecidas na guerra[10].

Uma semana depois, em Idlib, a Frente Islâmica detonou mais de 60 toneladas de explosivos, fazendo voar um acampamento inteiro do Exército sírio. Outra vez, o meio foi um túnel. Segundo informou um comandante da Frente Islâmica, sua brigada “cavou uns 850 metros por debaixo do túnel da base de Wadi al-Deif, que está rodeado pelos rebeldes”[11].

Outra ação favorável aos rebeldes se deu em 18 de maio na cidade de Mleiha, na periferia de Damasco, de onde as brigadas rebeldes mataram em combate ao chefe das forças de defesa antiaérea da Síria, o general Hussein Ishaq[12].

Considerando estes fatos e outros similares, afirmar que a revolução acabou e que a ditadura triunfou é um erro. A realidade mostra que, apesar das condições precárias nas quais combatem os rebeldes, estamos diante de um conflito de longa duração, sem aparente solução imediata, pois na gênese da revolução – que adquiriu a forma de uma guerra civil – estão contidas contradições acumuladas por décadas, que não se resolveram.

É tão assim que, recentemente, o próprio general sírio Abu Ahmed, que comanda as tropas ditatoriais em Alepo, reconheceu que em dois anos avançaram “300 metros”: “A guerra não terminará até que não haja uma solução política entre potências internacionais e regionais. Enquanto isso, podemos continuar anos nessa situação”[13].
 
Abu Hasan, outro general sírio que lidera a temível Guarda Republicana, uma força de elite do Exército, também admite não dispor da capacidade bélica necessária para liquidar a resistência rebelde: “A estratégia clássica de guerra não funciona. Se produzem muitos destroços e perda de vidas civis. Manteremos posições até que se chegue a uma solução política” [14].
 
O papel do Estado Islâmico

Desde o final de 2012 temos insistido no papel determinante que cumprem as tropas do Hezbolah no campo militar contrarrevolucionário. A milícia libanesa entrou em cena no momento mais crítico para a ditadura, quando o Exército regular se acabava em deserções e os rebeldes chegavam às portas de Damasco. Prontamente, o Hezbolah se mostrou indispensável para concretizar os últimos avanços bélicos do regime.

A partir da segunda metade de 2013, apareceu outro ator contrarrevolucionário com igual ou maior peso: o chamado Estado Islâmico.

Como explicamos anteriormente, o EI é uma organização burguesa com um programa teocrático-ditatorial ultrarreacionário. É um “partido-exército”, contrarrevolucionário em toda a regra, que atualmente controla importantes territórios petrolíferos na Síria e no Iraque, nos quais instaurou um “Califado” islâmico.

Desde que formavam parte da Al Qaeda, que na Síria está representado pela Frente Al Nusra, os “milicianos de negro” do EI atuaram como a “quinta coluna” do regime, dedicando-se a combater a os rebeldes do ELS e a apropriando-se dos territórios que a revolução ia conquistando da ditadura síria.

Este foi o caso, para citar exemplos mais conhecidos, de Deir al Zor, Raqqa ou Menbij. Depois de Al Nusra usurpar estas cidades dos rebeldes antiditatoriais, detonou a disputa por estes territórios ricos em petróleo entre os próprios “yihadistas”, ocasionando furiosos combates entre o EI e Al Nusra que, segundo contas parciais, custaram a vida de mais de quatro mil soldados de ambos os lados.

Finalmente, depois do duplo parasitismo, o EI consolidou nessas zonas uma ditadura teocrática, que se concretiza no “Califado” islâmico. Nos territórios que ocupam, começaram pela perseguição e o assassinato dos combatentes do ELS, da Frente Islâmica e dos membros dos comitês locais que a população elegeu para administrar as zonas libertadas, como foi o caso da cidade de Menbij.

Desta forma, foram avançando até o ponto de impor o mais completo terror nas populações locais (decapitações, crucificações, dilapidações, enterrar pessoas vivas, mutilação para as mulheres), baseando-se em uma interpretação extrema e fundamentalista da Sharia (lei islâmica). Ao mesmo tempo, o autoproclamado “Califa Ibrahim” se dedicou a fazer negócios com a própria ditadura síria, para a qual vende petróleo cru e combustível, que Al Assad necessita para massacrar a revolução.

Tudo isso sem contar o inestimável favor que as atrocidades cometidas pelo EI servem ao fortalecimento político de Al Assad, que tem nelas uma possibilidade de “justificar” sua “importância como interlocutor” no que ele denomina a “cruzada contra o terrorismo” na Síria, oferecendo seu apoio às potências imperialistas.

Neste sentido, as crueldades e os horríveis crimes do EI contra minorias étnicas e religiosas, tanto na Síria como no Iraque, servem para proporcionar justificativas “humanitárias” ao imperialismo para atacar por ar o solo iraquiano. O mesmo aconteceu com seus lacaios, como o recém-destituído primeiro ministro Al Maliki, no Iraque, e até com o próprio Al Assad, que, respectivamente, “solicitaram” ou se mostraram a favor de “coordenar” ataques aéreos dos Estados Unidos em seus próprios países.

Até o momento, como se sabe, Estados Unidos realizou vários bombardeios “limitados e pontuais” contra posições do EI no Iraque e, a partir do assassinato do jornalista estadunidense James Foley, decidiu autorizar “voos de reconhecimento” de drones [aviões não tripulados] na Síria, como um possível primeiro passo para futuros bombardeios. Por agora, Obama se mostrou mais cauteloso em relação a estender os ataques aéreos na Síria e chegou a admitir que “ainda não temos uma estratégia” [15].

De fato, Al Assad, aparente “anti-imperialista” segundo as correntes castro-chavistas, já está colaborando com os Estados Unidos. Os “voos de reconhecimento” norte-americanos para conhecer as posições do EI começaram e, segundo o OSDH, “A cooperação já começou e Estados Unidos oferece informação a Damasco através de Bagdá e Moscou” [16].

A entrada em cena do EI obrigou os rebeldes antiditatoriais, laicos ou não, a abrir uma segunda frente, debilitando ainda mais seus recursos. O preço de lutar contra o regime e contra o EI é muito alto. Alguns grupos rebeldes que lutam contra o EI calculam que a metade de suas forças foi desviada a este segundo inimigo[17].

Por essa razão, distintas brigadas rebeldes declararam o EI como “objetivo militar da revolução”, declarando que “A revolução síria se baseia em valores que têm como objetivo conseguir a liberdade, a justiça e a segurança de toda a sociedade síria e seu diverso tecido multiétnico, multi-religioso e social”[18].

Em maio passado, ocorreu uma greve geral contra o poder do EI em Menbij (Alepo), que teve 80% de concordância, segundo o Comitê de Coordenação Local de Menbij[19].

Desde janeiro, em que pese todas as dificuldades, segundo The Economist, o EI sofreu alguns reveses militares em mãos dos rebeldes antiditatoriais em Idlib e Alepo, que os forçou a retirar-se para o leste, seu bastião em Raqqa[20].

Os rebeldes sírios também conseguiram expulsar o EI da quase totalidade da periferia de Damasco, concretamente dos bairros de Mesraba e Maydaa, situados na região do Ghuta oriental, assim como de Yalda e Beit Sahem, segundo o OSDH[21].

Contudo, será difícil expulsar o EI da Síria, já que se fortaleceu financeira e militarmente a partir dos territórios que ocupou no Iraque. Domingo, 24 de agosto, por exemplo, tomaram o controle da base aérea de Tabqa, a 45 kilômetros da cidade de Raqqa, armando-se com aviões de combate, helicópteros, tanques e artilharia, com o qual ampliam e consolidam os territórios do pretendido “Califado”.

Alepo, uma batalha crucial

Alepo é neste momento o epicentro da guerra civil. Os rebeldes sírios, conjuntamente com milícias kurdas, controlam o nordeste e parte do sudeste da cidade. A Guarda Republicana, especialmente através de seu destacamento de elite, denominado “Os Tigres”, e milicianos do Hezbolah, controlam o oeste do antigo coração econômico da Síria. “Os amigos do Hezbolah asseguram algumas posições uma vez que as tomamos”, confirma Nesser, um comandante “Tigre” [22].

Os combates mais intensos ocorrem na periferia norte e leste. A artilharia síria bombardeia incessantemente as posições rebeldes, recorrendo ao lançamento a partir de helicópteros, de barris carregados com explosivos, armas rudimentares, mas altamente mortíferas. Estes “barris da morte”, que detonam em áreas muito povoadas (além de padarias e hospitais), mataram cerca de doze mil civis[23].

Assim, bairros inteiros foram apagados do mapa. No meio deste panorama infernal, cerca de dois milhões de civis presos neste terrível cerco, sem água potável e com eletricidade intermitente, tentam seguir suas vidas como podem.

Atualmente, as milícias rebeldes que resistem ao avanço da ditadura em Alepo também o fazem contra as forças do EI, muito melhor armadas depois da ofensiva no Iraque e que avançam para o centro da cidade pelo nordeste[24]. Encontram-se a 25 kilômetros, depois de haver usurpado as localidades de Ajtarin e de Mare da Frente Islâmica, fato que complica ainda mais a situação dos rebeldes. Contudo, os rebeldes se preparam para recebê-los: “Os diferentes líderes das brigadas rebeldes se reuniram para criar uma coalizão capaz de fazer uma frente comum. São milhares os que se dirigem até aqui para frear o avanço”, disse o opositor Abu Ramzi da periferia de Alepo[25].

 
A resistência síria em Damasco

Mesmo que tenha ocorrido um retrocesso das forças rebeldes em comparação com o período 2011-2012, quando a insurgência quase abraçava Damasco, ainda existe uma rede de milícias rebeldes que mantém suas posições na periferia da capital.

Além de sustentar intensos combates contra as tropas de elite de Al Assad e do EI, os rebeldes hostilizam a vida cotidiana do centro político do país com ataques de morteiro e, eventualmente, com atentados com bombas, muitos deles viabilizados através dos túneis.

A defesa da capital se converteu na prioridade do regime. Como em Alepo, a tática é estreitar ao máximo o cerco aos rebeldes e bombardear-lhes via aérea.

Recentemente, o comando do Exército sírio anunciou ter tomado o controle da população de Mleha, somente a dois kilômetros ao sudeste de Damasco, depois de 18 meses de combates. A partir deste fato, os rebeldes teriam retrocedido ao leste da capital.

Não obstante, a situação está longe de uma “limpeza de terroristas”, como prometeu Al Assad ao assumir seu novo mandato através de eleições fraudadas. Inclusive um oficial do Exército sírio “matizou” a conquista: “na guerra, quando se toma uma área não significa que esteja totalmente limpa. Em 10 dias tudo pode mudar” [26]. A frente militar nas proximidades de Damasco demonstrou uma volatilidade similar à de Alepo, com avanços e retrocessos de poucos metros. De maneira que tudo aquilo que se retira do inimigo, pode ser perdido no próximo contra ataque.

Apesar de tudo, a insurgência continua controlando, sob a base de uma resistência heroica, toda a chamada Ghuta oriental (periferia leste de Damasco).

Redobrar a solidariedade com a Revolução Síria!

A revolução síria não foi derrotada. A guerra civil não está perdida, ela está em curso, mas não se vislumbra uma resolução rápida.

A resistência dos rebeldes é heroica; sua luta, exemplo de entrega a todos os lutadores democráticos e revolucionários do mundo. Com avanços e retrocessos, se batem em duas frentes: contra a ditadura de Al Assad e contra a “quinta coluna” do EI.

Por isso, é um erro completo “cantar derrota” nestes momentos. Considerando que isso é falso, reproduzir este tipo de “propaganda”, no meio de uma guerra em curso, só pode favorecer aos projetos ditatoriais e contrarrevolucionários de Al Assad e do EI.

A atitude dos revolucionários deve ser completamente contrária ao derrotismo. Sua política também. A difícil situação militar deve ser motivo para intensificar a campanha de solidariedade incondicional, de completo apoio à vitória militar do povo sírio, que se expressa nas milícias rebeldes do ELS, da Frente Islâmica, dos comitês locais, dos conselhos locais, e de um amplo leque de setores que, laicos ou não, empunharam as armas para derrotar a ditadura genocida do clã Assad e enfrentar o projeto bárbaro do “Califado” islâmico que quer consolidar o EI.

É urgente lutar para romper o isolamento da revolução síria, imposto não só pela campanha de desprestígio da imprensa internacional, mas também pelo apoio explícito à ditadura de Al Assad e pela propaganda mentirosa contra os lutadores rebeldes que fomenta uma ampla gama de organizações stalinistas e castro-chavistas.

Por isso, para pensar seriamente numa contra ofensiva rebelde que possa abrir caminho a uma vitória militar, segue sendo fundamental a exigência a todos os governos, de envio de armas aos combatentes sírios. A defesa do direito que a revolução tem de defender-se e avançar, se concretiza nesta posição.

Neste sentido, para se ter uma ideia da precariedade com a qual os rebeldes enfrentam a ditadura e aos “yihadistas” do EI, Salim Idris, ex comandante do ELS, relatou: “A maioria dos combatentes são sírios, militares desertores ou civis que deixaram seus trabalhos para unirem-se a revolução. Temos agora no ELS ao redor de 100.000 combatentes.  50% está armado e 50% não. Compartilham as armas (…) Tratei com os comandantes da frente e com os países que nos apoiam de unificar todos os grupos no território e dar-lhes um salário, uns 100 dólares ao mês a cada combatente. Lhes pedi munições e uma assistência mais consistente para distribuir entre os batalhões. Contudo temos recebido muito pouco, não tem sido suficiente: nem salários nem apoio financeiro; há uma grande carência de ajuda médica  e humanitária, e esse segue sendo hoje um dos maiores problemas (…) Até agora não temos recebido armas ou munições de qualidade. Chegaram alguns mísseis antitanque, mas necessitamos manpads (lança mísseis terra-ar) porque os caças do regime seguem bombardeando diariamente as cidades, população, colégios, hospitais…”[27].
 
Ao mesmo tempo, para mudar o rumo da guerra, é urgente avançar na centralização de todas as milícias rebeldes em um comando único, baseado em um programa que parta da necessidade de derrotar a ditadura, que responda aos problemas sociais, agravados ao máximo pela destruição causada pela guerra. É fundamental unificar a luta democrática, que significa centralizar todos os esforços possíveis de todas as organizações e setores sociais dispostos a continuar o combate contra a ditadura síria e o EI.

No marco da mais ampla unidade de ação antiditatorial, os revolucionários propõem como saída de fundo a aplicação do programa da revolução socialista. Isto se traduz em que, sendo parte incondicional da luta democrática e estando na trincheira contrária a da ditadura síria, é necessário ter presente a estratégia de uma revolução de Outubro triunfante, a partir de um programa que comece por responder às aspirações democráticas do povo sírio e culmine na tomada do poder pela classe trabalhadora. O “ponto de partida” do programa revolucionário deve ser categórico: Ganhar a guerra para derrotar Bashar Al Assad!
 
Neste sentido, o programa “para ganhar a guerra e fazer a revolução socialista” só poderá ser defendido consequentemente por uma direção revolucionária e internacionalista, cuja ausência se mostra mais dramática na medida em que o regime e o EI aumentam sua ofensiva contra o processo revolucionário sírio.

Tal como enunciamos na resolução sobre os perigos e sobre as tarefas da revolução síria no último Congresso da LIT-QI: “existem profundas limitações que ameaçam a vitória militar e o avanço da revolução: a falta de centralização militar e política ao redor de um programa revolucionário (que comece pela tarefa de destruir o regime ditatorial), a ausência da intervenção da classe operária organizada no processo revolucionário e, a principal de todas as limitações, a carência de uma direção marxista revolucionária no processo” [28]. Não existe tarefa estratégica mais importante na Síria e em todo o Oriente Médio.

Tradução: Néa Vieira.



[1] Apesar de que Al Assad negasse possuir “arsenal químico”, só no último ano foram destruídas 581 toneladas de
 “precursores químicos” para fabricar gás sarim e 19,8 toneladas de agentes químicos para fabricar gás mostarda.

[2] http://internacional.elpais.com/internacional/2014/07/22/actualidad/1406020389_624691.html

[3] http://www.lanacion.com.ar/1688524-una-victoria-para-al-assad-cayo-homs-capital-de-la-revolucion

[4] http://internacional.elpais.com/internacional/2014/05/07/actualidad/1399465568_665771.html

[5] http://www.publico.es/internacional/519282/victoria-militar-y-moral-de-al-assad-en-homs

[6] http://internacional.elpais.com/internacional/2014/08/16/actualidad/1408216125_187272.html

[7]http://www.aljazeera.com/news/middleeast/2014/05/rebels-bomb-syria-army-hotel-base-aleppo-2014588229832559.html

[8]http://www.aljazeera.com/news/middleeast/2014/05/syrian-troops-hit-aleppo-tunnel-bombing-2014531132635764102.html

[9]http://www.aljazeera.com/news/middleeast/2014/05/rebels-bomb-syria-army-hotel-base-aleppo-2014588229832559.html

[10] Ver video: http://internacional.elpais.com/internacional/2014/05/08/actualidad/1399538322_394792.html

[11]http://www.noticias24.com/fotos/noticia/16353/siria-rebeldes-hacen-volar-campamento-del-ejercito-aplicando-60-toneladas-de-explosivos/

[12]http://noticias.terra.com.br/mundo/oriente-medio/siria-comandante-do-exercito-morre-em-combate-em-mleiha,d5fb67ad03b06410VgnCLD2000000dc6eb0aRCRD.html

[13] http://internacional.elpais.com/internacional/2014/08/16/actualidad/1408216125_187272.html

[14] http://internacional.elpais.com/internacional/2014/08/18/actualidad/1408389503_997390.html

[15] http://internacional.elpais.com/internacional/2014/08/29/actualidad/1409266155_646999.html

[16] http://www.clarin.com/mundo/Obama-autoriza-Síria-combater-ISIS_0_1201079928.html

[17]http://www.economist.com/news/middle-east-and-africa/21603470-rivalry-between-insurgents-helping-him-nowbut-may-eventually-undermine-him#

[18]http://noticias.terra.com/internacional/asia/rebeldes-islamistas-sírios-declaram-a-grupo-yihadista-como-objetivo-militar,8c37d96a02106410VgnCLD2000000dc6eb0aRCRD.html

[19]http://www.dailystar.com.lb/News/Middle-East/2014/May-19/256939-general-strike-challenges-isis-in-aleppo-town.ashx#ixzz32COGn43G

[20]http://www.economist.com/news/middle-east-and-africa/21603470-rivalry-between-insurgents-helping-him-nowbut-may-eventually-undermine-him#

[21] http://www.prensalibre.com/internacional/Rebeldes-sirios-ganam-terreno-frente-yihadistas-Damasco_0_1178882116.html

[22] http://internacional.elpais.com/internacional/2014/08/18/actualidad/1408390868_838265.html

[23] http://internacional.elpais.com/internacional/2014/04/26/actualidad/1398535185_110175.html

[24] http://internacional.elpais.com/internacional/2014/08/18/actualidad/1408389503_997390.html

[25] http://internacional.elpais.com/internacional/2014/08/18/actualidad/1408390868_838265.html

[26] http://internacional.elpais.com/internacional/2014/08/14/actualidad/1408043583_949810.html

[27] http://internacional.elpais.com/internacional/2014/04/09/actualidad/1396994480_883770.html

[28] Resolução sobre a Síria do XI Congresso da LIT-QI.

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