No dia 8 de novembro, o Congresso dos Sindicatos da África do Sul (COSATU), que é parte do governo do país, votou a expulsão do Sindicato dos Metalúrgicos (NUMSA), em represália ao chamado, da entidade sindical, pela construção de uma Frente Única por um movimento socialista.
A expulsão (aprovada com 33 votos, contra 24, dos membros do Comitê Executivo da Central) aconteceu um ano depois do NUMSA, que tem 350 mil trabalhadores em sua base, ter aprovado, em um Congresso Extraordinário, um processo de discussão interna sobre a ruptura com a Aliança Tripartite, como são conhecidos os governos formados pelo Congresso Nacional Africano (CNA), a Cosatu e o Partido Comunista (PC), que estão no poder desde 1994, quando Nelson Mandela foi eleito.
A decisão do NUMSA foi tomada em função de sua caracterização (como é afirmada na declaração publicada no dia 9) de que “as políticas do partido no poder, o Congresso Nacional Africano, tem afetado a classe trabalhadora de forma negativa” e a Cosatu não tem se enfrentado com “estas políticas anti-operárias”, rasgando seus próprios estatutos e “sacrificando os interesses da classe trabalhadora para manter a aliança com o CNA e do PC”.
Ainda segundo a nota do Sindicato dos Metalúrgicos sul-africano, “o maior crime do NUMSA foi o fato de ter aprovado, democraticamente, em seu próprio congresso, a defesa da independência política da Federação, diante do agravamento das condições materiais da classe trabalhadora, como resultado das políticas neoliberais do CNA”.
O auge e exemplo mais lamentável destas políticas foi o Massacre de Marikana, onde 34 mineiros foram mortos (e 70 feridos), quando realizavam uma greve, em agosto de 2012 (Marikana ainda sangra: http://litci.org/pt/index.php?option=com_content&view=article&id=4040:marikana-ainda-sangra&catid=50:africa-do-sul-&Itemid=150). O massacre, conhecido como o “Shaperville do CNA” (em referência ao assassinato de 69 trabalhadores e jovens, em 21 de março de 1969) detonou um profundo processo de reorganização política e sindical no país.
Medidas burocráticas contra o debate político
A resolução do NUMSA é parte deste processo (A reorganização, sindical e política em marcha http://litci.org/pt/index.php?option=com_content&view=article&id=4042:a-reorganizacao-sindical-e-politica-em-marcha&catid=50:africa-do-sul-&Itemid=150). Contudo, levou a discussão a um novo e excepcional patamar na medida em que a entidade sindical está chamando a formação de uma Frente Única pela criação de um “Movimento pelo Socialismo”. Política que, como podemos verificar em um Seminário realizado em agosto passado, tem um enorme apelo nos movimentos sociais e políticos sul-africanos, indo para muito além da base do NUMSA.
A expulsão, cuja legitimidade é questionada pelo NUMSA (já que foi “justificada” por uma série de questões burocráticas e falsificações, além de ataques morais), se deu de forma precipitada e anti-democrática, como também é declarado na nota do NUMSA, exatamente para impedir que as posições adotadas pelo Congresso de dezembro de 2013, fossem “democraticamente debatidas pelos trabalhadores da Cosatu no próximo Congresso Nacional da entidade”, já que sua direção “tem medo dos resultados de um debate democrático entre os trabalhadores sobre seu futuro político e material” (numa referência à enorme dependência financeira da Cosatu e seus membros em relação ao governo).
O que está por vir? A luta só começou
Em sua declaração, o NUMSA declara sua disposição para lutar contra a expulsão da entidade que ajudaram a fundar, como também em seguir adiante com seu projeto de reorganização do movimento.
“Como uma organização controlada pelos trabalhadores, vamos convocar reuniões das instâncias do NUMSA e encontros de massas para desenvolver um programa sobre como podemos avançar e continuarmos a levantar as nossas vozes nas lutas da classe trabalhadora. Esta luta não acabou! A direção do NUMSA conclama todos seus membros, país afora, a permanecer unidos. Chamamos, ainda, todos os trabalhadores de todos os sindicatos filiadas a COSATU a permanecerem unidos e rejeitarem a expulsão ilegal de NUMSA por um grupo de líderes de facções lideradas pelo presidente COSATU”, diz a nota.
Os passos imediatos e concretos a serem dados nesta luta serão definidos na reunião do Comitê Central (coordenação) da entidade que será realizada ainda esta semana. De imediato, a orientação para os dirigentes e trabalhadores da base é travar a batalha por dentro da Cosatu, numa espécie de “desobediência organizada”.
A orientação é para que os dirigentes e filiados mantenham seus postos e atividades nas estruturas da Cosatu, para tentar dar continuidade ao debate político que a Central está tentando abortar com a expulsão: “Conclamamos os dirigentes locais e provinciais a participarem de todas as reuniões da COSATU em suas áreas, já que não aceitamos ser empurrados para fora por políticas (às vezes explícitas, outras não) que têm como objetivo dividir a Federação. Lembramos nossos dirigentes locais e regionais que existem muitos filiados a COSATU que também estão dispostos a lutar para recuperar e unidade de nossa federação”.
Para tal, o NUMSA também está orientando seus filiados a convocar, em toda a África do Sul, reuniões com os representantes das comissões de fábricas não só de sua base, mas abertas a todos e todas trabalhadores filiados a Cosatu, para, juntamente com eles, lutarem contra a expulsão e pelo resgate da independência e combatividade da Cosatu.
A política adotada pela direção do NUMSA é mais do que justificável. A Cosatu foi uma das principais conquistas dos trabalhadores e do povo negro sul-africano na luta contra o apartheid. Tendo, hoje, cerca de 2.2 milhões de filiados, a entidade foi criada em 1985, no auge da luta contra o apartheid (e quando o país se encontrava sob um “estado de sítio”) e foi responsável pela onda de protestos e greves insurrecionais que colocaram em cheque o asqueroso regime racista.
Todo apoio ao NUMSA! Essa é uma luta de todos nós!
Nossa militância, particularmente no Brasil, conhece muito o bem o processo pelo qual o NUMSA está passando. Assim como há muitas semelhanças entre as políticas neoliberais aplicadas, hoje, pelo partido de Mandela e os governos do PT, seus métodos também se assemelham mais e mais.
O PSTU nasceu de uma expulsão pela burocracia petista, no início dos anos 1990. A CSP-Conlutas é fruto da reorganização impulsionada pelas traições da CUT e a adoção, por parte da Central, de medidas igualmente burocráticas na tentativa de impedir que os trabalhadores organizassem sua resistência aos planos neoliberais.
Por isso mesmo temos pleno acordo com a caracterização que o Sindicato dos Metalúrgicos sul-africano faz sobre a resolução da Central: “A decisão da Cosatu de expulsar o NUMSA deve ser entendida como ela é: um ataque reacionário, bem orquestrado, à organização dos trabalhadores; um ataque à própria Cosatu; um ataque contra os pobres, um ataque contra os trabalhadores. Estas forças reacionárias que se formaram dentro da Aliança estão tentando destruir a unidade da Cosatu e o estão fazendo em defesa de seus próprios e egoístas interesses materiais. Esta luta da direção da Cosatu não tem nada a ver com os interesses dos trabalhadores”.
Não há como questionar isto. E, consequentemente, a expulsão do NUMSA é um ataque aos trabalhadores, os pobres e os oprimidos de todo o mundo. Por isso, também conclamamos todas seções da Liga Internacional dos Trabalhadores e seus militantes a cerrar fileiras com os trabalhadores e trabalhadoras do NUMSA na sua luta pelo resgate da Cosatu e a necessária unidade da classe operária sul-africana. Uma luta que, como declara o NUMSA, deve ser travada “até o amargo fim”, numa referência à real possibilidade de que a direção da COSATU consiga fazer valer seu projeto reacionário e divisionista.
Por isso mesmo, também saudamos e nos solidarizamos integralmente com disposição do Sindicato dos Metalúrgicos da África do Sul expressa no final de sua nota: “Não há volta nas resoluções adotadas pelo Congresso Extraordinário do NUMSA e, de acordo com elas, iremos lançar, em dezembro de 2014, a Frente Única Nacional”, com o propósito de consolidar a construção de um “Movimento pelo Socialismo a ser definido na reunião do Comitê Central, em março de 2015”.
Assim como o fizemos no Seminário que debateu esta proposta em agosto passado, reafirmamos nossa disposição em fazer o que estiver ao nosso alcance para colaborar com o NUMSA na construção desta alternativa socialista para derrubar o apartheid econômico que, lamentavelmente, sobrevive na África do Sul, exatamente em função das políticas adotadas pela Cosatu, o CNA e o PC em função de sua defesa dos interesses da elite branca, racista que continua a explorar e oprimir nossos irmãos e irmãs sul-africanos.
Amandla Awethu, companheiros e companheiras do NUMSA!
Leia um trecho da declaração do NUMSA
“O NUMSA declara que algumas das questões chaves na luta com o CNA, o PC e direção de algumas entidades afiliadas e da própria Cosatu, são:
O Numsa está preocupado com algumas das políticas centrais do CNA e do seu Plano Nacional de Desenvolvimento, que é um “copiar e colar” das políticas da Aliança Democrática[1] e do GEAR[2] que substituíram a Carta da Liberdade. A Carta da Liberdade deu ao CNA seu caráter de movimento de libertação nacional. É um programa militante e popular, que desafia as relações de propriedade na África do Sul. Leia artigo sobre a contraposição da “Carta da Liberdade” e as atuais políticas do governo abaixo: Apartheid econômico: a liberdade pisoteada pela exploração (http://litci.org/pt/index.php?option=com_content&view=article&id=4054:apartheid-economico-a-liberdade-pisoteada-pela-exploracao&catid=50:africa-do-sul-&Itemid=150)
2. O Plano Nacional de Desenvolvimento é um programa neoliberal, que reforça as relações de propriedade existentes e ataca os interesses da classe operária e dos pobres, para proteger os interesses dos proprietários das minas e do capital financeiro.
3. A direção do CNA abandonou a democracia.
4. Há uma grave ameaça à militância e independência da Cosatu. A Cosatu está consumida por batalhas internas entre duas forças: (1) aqueles que continuam a apoiar o CNA e o PC e sua agenda neolbieral. (2) E aqueles que, apesar de conceber o CNA como uma organização policlassista, estão lutando, de forma consciente e consistente, por uma Federação independente e militante, que se coloque ao lado dos interesses da classe operária antes de qualquer outra classe.
5. Tanto em Marikana quanto na greve dos trabalhadores camponeses em Western Cape [uma das províncias sul-africanas] as forças armadas do Estado intervieram para apoiar os donos do Capital contra trabalhadores em greve. Nos dois casos, o resultado foi o assassinato de trabalhadores cujo único crime foi se recusar a vender sua força de trabalho por menos do que um salário que lhes garanta condições básicas de vida.
[1] A “Aliança Democrática” é o principal partido burguês me oposição à “Aliança Triparte”, defensor de políticas fortemente neoliberais e que, hoje, congrega amplos setores da elite branca do país.
[2] GEAR é o nome dado ao Plano para o Crescimento, Emprego e Redistribuição criado por Nelson Mandela e aprofundado pelo seu vice e sucessor Thabo Mbeki, para estimular a entrada de investimentos estrangeiros no país. O plano foi o carro-chefe na implementação dos projetos neoliberais na África do Sul.